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CERN celebra 10 anos da descoberta do bóson de Higgs e acelerador de partículas retoma colisões

04/07/2022 08h37

Após três anos de manutenção, o acelerador de partículas LHC, da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN), em Meyrin, na fronteira entre a França e a Suíça, está pronto para novas experiências. Essa fase possibilitará, nos próximos anos, o acúmulo de um número dez vezes maior de dados pela maior máquina já construída pelo homem, que busca explicar a origem do universo e da matéria.

Após três anos de manutenção, o acelerador de partículas LHC, da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN), em Meyrin, na fronteira entre a França e a Suíça, está pronto para novas experiências. Essa fase possibilitará, nos próximos anos, o acúmulo de um número dez vezes maior de dados pela maior máquina já construída pelo homem, que busca explicar a origem do universo e da matéria.

Taíssa Stivanin, enviada especial a Meyrin

Coincidência ou não do calendário, as colisões no superacelerador vão recomeçar oficialmente em 5 de julho, um dia depois da comemoração dos dez anos da descoberta do bóson de Higgs, nesta terça-feira (4), uma das mais importantes da história da Física.

A partícula é uma das peças fundamentais para ajudar os cientistas a entender como a matéria se formou após o Big Bang, a explosão que teria dado origem ao universo, há cerca de 13 bilhões de anos. As pesquisas que envolvem o LHC, o maior laboratório de física de partículas do planeta, buscam entender o surgimento do cosmos e de tudo o que o compõe - as menores partículas que o formam e o mantém unido.

O cientista brasileiro Denis Oliveira Damazio atua no CERN há mais de 20 anos e contribuiu para essa grande descoberta da Física. Ele trabalha em experimentos no detector ATLAS e conta que já havia sinais de que algo "excepcional" estava prestes a ser confirmado, no dia do anúncio da descoberta do Bóson de Higgs. O CERN preparou uma série de eventos para celebrar a data.

"No ATLAS, a gente já tinha detectado um sinal importante. São medidas que fazemos e que nos permitem ter o que chamamos de eventos "candidatos" a bóson de Higgs. Nessa área, a acumulação estatística desses eventos leva a uma conclusão", explica.

"Tínhamos dois canais importantes: o Higgs estava decaindo em dois fótons (partícula mediadora da força eletromagnética). Ao analisar a propriedades dos dois fótons, reconstruíamos a massa invariante deles. Isso permitia chegar a um pico da massa que, esperávamos, fosse do Higgs. Também havia um outro canal: nesse, o Higgs estava decaindo em quatro léptons (partícula subatômica da família dos elétrons), o que nos permitia tirar a mesma conclusão", detalha.

Segundo Denis, os resultados apresentados pelo CMS, um outro detector que também opera nos feixes do LHC, foram praticamente similares. "O interessante é que nesse dia os dois grupos apresentaram resultados e eles eram bastante parecidos. Apesar das colisões serem independentes, e ocorrerem em outros trechos do acelerador, havia o mesmo tipo de sinal. Nós e eles produzimos uma certa quantidade de Higgs e conseguimos bater fotos em número suficiente para mostrar que essa partícula existia", explica. "Um ano depois acumulamos mais estatísticas e pudemos dizer que esse era o Higgs", conclui. De acordo com ele, havia a possibilidade de que houvessem múltiplos Higgs.

O pesquisador brasileiro prefere que o bóson não seja chamado de "partícula de Deus". Segundo ele, essa denominação ignora em parte o esforço científico para explicar suas propriedades, o que vem sendo feito desde que ela foi observada. "A partícula é algo que podemos medir e que tem propriedades conhecidas agora, graças ao trabalho que estamos fazendo. Essa denominação 'partícula de Deus' acaba misturando religião e ciência e dando a impressão de que a partícula teria propriedades místicas, o que não tem nenhum sentido", observa.

Prêmio Nobel

A descoberta do bóson de Higgs veio comprovar a teoria descrita em 1964 por três físicos: o americano Robert Brout, que morreu em 2011, o belga François Englert e britânico Peter Higgs - os dois ganharam o Nobel de Física em 2013. Nos anos 1960, os três cientistas descreveram um mecanismo para explicar a origem da massa das chamadas partículas elementares - o campo de Higgs.

Na Física, um campo é uma grandeza física que modifica as propriedades espaciais ao seu redor. O campo de Higgs e sua partícula, que têm o mesmo nome, são peças fundamentais de um complexo quebra-cabeça que vem completar o chamado modelo padrão. Ele visa explicar do que a matéria é feita, como as partículas interagem e qual é papel das forças (como as atômicas, por exemplo). Em resumo, o que forma a matéria e o que a unifica.

Ao modificar o espaço ao seu redor, o campo de Higgs impede algumas partículas de se movimentarem livremente a alta velocidade, como o fóton, a partícula da luz, fazendo com que elas possam se aglomerar e criar prótons e nêutrons que, combinados, formam a matéria.

A observação da partícula de Higgs é complexa: ela se desintegra muito rapidamente e máquinas ainda mais potentes são necessárias para avaliar o fenômeno em sua totalidade. O CERN já investe em novos colisores que facilitarão esse tipo de experiência.

Acesso monitorado

Lançado em 2008, após dez anos de construção, o superacelerador LHC é um túnel de 27 quilômetros de circunferência, situado a mais de 100 metros abaixo do nível do solo. O laboratório produz colisões de feixes de prótons a até 99,999999% da velocidade da luz.

A RFI esteve no local onde está instalado o acelerador, em Meyrin, perto de Genebra e da fronteira com a França. A chamada "caverna" do LHC, no subterrâneo, estava inacessível por conta do alto nível de radiação, mas a reportagem pôde conhecer a sala de controle e também visitar o espaço onde está o detector ATLAS - um dos quatro que atuam medindo as colisões produzidas pelo LHC colisor e onde atua o cientista brasileiro.

O acesso ao imenso complexo onde está situado o superacelerador é monitorado: é preciso apresentar credencial e passaporte e a visita só pode ser feita com o acompanhamento de um representante do centro, onde trabalham cerca de 13 mil pesquisadores e profissionais de 500 universidades de 100 países.

A segurança é máxima: o centro utiliza a biometria ocular para gerenciar o acesso dos funcionários, que são reconhecidos pela íris antes de entrar no túnel subterrâneo onde está o acelerador. Como nas usinas nucleares, eles também devem estar equipados com um aparelho para mediar a radiação e evitar acidentes.

O chefe de operações do LHC, Jörg Wenninger, recebeu a RFI na sala de controle do superacelerador - um amontoado de computadores que exibem números e códigos indecifráveis para leigos. Em torno, objetos insólitos chamam a atenção do visitante, como a garrafa de champagne vazia usada para brindar a descoberta do Bóson de Higgs, além de outras abertas para celebrar o lançamento do acelerador, em 2008, ou outros feitos científicos.

Wenninger explica que o dia a dia no local é permeado pela resolução de problemas muitas vezes banais - quando falta eletricidade e acaba a energia ou há outras "panes" técnicas. Recentemente, o superacelerador foi "vítima" de uma doninha, animal que vive na mata ao redor e roeu um dos cabos. O incidente interrompeu o funcionamento da máquina por semanas.

Questionado sobre a detecção do Higgs, Wenninger ressalta que ela "não aconteceu em um dia", mas ao longo de vários anos. "O dia da descoberta do bóson de Higgs é o dia em que as experiências puderam ser finalmente anunciadas, e seus resultados, oficialmente publicados. Cinco anos antes dessa descoberta, eu estava aqui, nessa sala de controle, tentando colocar o LHC para funcionar", diz. "Fui uma espécie de "fornecedor" de Higgs", brinca. "Eu os forneço e depois eles devem ser encontrados pelos detectores no meio dessa chuva de partículas", explica.

Neste dia 4 de julho, Jörg e sua equipe estarão ocupados em colocar o LHC para funcionar após três anos de manutenção. "Vamos estar 'ensaiando' para que tudo dê certo e o acelerador volte a funcionar no dia 5", conta. Durante esse período, os aceleradores que produzem os feixes para o LHC foram modificados para dobrar o fornecimento de partículas durante as colisões. Testes foram realizados no ano passado e em abril deste ano. Os detectores também sofreram diversas modificações e agora devem ser testados.

"Estamos nos preparando para a próxima coleta de dados. Já produzimos colisões com a nova energia. São testes de engenharia para que tudo corra bem e no dia 5 de julho vamos iniciar, oficialmente, a coleta dos dados que batizamos de Run 3 do LHC", explica.

Como funciona?

Como são produzidos os feixes de partículas que vão colidir no acelerador? As partículas, detalha Wenninger, saem de um cilindro de gás hidrogênio, de onde os prótons são extraídos e pré-acelerados por uma máquina - um acelerador linear que faz com que os prótons "surfem" em uma onda eletromagnética, aumentando sua velocidade.

Em seguida, as partículas são novamente aceleradas em um "booster", como é chamada a máquina que injeta nelas a segunda dose de energia. Após essa fase, os prótons são enviados para um primeiro síncrotron de prótons, um acelerador cíclico criado em 1959, e depois para um super síncrotron de prótons, antes de chegar ao LHC.

Cada detector do acelerador tem sua própria equipe de especialistas, que conhece em detalhes seu funcionamento. Para gerenciar essa parafernália, a sala de controle do LHC funciona como um hospital: 24 horas por dia e 7 dias por semana.

Para Jörg, o lançamento do superacelerador, em 2008, foi um dos dias mais importantes de sua vida. Ele mostra com entusiasmo as fotos do dia em que a máquina entrou em funcionamento. Até o último minuto, lembra, uma pane era possível. "Você não pode imaginar o stress que a gente estava sentindo. Você espera que tudo funcione, mas sempre podemos ser surpreendidos", diz. "É mais ou menos o mesmo problema que teremos em 5 de julho. Se no último minuto houver uma pane...é assim".