Calor causou 48 mil mortes apenas na Europa no ano passado; entenda como cálculo é feito
Com o aquecimento global causado pelo homem, as ondas de calor não estão poupando nenhum continente. As temperaturas extremas causam cada vez mais mortes. A Índia registrou mais de 100 mortes relacionadas ao calor em junho, e Tóquio anunciou 120 em julho. A rede World Weather Attribution teme que centenas ou até milhares de pessoas morram nos países do Sahel. E na Europa, um novo estudo estima que o número de mortos deviso ao calor no ano passado foi de quase 48 mil.
As altas temperaturas no ano passado, tornaram 2023 o ano mais quente já registrado no mundo, de acordo com um estudo anual que alerta sobre os impactos contínuos das mudanças climáticas em eventos climáticos extremos.
Estima-se que 47.690 pessoas morreram na Europa em 2023, conforme o relatório anual do Instituto de Saúde Global de Barcelona, publicado na revista Nature Medicine. Apenas 2022 foi mais mortal, com mais de 60 mil mortes relacionadas ao calor.
Ao analisar os registros de temperatura e mortalidade de 35 países em todo o continente, o estudo mostrou que os países do sul da Europa - Grécia, Itália e Espanha, bem como a Bulgária - foram os mais afetados pelo calor, e as pessoas mais velhas estavam em maior risco. Mais da metade das mortes ocorreu durante dois períodos de calor intenso em meados de julho e agosto de 2023, quando a Grécia lutou contra incêndios florestais mortais.
O relatório constatou que as mortes relacionadas ao calor teriam sido 80% maiores se não fossem as medidas tomadas pelos governos europeus para se adaptarem aos verões mais quentes. "Nossos resultados destacam a importância das adaptações históricas e contínuas para salvar vidas durante os verões recentes", disseram os autores, apontando para sistemas de alerta precoce e melhorias na saúde que podem ajudar a reduzir as mortes relacionadas ao calor.
O relatório também mostrou a "urgência de estratégias mais eficazes para reduzir ainda mais a carga de mortalidade dos próximos verões mais quentes", acrescentaram os autores, pedindo medidas mais proativas para combater o aquecimento global.
Os cientistas afirmam que a mudança climática está tornando os eventos climáticos extremos, como as ondas de calor, mais frequentes, mais longos e mais intensos. A Europa, onde pesquisadores afirmam que as temperaturas estão subindo mais rapidamente do que o resto do globo, tem experimentado um número crescente de ondas de calor desde a virada do século.
Como calcular o número de mortes atribuídas ao calor?
Essa é a pergunta que os cientistas de todo o mundo estão se fazendo no momento. Para patologias diretamente ligadas a temperaturas extremas, como hipertermia - comumente conhecida como "insolação" - ou desidratação, é relativamente simples: essas causas são registradas diretamente no atestado de óbito e, portanto, podem ser registradas pelas autoridades. Mas o calor também agrava condições de saúde pré-existentes.
"Quase metade de todas as mortes durante uma onda de calor se deve a causas cardiovasculares. Também pode haver problemas respiratórios ou insuficiência renal", explica Kristie Ebi, professora da Universidade de Washington. "É vital para nosso corpo manter a temperatura dentro de uma determinada faixa. Além disso, nossas células e órgãos se aquecem. E nosso coração, por exemplo, corre o risco de reagir a esse calor com um ataque cardíaco", aponta.
As mortes indiretas atribuídas ao calor são muito mais numerosas do que as mortes diretas
É aqui que os registros das autoridades se tornam complicados. Quando um paciente morre no hospital durante uma onda de calor em decorrência de um ataque cardíaco, é essa causa que é registrada no atestado de óbito. No entanto, durante temperaturas extremas, essas mortes são muito mais numerosas do que aquelas ligadas à hipertermia ou à desidratação.
"É o que chamamos de excesso de mortalidade relacionada ao calor", explica a epidemiologista americana Kristie Ebi, que estuda os efeitos das mudanças climáticas na saúde humana há mais de 30 anos. Em alguns países, estão sendo feitas tentativas de quantificar esse excesso de mortalidade.
"Observamos quantas pessoas morreram durante a onda de calor e comparamos esse número com o número de pessoas que morreram durante o mesmo período em anos anteriores, quando não houve onda de calor. A diferença entre os dois números é o valor do excesso de mortalidade", explica.
O desafio é encontrar o método correto para calcular o período levado em conta nessa comparação de números. Porque as pessoas continuam a morrer devido aos efeitos do calor em seus corpos mesmo após o fim da onda de calor.
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Quero receberNa África, muitas mortes não são monitoradas. Em países onde as certidões de óbito não são emitidas sistematicamente, as dificuldades de registrar a mortalidade durante uma onda de calor extremo são ainda maiores. Esse é o caso de alguns países do sudeste asiático, mas também do continente africano.
As recentes ondas de calor em Camarões, Chade e muitos outros países reforçaram o projeto do CDC África. O Centro Africano de Controle e Prevenção de Doenças está trabalhando na "integração de parâmetros relacionados ao calor para descobrir exatamente quais critérios e perguntas precisam ser feitos para obter essas informações".
Ter acesso a esses dados é vital para adaptar melhor as políticas públicas para proteger as pessoas do calor e para aumentar a conscientização pública em todo o mundo. "Muitas pessoas não levam as ondas de calor a sério até que seja tarde demais. A conscientização coletiva ainda não está à altura do desafio", diz Kristie Ebi, que insiste que "a maioria das mortes relacionadas ao calor poderia ser evitada".
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