Topo

Microcontos "Cem mentiras de verdade" ganha versão áudio-livro bilíngue

26/01/2023 11h07

O livro "Cem mentiras de verdade", da escritora Helena Parente Cunha, traduzido e publicado na França pela editora Anacaona com o título "100 mensonges pour de vrai", vai virar áudio-livro com lançamento previsto para o dia 31 de janeiro. O trabalho bilíngue será utilizado como material pedagógico pela Aliança Francesa de Botafogo, no Rio de Janeiro.

A iniciativa encheu de entusiasmo e orgulho a tradutora e ex-professora de Língua Portuguesa, Cultura e Literatura Brasileira Regina Antunes Meyerfeld, que traduziu o livro de Helena Parente Cunha para o francês. Seu primeiro contato com a obra foi em 1986, quando recebeu das mãos da própria autora um exemplar um dia antes de voltar à França, onde havia se instalado dois anos antes. "Eu estava de férias no Brasil, ela me deu o livro e falou: 'Regina, estou lançando esse livro amanhã, vou te dar, veja se você gosta'. Eu li no avião e o impacto foi incrível", lembra Regina ao falar do livro repleto de minicontos, um gênero literário que surgiu no Brasil nos anos 1960. "São histórias curtas, de algumas linhas e que não passam de duas páginas", explica.  

Fascinada pela multiplicidade da temática, da inventividade e criatividade da escritora, que hoje tem 94 anos e é professora emérita da UFRJ, Regina introduziu a obra nos seus cursos ministrados em diversas universidades francesas. "Imediatamente eu inseri nos meus programas de cultura brasileira e de literatura brasileira e mesmo de língua, porque é um trabalho incrível, na medida em que ela pratica muito a transgressão, a transgressão sintática e semântica. Assim, ela transforma, por exemplo, um adjetivo em advérbio e isso dá uma dimensão muito interessante ao texto", justifica.

Depois de se aposentar como professora da Universidade Paris IV Sorbonne, Regina decidiu então traduzir a obra para o francês e, para isso, contou com a ajuda da colega de trabalho Christine Pâris-Montech, em uma experiência a quatro mãos. "Nós fizemos uma tradução a duas, complementar, eu com a língua de partida, e ela com a língua de chegada, e vice-versa. E foi um trabalho que demorou nove meses, porque foi uma tradução bem complicada, exigente e inclusive de muita inventividade nossa em francês", comentou na entrevista à RFI Brasil.

Leitura teatralizada

A tradução extrapolou o universo literário e foi adaptada para uma leitura teatralizada e musicada, que envolveu uma diretora de teatro e uma pianista. "Nós fizemos uma escolha de 23 textos e tentamos percorrer todas as temáticas importantes do livro, que são a solidão e problemáticas sócio-econômicas". Inicialmente, as apresentações  ficaram restritas ao ambiente acadêmico da Universidade de Bordeaux, mas agora o espetáculo já ganhou outra dimensão e está programado em uma jornada dedicada à tradução na Maison des Écritures (Casa da Escrita) e, no final de setembro, na Casa dos Estudantes da Universidade La Rochelle, onde Regina vive atualmente.

Paralelamente ao trabalho relacionado ao livro "Cem mentiras de verdade", Regina também se dedicou à escrita poética em francês e publicou, em 2019, seu primeiro livro  "Au bout de la ligne", em nova parceria com Christine Pâris-Montech, que depois da aposentadoria, se dedicou também às artes plásticas.  A obra é um desdobramento de uma exposição realizada há 10 anos em Faro, sul de Portugal, quando seus textos, escritos em português, foram exibidos ao lado de quadros da artista.

O novo trabalho conjunto tinha um desafio mais complexo, escrever em uma língua não materna. "Sempre escrevi poemas, desde os 14 anos, e a poesia sempre me tocou muito. Eu escrevi alguns cadernos. E a hora chegou em 2018, quando eu precisava um pouco interiorizar".

"Para mim, o desafio maior foi escrever em francês, poeticamente, com todas as limitações que nós, enquanto bilíngues, sabemos, de alcançar a imensidade da língua francesa", explicou. Regina, no entanto, não se limitou a inspirar-se apenas nas paisagens e imagens das obras  "Antes de ver os quadros, eu tinha uma mensagem para passar. Ao olhar alguns quadros, eu queria passar uma mensagem para minha filha Letícia e meu filho Bruno", explicou.

 Apesar de ser tradutora, Regina Antunes Meyerfeld não descarta, mas em princípio, não tem intenção de traduzir "Au bout de la ligne" para a língua portuguesa. "Até posso, mas foi um momento em que eu precisava pensar imensamente e completamente em francês, então eu terei que pensar imensamente e plenamente em português. Será que eu vou conseguir a mesma coisa em português? Não sei", diz, sorrindo.