Topo

"Os Supridores", de José Falero, é único brasileiro da "rentrée" literária francesa 2022

05/10/2022 11h56

"Os Supridores", romance de estreia do escritor gaúcho José Falero, acaba de ser publicado na França pela editora Métailié. Em francês, o livro, traduzido por Hubert Tézenas, chega às livrarias com o título de "Supermarché".

O livro de Falero é um dos quase 500 romances que estão sendo lançados agora na França na tradicional "Rentrée littéraire" (volta literária), um dos momentos mais importantes do mercado editorial francês. "Supermarché" chegou às livrarias francesas no final de agosto. A obra do escritor gaúcho é a única brasileira dessa "Rentrée" que, como em todos os anos, acumula, de meados de agosto até o final de outubro, dezenas de lançamentos que visam os importantes prêmios literários do país, como o Goncourt, o Femina e o Médicis, anunciados em novembro.

"Os Supridores" (Ed. Todavia) conta a história de dois funcionários de um supermercado de Porto Alegre que resolvem enriquecer vendendo maconha. O romance foi lançado no Brasil em 2020 com muito sucesso de crítica e de público. A tradução francesa é a primeira a chegar ao mercado internacional.

"Tem acontecido tanta coisa na minha vida por causa dos livros, das publicações, que eu custo a acreditar, porque é uma coisa que seria difícil de acreditar para qualquer pessoa, mas, no meu caso em particular, de onde eu venho, da minha origem social, era muito improvável", avalia José Falero, em entrevista pelo telefone à RFI.

O escritor nasceu e cresceu em um vila da periferia de Porto Alegre, abandou a escola cedo e começou a ler livros tarde. "Não sei como são as coisas na França, mas no Brasil a gente tem espaços historicamente reservados para a gente. Os espaços que estavam historicamente reservados para mim no Brasil não incluíam esse espaço de escritor, de autor publicado e muito menos traduzido", completa.

Após o anúncio da publicação do livro em francês, José Falero se deparou com "um fenômeno curioso", um preconceito que ainda não conhecia. "Existe um lance de preconceito linguístico, idiomático, não sei como dizer. O meu livro foi escrito em português do Brasil e tem toda uma dificuldade de oferecer o livro no exterior. Tem coisas que a gente vai descobrindo: as pessoas se recusam a ler um livro escrito em português do Brasil!", afirma. Em sua opinião, desde que a notícia da tradução em francês saiu, editoras de outros países se interessaram também em publicar "Os Supridores".

 

Oralidade

Leitores e críticos ressaltam a afinidade do romance de Falero com a obra do cineasta americano Tarantino, pela ironia, ação e verborragia dos personagens. O escritor diz que essa influência "de seu cineasta favorito" foi involuntária. "Eu tenho muitas influências, referências, e muitas delas às vezes eu nem sei que tenho. Acho que tudo influencia no que a gente produz", indica.

Outra afinidade é com a obra do filósofo alemão Karl Marx, mas essa é assumida pelo escritor gaúcho, que, no entanto, nega ter feito uma "tradução do marxismo" na linguagem da periferia, um "Marx para os manos", como chegou a escrever um jornal brasileiro. "Olha que doido!", exclama, questionando se na França as pessoas vão pensar a mesma coisa.

Ele lembra que no seu romance "tem todo um trabalho linguístico de aproximação com a oralidade das pessoas, que não é uma coisa muito comum na tradição literária brasileira. A produção literária brasileira, historicamente falando, é muito afastada do modo como as pessoas falam no dia a dia". Para traduzir Marx, ele teria de dominar a linguagem acadêmica do filósofo cujos conceitos só foi conhecer muito tarde. "Eu pego esses conceitos e tento trazer a partir da minha bagagem intelectual, cultural, e da bagagem cultural dos personagens", explica Falero que, juntamente com outros autores, como Geovani Martins, integra um movimento que traz a oralidade e a temática das periferias para a produção literária brasileira.

"Eu quero é ficar rico"

"Os Supridores" aborda as injustiças, a exploração e as contradições do capitalismo. "Eu quero é ficar rico", lança o personagem principal, Pedro, repositor do supermercado que elabora o plano de vender maconha para melhorar de vida em parceria com o colega Marques. Uma contradição que é ressaltada pelo próprio personagem.

"Tem algumas coisas que eu queria trabalhar no livro e uma delas era essa questão de até onde a gente está buscando por dignidade e até onde já é um lance de consumismo", indica o escritor.

No final do romance, tudo dá errado. A solução final vem como uma pirueta literária e a sugestão para que Pedro escreva um livro contando sua saga. Para José Falero, a literatura, que o manteve vivo, "tem potencial de salvar a vida das pessoas", mas não é qualquer literatura.

"A gente precisa de diversidade literária, de literatura representativa, que tenha a ver com a minha vida e que tenha a ver com a vida das pessoas. Não só na figura do autor, mas dos protagonistas também. Perceber que histórias parecidas com as nossas são dignas de serem contadas, são dignas de serem traduzidas para o francês. Isso é um caminho de salvação", conclui.