Após atentado a Trump, Israel teme violência política interna
Logo na manhã seguinte à tentativa de assassinato do ex-presidente Donald Trump, os membros da coalizão de governo de Israel se reuniram por mais de duas horas para tratar especificamente de episódios de incitação contra o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Há um temor de que as profundas divisões internas de Israel se traduzam também em episódios de violência política.
Henry Galsky, correspondente da RFI em Israel
Yossi Fuchs, secretário do gabinete do primeiro-ministro, apresentou aos membros do governo um vídeo com quase dois minutos de duração com declarações extremistas de israelenses que ameaçaram Netanyahu. Há trechos de discursos inflamados e criminosos que chegam a pedir o enforcamento do premiê.
Não há, no entanto, qualquer registro das muitas imagens de agressões cometidas por pessoas que apoiam Netanyahu. Ou episódios de violência policial durante os protestos.
O discurso de incitação ao ódio é um elemento marcante na sociedade israelense em especial recentemente a partir do projeto de Reforma Judicial apresentado no início de 2023 pela atual coalizão de governo. Semanalmente, milhares de israelenses passaram a ir às ruas para demonstrar que não concordavam com o projeto. Houve manifestações favoráveis também, mas em menor periodicidade e com menos adesão.
Dois dos principais personagens atuais estão no centro do episódio de violência política mais grave da história do país: o assassinato do primeiro-ministro Yitzhak Rabin, em novembro de 1995.
Duas semanas antes do assassinato de Rabin por um extremista de direita israelense, o então jovem Itamar Ben Gvir (hoje ministro da Segurança Nacional), na época com 19 anos, ficou conhecido nacionalmente ao dar uma entrevista a um canal de TV tendo em suas mãos o emblema do carro de Rabin que ele havia roubado há instantes: "Chegamos ao carro dele e vamos chegar até ele também", disse.
Já Netanyahu se defende até hoje das acusações de incitação contra Rabin. Na época, Netanyahu era o líder da oposição.
Nas semanas anteriores ao assassinato, ele e outros membros importantes do Likud participaram de um comício político de direita em Jerusalém onde manifestantes chamaram Rabin de "assassino" e "nazista" por assinar os Acordos de Oslo com os palestinos. Membros da direita israelense carregavam cartazes com a imagem de Rabin vestido como oficial nazista. Os Acordos de Oslo estabeleceram um processo de paz para o conflito entre israelenses e palestinos por meio de negociações.
Netanyahu também marchou num protesto em Raanana, na região central de Israel, onde manifestantes atrás dele carregavam um caixão simulando o enterro de Rabin.
Em 4 de novembro de 1995, o então primeiro-ministro Yitzhak Rabin foi morto por Yigal Amir, extremista de direita que se opunha aos acordos. Rabin foi morto com um tiro à queima-roupa durante um grande comício pela paz na praça que hoje leva o seu nome em Tel Aviv.
Desde então, Netanyahu tem rejeitado as alegações de que ignorou o ambiente de inflamação política que levou ao assassinato de Rabin. Não há, no entanto, qualquer evidência que vincule Ben Gvir ou Netanyahu ao assassinato.
Negociações em compasso de espera
As negociações para um cessar-fogo entre Israel e Hamas estão paradas neste momento, o que aumenta o drama dos familiares dos reféns israelenses e da população palestina da Faixa de Gaza. No entanto, a interrupção dos contatos pode ter relação com a tentativa de assassinato de Mohammed Deif, o número dois do Hamas em Gaza e considerado o autor intelectual dos ataques de 7 de Outubro em Israel.
O golpe sofrido pelo Hamas foi duro o bastante para deixar o líder do grupo em Gaza fora de contato. Segundo a imprensa israelense, os mediadores de Egito e Catar encontram dificuldades para receber respostas de Yahiya Sinwar. Em Israel, há o entendimento de que o Hamas continua interessado em negociar justamente pela pressão exercida durante a campanha militar, de acordo com o relato de uma fonte à RFI.
Desde sábado, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu manteve uma série de discussões com a equipe de negociadores responsável por tentar fechar um acordo. Netanyahu, o chefe do Estado-Maior, Herzi Halevi, e o ministro da Defesa, Yoav Galant, acreditam que a provável morte de Deif aumentaria as chances de um acordo.
Segundo a CNN, o diretor da CIA, Bill Burns, teria dito numa conferência privada no último final de semana que a agência considera que o líder do Hamas em Gaza, Yahyia Sinwar, tem sido pressionado pelos demais membros de alto escalão do grupo a aceitar um acordo.
Ainda de acordo com Burns, Sinwar não estaria preocupado com a sua própria sobrevivência pessoal, mas com o crescente ressentimento da população civil palestina sobre o Hamas em função da devastação e do sofrimento causados pela guerra.
Divergências internas no governo de Israel
Benny Gantz, Gadi Eisenkot e Yoav Gallant, este último ministro da Defesa, formavam uma espécie de bloco de contenção interna a Netanyahu. Gantz e Eisenkot são membros da oposição que se juntaram ao governo de emergência durante a guerra. Em 9 de junho, Gantz, ex-chefe do Estado-Maior do exército e um dos favoritos a ocupar o cargo de primeiro-ministro segundo as pesquisas, decidiu deixar a coalizão, acusando Netanyahu de "evitar tomar decisões importantes por priorizar questões políticas".
Restou Gallant, que tem se mostrado um opositor interno relevante ao premiê, apesar de ser membro do Likud, o partido de Netanyahu.
Segundo informações obtidas pela RFI, há uma divergência clara entre os dois em relação ao modo como analisam a situação. Netanyahu acredita que a partir da aplicação de ainda mais pressão militar sobre o Hamas será possível libertar uma maior quantidade de reféns israelenses já na primeira fase do acordo. Já Gallant considera que Israel precisa dar prioridade a um acordo o quanto antes mesmo que isso signifique receber um número menor de reféns nesta fase.
Em encontro com familiares dos reféns, Gallant disse não haver obstáculos de segurança no caminho de um acordo. Também orientou-os a esgotarem todos os esforços de pressão nos próximos dias antes da viagem de Netanyahu a Washington. "Depois disso, vai ser muito mais difícil e complexo", teria dito Gallant de acordo com comunicado do Fórum dos Familiares dos Reféns.
Netanyahu vai a Washington no próximo dia 24 para um pronunciamento conjunto às duas Casas do Congresso norte-americano.
A reação dos familiares dos reféns israelenses
Os familiares seguiram o conselho do ministro da Defesa. Hoje, em dezenas de pontos de Israel, há a previsão de manifestações que têm como objetivo mandar esta mensagem de urgência ao primeiro-ministro. O lema dos protestos deixa isso bastante claro: "Garanta um acordo antes e depois viaje!".
Nesta terça-feira, numa conferência de imprensa, pais e mães de cinco jovens soldadas que seguem sequestradas exigiram que Netanyahu feche um acordo. Eles divulgaram imagens obtidas pelo Exército de Israel em Gaza que mostram fotografias das mulheres em seus primeiros dias como reféns. Elas estão feridas e com marcas de algemas nos punhos.
Os familiares exigem um encontro com o primeiro-ministro israelense para pressioná-lo a fechar um acordo que seja capaz de libertar suas filhas.
"Eu repito o meu pedido, primeiro-ministro, para que nos encontre antes de partir para o Congresso. Eu reitero que se você escolher viajar para um discurso que seja então um discurso declarando um acordo imediato. Um acordo que vai restaurar a força, a alegria, o poder do Estado de Israel, e o mais importante, que traga de volta a minha Daniella", disse Orly Gilboa, mãe de Daniella Gilboa, uma dessas cinco jovens soldadas sequestradas.
Este caso tem bastante repercussão em Israel principalmente depois que no final de maio houve a publicação de um vídeo em que elas são mostradas amarradas e feridas logo após terem sido capturadas pelo Hamas. Num trecho, um dos membros do grupo aponta para as jovens ensanguentadas e as descreve como "as que serão engravidadas". O temor do estupro é permanente, principalmente após o relato de algumas das mulheres que foram libertadas durante o único período de cessar-fogo, no final de novembro do ano passado.
A estimativa é que 116 israelenses permaneçam sequestrados pelo Hamas em Gaza. Deste total, o Hamas mantém também os restos mortais de 42 reféns cujas mortes já foram confirmadas pelo Exército de Israel. Já de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, trinta e oito mil palestinos morreram desde o início da guerra. O Ministério não diferencia combatentes de civis.
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