'Exílio dourado': Delfim Netto foi embaixador em Paris na ditadura e sofreu desgaste por caso de corrupção
A morte de Delfim Netto, aos 96 anos, teve pouca repercussão fora do Brasil. No entanto, o ex-ministro da Fazenda foi embaixador em Paris na década de 1970, em pleno regime militar, e tinha boas relações como o presidente francês da época que, como ele, havia sido ministro da Economia. Mas uma acusação de envolvimento em um escândalo de corrupção sacudiu a estadia de Delfim Netto na Europa.
O cargo de ministro da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento Social do Brasil nas décadas de 60 e 70, durante os governos militares, é um dos momentos mais lembrados da carreira de Delfim Netto. Mas o paulista, que começou a vida política como secretário da Fazenda do governo de São Paulo em 1966, após ter sido membro do Conselho Consultivo do Planejamento do governo Castelo Branco, sempre foi muito presente na vida política do país.
Após ter sido ministro da Fazenda a partir de 1967, durante o governo de Artur Costa e Silva (1967-1969), e continuar no cargo durante a administração de Emílio Garrastazu Médici, até 1974, ele foi nomeado embaixador do Brasil em Paris, onde exerceu o cargo durante cerca de quatro anos. Mesmo se tradicionalmente os embaixadores são diplomatas de carreira, durante a ditadura militar personalidades próximas do regime eram escolhidas para representar o país no exterior.
Na época, a imprensa francesa falava de um "exílio dourado". No entanto, a estadia em Paris foi marcada por turbulências, com acusações de envolvimento em casos de corrupção visando Netto. O escândalo foi lançado por Raimundo Saraiva, um adido militar da embaixada na capital francesa, que acusou conselheiros do embaixador de ter recebido propina de fornecedores franceses que participavam da construção da usina hidrelétrica de Tucuruí, um dos maiores projetos públicos em solo brasileiro.
A descoberta do caso teria sido feita graças a uma fonte francesa, Jacques de Broissia, então diretor do Crédit Comercial de France, banco encarregado do desenvolvimento das relações comerciais com a América Latina, como relata o livro "Les Brésiliens à Paris, au fil des siècles et des arrondissements", da jornalista da RFI Adriana Brandão (editora Chandeigne). Segundo as acusações de Saraiva, US$ 6 milhões teriam sido pagos em propinas e algumas fontes afirmam que o ex-ministro poderia estar diretamente envolvido no caso.
Delfim sempre negou acusações
O embaixador sempre negou as acusações. No entanto, o episódio balançou suas relações com o então presidente francês, Valéry Giscard d'Estaing, que era cunhado de Jacques de Broissia. Até então, o embaixador tinha acesso direto ao chefe de Estado, que ele conhecida da época em que ambos eram ministros da Economia.
Quando Delfim Netto foi nomeado embaixador, Giscard d'Estaing disse, em seu discurso de boas-vindas, que estava "muito emocionado com o sinal de amizade que o governo brasileiro acaba de dar ao meu país ao confiar esta alta missão a uma pessoa tão eminentes e ao amigo de longa data".
O relatório com a denúncia feita por Saraiva nunca foi esclarecido. Mas após as acusações de corrupção, as relações entre Delfim Netto com o presidente francês se deterioraram para sempre.
Próximo do regime militar, mas conselheiro de Lula
Homem forte da economia durante o regime militar, quando foi um dos signatários do Ato Institucional nº 5, marco do endurecimento da ditadura no Brasil, Delfim chegou a ser conselheiro informal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seus dois primeiros governos.
Em entrevista à RFI em 2018, logo após a eleição de Jair Bolsonaro, ele alertava para uma sociedade dividida, mas se mostrava positivo. "Hoje no Brasil tem duas correntes se formando: uma dizendo que vai quebrar, que não vai funcionar, outra mais otimista, como a minha. Hoje não adianta se precipitar. Enquanto o presidente estiver dentro de suas atribuições constitucionais, nós temos que respeitá-lo," lançou Delfim Netto.
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