Decepcionados com serviços públicos, britânicos podem escolher esquerda trabalhista em eleições gerais
Na quinta-feira (4), quase 50 milhões de britânicos irão eleger seu novo Parlamento e, por extensão, seu novo governo. Desde o início do ano, houve pouca dúvida quanto ao resultado da eleição. Espera-se que os conservadores, que estão no poder desde 2010, percam por uma ampla margem para os trabalhistas. Entretanto, essa vitória prevista está longe de ser um apoio massivo às ideias do partido.
Emeline Vin, correspondente da RFI em Londres
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Jo, um jovem recém-formado, tem acompanhado a campanha britânica com um olhar distraído. Mesmo antes da convocação da eleição, o jovem já sabia qual opção assinalaria em sua cédula de votação: "Votarei nos trabalhistas", anunciou ele. Não concordo com tudo, mas precisamos de uma mudança. Os conservadores estão nos conduzindo na direção errada há muito tempo.
Assim como ele, 37% dos britânicos pretendem dar seu voto a um candidato trabalhista neste 4 de julho. As últimas projeções, refinadas por distrito eleitoral, dão ao Partido Trabalhista (Labour Party, em inglês), de esquerda, pelo menos 400 das 650 cadeiras do Parlamento Britânico, acima da maioria absoluta estabelecida em 326.
Os conservadores, que lideram o governo há 14 anos, podem registrar o pior resultado de sua história, com apenas cerca de 100 deputados. "Não há dúvida de que os conservadores perderão e que o Partido Trabalhista vencerá", admite Justin Fisher, professor de Ciências Políticas da Universidade Brunel. A única questão é o tamanho de sua maioria.
O Partido Trabalhista, cujo símbolo é uma rosa vermelha, de fato, repaginou sua imagem desde as eleições gerais de 2019. Naquela época, liderados pelo esquerdista Jeremy Corbyn, os trabalhistas perderam 60 cadeiras. Menos de um ano depois, Corbyn foi substituído pelo advogado mais centrista Keir Starmer, que prometeu reformular o partido após inúmeras acusações de antissemitismo.
Declínio de 14 anos nos serviços públicos
Acima de tudo, o estado crítico dos serviços atuais britânicos é herança do histórico dos conservadores. "Por onde começar? Escolas, hospitais, tudo piorou", suspira a enfermeira aposentada Gay. A deterioração dos serviços públicos se deve à cura de austeridade imposta pelo governo Cameron-Clegg na esteira da crise do subprime (os credores subprime do Reino Unido foram identificados como parte da crise das hipotecas).
Os funcionários perderam o poder de compra, as listas de espera estão ficando mais longas e há cada vez mais vagas não preenchidas. Desde 2022, houve uma greve atrás da outra em todos os setores do Reino Unido, sem nenhum resultado satisfatório para os sindicatos. No entanto, os eleitores veem a saúde e a educação como questões importantes nessas eleições gerais.
Embora os conservadores estejam sendo responsabilizados diretamente por essa deterioração pelo povo britânico, o professor Justin Fisher duvida que os trabalhistas consigam reverter a situação: "Não haverá grandes mudanças, pelo menos não nos primeiros três anos.
O Partido Trabalhista de Keir Starmer, como o de Tony Blair antes dele [1997-2010], coloca a estabilidade econômica e o crescimento antes de gastos adicionais. Mas Keir Starmer herdará uma situação econômica muito mais fraca do que Tony Blair", aponta Fisher.
Aumento de impostos ou cortes no orçamento?
A economia e as finanças públicas são outra questão importante. Os muitos debates entre os diferentes partidos giraram em torno da tributação. Os britânicos nunca pagaram tantos impostos desde o final da Segunda Guerra Mundial. A dívida pública está se aproximando de 100% do produto interno bruto (PIB). Mas todos os partidos permaneceram muito vagos sobre suas intenções de colocar as finanças públicas em uma base sólida.
O Instituto de Estudos Fiscais (IFS, na sigla em inglês) está denunciando uma "conspiração de silêncio". Entrevistado pelo canal Sky News, seu diretor Paul Johnson explicou que "o povo britânico tem o direito de saber o que será feito no outono (a partir de setembro no hemisfério norte), quando o orçamento for apresentado. Cortes orçamentários? Em quais áreas? Aumento de impostos? Sobre o quê?", questiona o diretor do IFS.
Sistema eleitoral desfavorável aos pequenos partidos
O sistema eleitoral britânico, com sua organização de primeiro turno, favorece amplamente os dois maiores partidos, o Trabalhista e o Conservador: desde 1922, todos os primeiros-ministros vieram de um ou de outro. Entretanto, os partidos menores podem ganhar alguma influência nesta eleição.
Os Liberais Democratas (LibDems, centro-direita) já fizeram uma campanha muito eficaz nos redutos dos conservadores ingleses, surfando em questões muito locais, como o tratamento de esgoto. "Eles podem ganhar 40 ou até 50 cadeiras", diz Justin Fisher. "Uma grande vitória, já que na última eleição eles tinham apenas 12 deputados", completa.
Se as projeções forem confirmadas, os LibDems serão novamente o terceiro maior partido na Câmara dos Comuns (câmara baixa do Parlamento do Reino Unido), o que lhes garantiria um lugar no período semanal de perguntas ao governo. Vários eleitores indecisos, ex-conservadores, disseram à RFI que estão pensando em dar seu voto aos centristas, pois não se sentem prontos para mudar para a esquerda.
Outros partidos que esperam tirar proveito da erosão do voto conservador incluem os Verdes, que até agora tiveram apenas um membro eleito, e o Reform UK, um pequeno grupo de extrema direita pró-Brexit e anti-imigração que construiu sua campanha com base em polêmicas.
Mais de sete em cada 10 britânicos gostariam de uma mudança, de acordo com sondagens, que estimam que os conservadores deverão enfrentar uma derrota histórica nas urnas na quinta-feira(4). As primeiras estimativas sobre as eleições gerais do Reino Unido estarão disponíveis na noite de quinta-feira por volta das 17h do horário de Brasília.