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Franceses de extrema direita apoiam 'preferência nacional' e assumem voto racista desinibido

28/06/2024 17h19

O primeiro turno das eleições legislativas antecipadas na França acontece neste domingo (30). A extrema direita lidera a disputa com folga, sete pontos percentuais à frente da esquerda e 16 pontos à frente do bloco de centro-direita, que dá apoio parlamentar ao presidente Emmanuel Macron. A guinada de uma parcela importante do eleitorado francês à extrema direita marca uma mudança profunda de valores na sociedade francesa.

Pesquisa publicada pelo instituto Ipsos na quinta-feira (27), feita para o jornal Le Monde, rádios e canais de TV do sistema audiovisual público francês e fundações de estudos estratégicos mostra que 75% dos eleitores que votarão em candidatos do partido fundado por Marine Le Pen (Reunião Nacional), que propõe o jovem Jordan Bardella para o cargo de primeiro-ministro, compartilham os mesmos valores e ideias xenófobas e racistas defendidas pela sigla.

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Esses eleitores de ultradireita, de todas as idades e classes sociais, foram convencidos pela propaganda nacionalista que apresenta os imigrantes e seus descendentes, principalmente negros e árabes muçulmanos, como bodes expiatórios de todos os males da França.

Eles querem ver aplicadas as propostas de Jordan Bardella, 28 anos, de reduzir os direitos dos estrangeiros e de pessoas com dupla nacionalidade, uma medida que instituiria uma política de segregação social entre os franceses. Apesar de negarem, o partido RN e seus aliados Republicanos romperam nesta campanha uma barreira até há pouco tempo impensável na França: dividir os franceses em categorias de melhor ou pior pedigree.

Nenhum argumento de risco econômico, de ingovernabilidade ou de despreparo para governar preocupa esse eleitorado. A esperança deles é que um futuro governo de extrema direita cumpra as promessas de melhoria do poder aquisitivo, baixe os preços da eletricidade e da gasolina, e estabeleça um tratamento preferencial para os franceses brancos nos programas sociais do governo.

Na reta final da campanha, gerou indignação a proposta de Bardella de excluir pessoas de dupla nacionalidade, que representam cerca de 3,5 milhões de franceses, de cargos públicos ditos "sensíveis e estratégicos" na função pública. O episódio mostrou que a imagem de um partido aceitável de direita, trabalhada nos últimos anos por Marine Le Pen, derrotada em duas disputas presidenciais por Emmanuel Macron, não mudou em nada. Caciques do partido Reunião Nacional continuam defendendo as mesmas ideiais xenófobas, racistas e antissemitas da sigla Frente Nacional, fundada pelo pai dela, Jean Marie Le Pen. 

Clima repugnante

Desde a campanha para as eleições europeias, que precedeu a das legislativas antecipadas, a imprensa francesa tem reportado casos de xenofobia e insultos racistas nas ruas e redes sociais.

Na última semana, dois jornalistas de TV franceses de origem árabe, que fazem um trabalho seríssimo no canal 5, receberam cartas anônimas na casa deles, com insultos e ameaças de que seus empregos estavam com os dias contados e eles em breve deveriam retornar para seus países.

Um dos projetos da extrema direita é privatizar o sistema de rádio e TV público na França, que são uma garantia de independência jornalística.

Em Rouen, a 134 km de Paris, o prefeito da cidade teve de pedir à Justiça nesta semana para suspender uma festa que estava sendo organizada por um grupo de segregacionistas brancos, inspirado no movimento americano White Boys Summer. O tema da festa era "Fora estrangeiros". No convite publicado no Instagram, eles escreveram o tema da festa em alemão - "Auslander raus" -, um notório slogan usado pelos nazistas.

A atual campanha da extrema direita liberou o discurso racista. Milícias de extrema direita escrevem nas redes sociais que aguardam apenas o resultado de domingo para "bater em homossexuais e imigrantes".

Aumento da participação

Este momento histórico de risco de desestabilização da França mexe com os eleitores. A projeção de participação está em alta, estimada entre 63% e 65%, segundo o Ipsos, o que já representa 16 pontos a mais do que na eleição de 2022, sem que se saiba exatamente se será vantajosa para um ou mais partidos políticos. Como a época é de início de férias de verão e muita gente tinha viagens programadas, mais de 2 milhões de franceses estão deixando procurações para algum conhecido votar por eles. A votação dos franceses que residem no exterior já aconteceu, e a participação quase dobrou em relação à eleição passada.

O plenário da Assembleia Nacional é composto por 577 deputados, eleitos para um mandato de cinco anos. Uma parte dos candidatos deve ser eleita no primeiro turno - aqueles que alcançarem mais de 50% de votos. Mas o Ipsos prevê cerca de 250 disputas triangulares, ou seja, envolvendo três deputados para uma vaga.

Este é o ponto mais importante a ser observado na noite de domingo. Saber se o terceiro colocado irá se retirar da disputa para apoiar o candidato com mais chances de vencer o representante da extrema direita.

O presidente Emmanuel Macron declarou nesta sexta-feira que fará "uma recomendação de voto clara" logo após a publicação dos resultados. Socialistas e ecologistas já deixaram transparecer que a ordem será barrar a extrema direita. A dúvida fica para as circunscrições em que houver candidato do partido França Insubmissa, sigla de esquerda radical equiparada por Macron à extrema direita.

O ultradireitista Jordan Bardella já disse que só aceitará a indicação do presidente para ocupar o cargo de primeiro-ministro se a extrema direita eleger a maioria absoluta dos deputados, ou seja, obtiver mais de 289 vagas no plenário.

Macron isolado

A pesquisa do Instituto Ipsos mostrou que 56% dos franceses continuam com uma impressão "muito negativa" da decisão do presidente de dissolver a Assembleia Nacional depois de perder as eleições europeias para a extrema direita. Os franceses manifestam um misto de "incompreensão, medo e revolta" contra Macron.

O chefe de Estado cometeu um erro político. Ele acreditou que contaria com o apoio de uma parte da esquerda nessa campanha para as legislativas, mas o que ele acabou fazendo foi matar o movimento político que criou. Também passou a hostilizar o partido de esquerda radical França Insubmissa, que nos últimos sete anos negou apoio a qualquer aliança política com o governo e apostou numa postura de conflito permanente na Assembleia Nacional.

Nesta sexta-feira, o jornal Le Monde publicou um editorial batendo forte em Macron. O diretor do Le Monde diz que "ceder uma parcela do poder à extrema direita seria gravíssimo e levaria a França a perder tudo o que foi construído em dois séculos e meio". Para o segundo turno, o Le Monde defende a união de toda a oposição republicana, a fim de impedir que a extrema direita chegue ao poder.

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