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Noiva de jornalista assassinado critica jantar entre Macron e príncipe saudita

O príncipe saudita Mohammed bin Salman conversa com o presidente da França, Emmanuel Macron, durante a cúpula do G20 em Buenos Aires, em 2018 - BANDAR AL-JALOUD/AFP
O príncipe saudita Mohammed bin Salman conversa com o presidente da França, Emmanuel Macron, durante a cúpula do G20 em Buenos Aires, em 2018 Imagem: BANDAR AL-JALOUD/AFP

AFP

28/07/2022 14h13

A noiva do jornalista Jamal Khashoggi, assassinado em 2018 no consulado saudita em Istambul, disse nesta quinta-feira (28) estar "escandalizada" com o jantar entre o presidente francês, Emmanuel Macron, e o príncipe saudita, Mohammed bin Salman, conhecido pela sigla MBS. Na época, o serviço secreto americano apontou o líder saudita como um dos mandantes do crime.

"Estou escandalizada que Emmanuel Macron receba, com todas as honras, o carrasco do meu marido", denunciou a noiva do jornalista, Hatice Cengiz,. "O aumento do preço da energia por conta da guerra na Ucrânia não justifica a absolvição, em nome de uma pretensa realpolitik, do responsável da política saudita contra seus opositores, que acabam mortos, como foi o caso de Jamal", acrescentou.

O cronista do jornal The Washington Post foi estrangulado e esquartejado em 2 de outubro de 2018 no consulado saudita da capital turca, onde esteve para buscar os documentos necessários para seu casamento. O princípe herdeiro desmentiu qualquer tipo de envolvimento no crime, apesar de assumir sua "responsabilidade" como dirigente do país. "Todas as investigações internacionais apontam para a responsabilidade de Mohammed bin Salman no assassinato", reiterou Cengiz.

A visita do príncipe herdeiro saudita a Paris é a primeira na Europa desde o assassinato do jornalista, apesar dos protestos dos defensores de direitos humanos, que a consideram "inapropriada." "A visita de MBS à França, ou a visita de Joe Biden à Arábia Saudita, não muda em nada o fato de que ele seja um assassino", comentou Agnès Callamard, ex-relatora especial da ONU sobre execuções extrajudiciais que investigou o assassinato do jornalista. Callamard denunciou os "dois pesos e duas medidas" em relação ao príncipe saudita, já que "muitos" dos líderes mundiais "expressaram sua condenação" do assassinato e "se comprometeram a não integrar MBS na comunidade internacional".

Várias ONGs - entre elas a Democracy for the Arab World Now (DAWN), criada por Khashoggi - apresentaram nesta quinta uma denúncia em Paris contra Bin Salman por cumplicidade em torturas e desaparecimento forçado, anunciaram estas organizações e seu advogado francês. "O jornalista saudita havia pedido o fim da 'cruel' guerra no Iêmen para que a 'dignidade' do reino fosse devolvida. Além disso, havia denunciado as novas ondas de detenções na Arábia Saudita em 2017, após a ascensão do príncipe herdeiro", lembrou a ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF), em um comunicado.

Retorno à cena internacional

O encontro entre Bin Salman e o presidente francês marca o retorno na cena internacional do dirigente saudita, que se reuniu com o presidente americano, Joe Biden, há duas semanas. A primeira-ministra francesa, Élisabeth Borne, declarou que a visita do príncipe saudita não "coloca em dúvida o compromisso da França com os direitos humanos". A questão deve ser abordada durante o jantar dos dois dirigentes, que também devem discutir sobre a questão energética e nuclear, segundo o Palácio do Eliseu.

Apesar do histórico de abusos de direitos humanos da Arábia Saudita, muitas potências ocidentais veem Riade como um parceiro crucial em questões de energia, de defesa e por sua firme oposição ao Irã. "Aparentemente, MBS pode contar com Emmanuel Macron para reabilitá-lo no cenário internacional, apesar da morte atroz do jornalista Jamal Khashoggi, a repressão implacável das autoridades sauditas a quaisquer críticos e os crimes de guerra no Iêmen", lamentou Bénédicte Jeannerod, da ONG Vigilância dos Direitos Humanos.

Macron se encontrou com Bin Salman na Arábia Saudita em dezembro de 2021 e, nos últimos dias, também recebeu em Paris dois líderes aliados da Arábia Saudita: o egípcio Abdul Fatah al-Sissi e Mohamed bin Zayed, dos Emirados Árabes Unidos. Além disso, o presidente francês viajou para Guiné-Bissau, Camarões e Benin, três países africanos que não são vistos como democracias exemplares.

Desde o início da ofensiva russa na Ucrânia, os países ocidentais tentam que a Arábia Saudita, principal exportador de petróleo bruto, aumente sua produção para aliviar os mercados e limitar a inflação. Mas Riade resiste à pressão, evocando os compromissos assumidos com a Organização dos Países Exportadores de Petróleo e seus aliados (OPEP+), liderada conjuntamente por Arábia Saudita e Rússia.