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Em meio a mal estar com os Estados Unidos, Brasil recebe chanceler russo

17/04/2023 07h26

O ministro russo das Relações Exteriores, Sergei Lavrov chega nesta segunda-feira (17) a Brasília. Entre os assuntos que serão discutidos com o representante de Moscou está a Guerra na Ucrânia. Analistas ouvidos pela RFI diz que Brasil tem credenciais para mediar conflito, mas que acordo esbarra na indústria bélica, nos interesses americanos e na falta de entendimento sobre territórios ocupados

Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília

A visita do chanceler russo, Sergei Lavrov, tem dado o que falar nos corredores diplomáticos, ainda mais porque o representante de Moscou pousa em Brasília um dia depois de Luiz Inácio Lula da Silva ter concluído sua viagem ao Oriente, onde criticou os Estados Unidos e Europa ao conclamar esforço de todos para acabar com a guerra na Ucrânia.

Na China, Lula defendeu a criação de uma espécie de G20 para negociar o fim do conflito, daí que a passagem de Lavrov pelo Brasil também tem gerado especulações em torno da discussão de tratativas para um possível acordo entre as partes.

A China tem peso econômico, mas não tem moldura diplomática para negociar um cessar fogo, já que tem apoiado o lado russo. Os chineses então atuariam nos bastidores. Já o Brasil, embora não tenha envergadura internacional para tanto, teve postura mais neutra, condenando a invasão na ONU, mas sem apoio total à Ucrânia.

"Nesse momento, o Brasil é um candidato muito mais apropriado para mediar o conflito entre a Rússia e a Ucrânia do que a China. Isso porque o Brasil, desde o início do conflito, tentou não se alinhar diretamente com nenhum dos lados, nem apoiando as ações da Rússia ao invadir o território ucraniano, mas também não emitindo grandes apoios formais à Ucrânia, ao presidente ucraniano. E o Brasil tem histórico de mediador", afirmou à RFI Giovana Branco, mestre em Relações Internacionais e pesquisadora do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais da PUC-SP.

Apesar das intenções do Brasil, vários fatores entram na mesa de negociação, inclusive o entendimento sobre áreas ocupadas pelo inimigo. O analista Laerte Apolinário, doutor em Ciência Política pela USP e Professor de Relações Internacionais da PUC/SP, diz que esse ponto é um dos principais entraves hoje a um acordo de paz.

"A Rússia de fato tem se mostrado mais aberta às conversas para a paz. No entanto, não me parece que Putin vá abrir mão dos territórios conquistados, em especial da região da Crimeia. Do outro lado, o governo ucraniano não aceita qualquer negociação que não envolva a retirada completa das tropas russas do território ucraniano de antes da guerra. Então, embora o Brasil possa atuar como um facilitador de conversas para a paz, é pouco provável que o país consiga intermediar qualquer acordo sem que as partes diretamente envolvida no conflito cheguem a um consenso mínimo", pondera o cientista político.

Indústria bélica

O especialista diz que interesses políticos e econômicos, seja da indústria bélica, seja do governo dos Estados Unidos, também reduzem, no curto prazo, as chances de um armistício. "Há grupos de interesse relevantes no Ocidente, como setores ligados à indústria bélica e energética, que não tem interesse no fim da guerra de imediato. Além de que a administração estadunidense tem buscado se utilizar do conflito para enfraquecer a Rússia e aumentar sua popularidade interna, o que acaba tornando as possibilidades de paz mais distantes", avalia Laerte Apolinário.

"Como a resistência ucraniana só pode se manter em função do apoio dos Estados Unidos e demais países da Otan, esses países acabam se tornando os atores decisivos para que o conflito possa chegar a um fim. Afinal, caso os aliados da Ucrânia exijam que o país aceite um acordo, ainda que distante das posições defendidas pelos ucranianos, há pouco que o governo de Zelensky possa fazer para manter a sua posição", completa o  analista.

Mal estar diplomático

A visita de Lavrov ao Brasil acontece em meio a nuvens densas sobre a diplomacia do Brasil e dos Estados Unidos, que não gostaram das declarações de Lula neste domingo em Abu Dhabi, quando disse que vários atores internacionais tem contribuído para estender o conflito,"A paz está muito difícil. O presidente da RússiaVladimir Putin, não toma iniciativa de paz, o [presidente da UcrâniaVolodymyr Zelensky, não toma iniciativa de paz. A Europa e os Estados Unidos terminam dando a contribuição para a continuidade desta guerra", afirmou Lula, durante uma coletiva de imprensa no fim de sua viagem aos Emirados Árabes Unidos.

Os analistas ouvidos pela RFI disseram que a viagem à China e as declarações geraram sim certo incômodo em Washington, mas que o país precisa ser pragmático.

"Havia uma expectativa, com essa troca de poder no Brasil e a eleição de Lula, de qual seria a posição do Brasil nessa briga de gigantes, entre Estados Unidos e China. E acho que o governo Biden esperava um pouco mais proximidade do Brasil com eles. Mas acho que Lula não necessariamente fecha a porta com os Estados Unidos e abre apenas a chinesa Ele tenta mediar essas duas grandes alianças. Então é natural que também abra o leque de possibilidades, justamente tentando achar novos aliados, reforçar parceiros comerciais, até para não ter dependência diplomática de nenhum dos lados", analisou Giovana Branco.