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Migrantes desalojados para construção de Vila Olímpica revelam 'Lado B' de Paris 2024

22/07/2022 13h07

Em locais sem ventilação apesar do calor e em condições precárias de habitação, cerca de 300 trabalhadores migrantes deslocados ocupam há mais de um ano instalações pré-fabricadas, aguardando a construção de novas residências, o que faz destas pessoas vítimas colaterais das obras da futura Vila Olímpica dos Jogos Olímpicos de Paris, previstos para acontecer entre 26 de julho a 11 de agosto de 2024.

Em seu alojamento modular de 18 m², forrado a chapa de aço, Famara Ndeo está "sufocando" sob a onda de calor dos últimos dias, depois de ter estremecido de frio durante o último inverno. "Fomos retirados [de nossas moradias] por causa das Olimpíadas (...), estamos abandonados", declara revoltado o mauritano de 32 anos, agente portuário do aeroporto internacional de Roissy - Charles de Gaulle, que afirma não ter visto desde dezembro nenhum representante da Adef, agência francesa responsável por serviços de habitação.

Ventilação e fogão quebrados, baratas, vasos sanitários entupidos - a lista de reclamações dos moradores cresce ao longo dos meses. Questionada pela agência AFP, a agência de habitação não se pronunciou sobre o fato.

Desde março de 2021, cerca de 300 trabalhadores, em sua maioria de origem africana, vivem como Ndeo, em uma residência temporária em Saint-Ouen, na região de Seine-Saint-Denis, ao norte de Paris. No mesmo local, aliás onde ficará instalada a delegação brasileira durante os Jogos de Paris de 2024. As instalações são mantidas pela Solideo, empresa responsável pelas obras olímpicas.

Esses trabalhadores migrantes foram retirados de suas casas para permitir a construção da vila que deve acomodar 14,5 mil atletas e treinadores. "As casas na época estavam em péssimas condições e já não atendiam aos padrões de residências sociais, com vazamentos permanentes de água, janelas quebradas", denuncia Adel Ziane, segundo vice-prefeito de Saint-Ouen, responsável pelo planejamento urbano.

Aluguel de R$ 2.325,28 por mês

A gestão municipal, de esquerda, apoia "com força" estes migrantes, que permanecerão em Saint-Ouen, à espera da construção de dois novos prédios sociais de 150 unidades habitacionais cada, previstos para 2023.

A construção de um segundo imóvel nos mesmos padrões, localizado no centro da cidade, já apresenta atrasos significativos e não será entregue antes dos jogos olímpicos, indica o subprefeito de Saint-Denis, Vincent Lagoguey.

Enquanto espera por essas novas instalações, cada trabalhador deve pagar € 417 (cerca de R$ 2.325,28) por mês para ficar nesta residência.

A situação dos migrantes obrigados a deixarem suas casas para darem lugar à Vila Olímpica aumenta também a lista de argumentos daqueles que são contrários à realização dos Jogos de 2024 em Paris. Eles veem no evento esportivo um pretexto para acelerar a transformação urbana em Seine-Saint-Denis e outros departamentos afetados.

Os "adversários da Olimpíada", como estão ficando conhecidos, é um grupo formado principalmente por moradores diretamente afetados por esses empreendimentos, que se somam a associações de defesa do meio ambiente, além da oposição política local, em sua maioria de esquerda.

Em maio passado, o coletivo Saccage 2024 organizou o evento "Encontros Antiolímpicos Internacionais" em Saint-Denis e La Courneuve. Entre os convidados estavam ativistas mobilizados contra Olimpíadas passadas (Londres, Tóquio) ou que já estão fazendo campanha contra as que virão (Los Angeles).

"Não somos os únicos a lutar contra essa megamáquina olímpica que está devastando as terras que cultivamos e os bairros onde moramos", afirma o coletivo.

Atletas decepcionados

A (des)organização dos Jogos Olímpicos de Paris 2024, no entanto, parece não desagradar apenas aqueles afetados indiretamente pelo evento. Atletas de diferentes modalidades também denunciam as péssimas condições das estruturas de treinamento em Paris, submetendo os competidores a uma desastrosa corrida de obstáculos.

No campo de futebol de Poterne des Peupliers, no 13º distrito da capital francesa, "buracos perigosos" causaram pelo menos quatro rupturas dos ligamentos na última temporada em jogadores do time Entente Sportive Paris XIII, de acordo com um dirigente do clube, Pedro Sobral.

Quanto às piscinas, quando não são os reparos de manutenção, são as greves dos seus funcionários, contrários à aplicação das 35 horas de trabalho por semana, que podem levar a um fechamento inesperado, mesmo durante o verão europeu escaldante.

Outro ponto de tensão é a "falta de vagas para as federações", lamenta Samia Badat-Karam, vice-presidente da comissão de desporto e olimpíada do Conselho de Paris. "É terrível, temos associações que recusamos o tempo todo", ela admite. Pedro Sobral, por sua vez, questiona "os critérios de atribuição" de vagas e denuncia uma "injustiça", já que algumas associações teriam "mais facilidades" para conseguir essas vagas.

Para corrigir o fiasco

Para o jornal francês Le Monde desta quinta-feira (21), os Jogos Olímpicos de 2024 podem significar um alívio no segundo mandato do presidente Emmanuel Macron, hoje sob forte tensão. O sucesso na organização da olimpíada seria também a oportunidade de reparar a imagem do governo após o fiasco do Stade de France, durante a final da Liga dos Campeões, em 28 de maio deste ano.

A publicação destaca que, se jogos forem bem-sucedidos, além de Macron, a imagem da prefeita de Paris, Anne Hidalgo, também será beneficiada. Se por um lado o chefe de Estado não poderá concorrer à reeleição em 2027, já que a Constituição francesa proíbe mais de dois mandatos consecutivos, por outro, o sucesso da Olimpíada pode gerar lucros políticos para Hidalgo, que recebeu apenas 1,7% dos votos no primeiro turno da eleição presidencial, e que não planeja ser prefeita depois de 2026.

(Com informações da AFP)