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Em Portugal para a 1ª viagem à Europa, Lula enfrentará desconfiança por posições sobre a Ucrânia

20/04/2023 17h01

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva embarca nesta quinta-feira (20) para um giro de uma semana por Portugal e Espanha, em sua primeira visita à Europa desde que assumiu o poder, em janeiro. A viagem acontece poucos dias depois das polêmicas declarações do petista sobre a guerra na Ucrânia.

O Itamaraty informou que conflito ucraniano será abordado nas conversas entre Lula e o primeiro-ministro português, António Costa, no sábado (22). A visita a Portugal, que vai até terça-feira (25), faz parte do "relançamento das relações do Brasil com a Europa", disse a embaixadora Maria Luisa Escorel de Moraes, secretária do Itamaraty para o continente europeu. "Portugal seria a porta de entrada do Brasil na União Europeia", acrescentou.

Lula provocou polêmica ao afirmar no último sábado (15), em Pequim, que os Estados Unidos devem parar de "incentivar" a guerra na Ucrânia, iniciada em fevereiro de 2022 com a invasão russa. Ele também reiterou que Kiev divide a responsabilidade pelos ataques com Moscou, e recebeu nesta segunda-feira em Brasília o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov. O chanceler russo "agradeceu" os esforços brasileiros para acabar com o conflito.

A sequência de comentários gerou duras críticas de Washington. Em Portugal, o presidente Rebelo de Sousa teve de se explicar diante das críticas internas ao futuro convidado, afirmando "não ter nada a ver" com o posicionamento de Lula. Uma associação de ucranianos residentes no país pretende entregar uma carta ao líder brasileiro.

Já o porta-voz de Assuntos Externos da União Europeia, Peter Stano, fez questão de "lembrar alguns fatos básicos" ao brasileiro: ele disse que "a Rússia, e apenas a Rússia, é responsável pela agressão ilegítima e não provocada contra a Ucrânia", e ressaltou que o bloco e os Estados Unidos "estão ajudando a Ucrânia a exercer seu direito legítimo de autodefesa".

Equilíbrio diplomático

No início de seu mandato, Lula se esforçou para atingir um equilíbrio diplomático, ao visitar o presidente americano, Joe Biden, na Casa Branca, em fevereiro, e estreitar os laços com a China, principal parceiro comercial do Brasil. Agora, "a balança está um pouco desequilibrada", disse à AFP Pedro Brites, professor da Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

A viagem europeia será uma oportunidade para fazer um "reajuste" e "mostrar que acredita na visão democrática global que a Europa defende", acrescenta. A posição do Brasil se choca com a de Portugal e Espanha, membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Brasília se recusou a impor sanções a Moscou e a enviar munição para a Ucrânia.

Lula propõe uma mediação internacional e apresenta o Brasil como intermediário neutro. Mas, depois de acusar os Estados Unidos de continuarem a incentivar a guerra, Washington criticou o país por "repetir como um papagaio a propaganda russa e chinesa". O G7 alertou sobre os "custos severos" para aqueles que ajudam a Rússia em sua guerra contra a Ucrânia.

Já o governo ucraniano convidou Lula a visitar Kiev para "entender" a realidade da agressão de Moscou.

"O Brasil entende a neutralidade na perspectiva de entender pragmaticamente o conflito sem condenar as partes", explicou Brites à AFP.

Prêmio a Chico Buarque

Em Portugal, Lula será recebido com honras no sábado pelo presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa. Após o almoço com o primeiro-ministro, os dois governantes vão realizar um encontro de alto nível e assinar uma dezena de acordos de cooperação nas áreas de espaço, energia, ciência, educação e turismo, entre outros. O domingo está reservado para uma agenda privada que não foi revelada.

Na segunda-feira, Lula e Sousa inauguram um fórum empresarial no Porto, com 150 representantes dos dois países. De volta a Lisboa, presidirão a entrega do Prêmio Camões, a mais alta premiação da literatura de língua portuguesa, ao compositor e cantor brasileiro Chico Buarque.

Na terça-feira (25), mesmo dia em que Portugal comemora a Revolução dos Cravos, que pôs fim à última ditadura do país em 1974, Lula discursará em sessão especial perante o Parlamento. A extrema direita portuguesa convocou manifestações contra a presença de um líder estrangeiro nesta data simbólica do país. O presidente deve deixar Portugal logo depois, rumo à Espanha.

Em Madri, entre terça e quarta-feiras, Lula participa de um fórum empresarial, reúne-se com o chefe de governo, Pedro Sánchez, e será recebido para um banquete com o rei Felipe VI, informou o Itamaraty, sem dar mais detalhes.

Sair do isolamento

Lula prometeu devolver ao Brasil o protagonismo da geopolítica mundial, após o isolamento provocado por seu antecessor de extrema direita, Jair Bolsonaro. Para o professor Pedro Brites, embora a visita de Lula a Washington tenha sido sua segunda viagem internacional após a posse, em 1º de janeiro, seu governo prioriza o chamado "Sul Global". Muitos dos países que o compõem, incluindo a Índia, não condenam a Rússia pela guerra.

Apesar disso, Lula, que na semana passada foi incluído entre as 100 pessoas mais influentes da revista Time, moderou o tom na terça-feira (18) e condenou a "violação da integridade territorial da Ucrânia". Para o professor da FGV, o líder está "testando onde pode pisar com mais calma".

Com informações da AFP