Na tribuna da ONU, Lula pede reforma do órgão e inclusão de mais países no Conselho de Segurança
Como já é tradição, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu a Assembleia Geral das Nações Unidas nesta terça-feira (24) em Nova York. No início do discurso, Lula cumprimentou a delegação palestina que pela primeira vez integra a Assembleia. Lula ainda citou as enchentes do sul do Brasil e as queimadas recentes para exemplificar consequências da falta de cuidado com o planeta e as questões climáticas.
Luciana Rosa, correspondente da RFI em Nova York
Relacionadas
"Dirijo-me em particular à delegação palestina, que integra pela primeira vez esta sessão de abertura, mesmo que ainda na condição de membro observador. E quero saudar a presença do presidente Mahmmoud Abbas", disse o chefe de Estado brasileiro.
Em sua mensagem do ano passado, Lula deixou claro que pretendia fazer o Brasil voltar ao cenário internacional. Uma das estratégias usadas para isso tem sido posicionar o Brasil como referência na luta contra a crise climática. Este ano, porém, enchentes e queimadas florestais tomaram conta do país e as manchetes internacionais antes de Lula embarcar para Nova York, o que exigiu mudanças no discurso. Tais eventos acabaram sendo utilizados como exemplos das consequências oriundas dos descuidos com o planeta.
"No sul do Brasil tivemos a maior enchente desde 1941. A Amazônia está atravessando a pior estiagem em 45 anos. Incêndios florestais se alastraram pelo país e já devoraram 5 milhões de hectares apenas no mês de agosto", lamentou.
"O planeta já não espera para cobrar da próxima geração e está farto de acordos climáticos não cumpridos", enfatizou Lula ao alertar que "2024 caminha para ser o ano mais quente da história moderna".
Guerra da Ucrânia e o Conflito em Gaza
Lula da Silva fez questão de apontar as disparidades do gasto mundial aplicado em guerras de US$ 2,4 trilhões, segundo o presidente, e criticou que tais recursos poderiam ser "ter sido utilizados para combater a fome e enfrentar a mudança do clima". O líder brasileiro lembrou ainda que o ano de 2023 "ostenta o triste recorde do maior número de conflitos desde a Segunda Guerra Mundial".
O presidente brasileiro tentando negociar junto à China uma maneira de influenciar a Rússia a terminar com a invasão da Ucrânia. Os chefes de Estado dos dois países, inclusive, têm uma reunião marcada para esta semana para seguir com as tratativas. No discurso desta terça-feira, Lula afirmou que "já está claro que nenhuma das partes conseguirá atingir todos os seus objetivos pela via militar" e completou dizendo que é crucial "criar condições para a retomada do diálogo direto entre as partes", citando a mensagem do entendimento de seis pontos aprovado por China e Brasil.
Ainda em sua cruzada por posicionar o Brasil como um porta-voz da paz, Lula lembrou das vítimas do conflito em Gaza e chamou a atenção para a desproporcionalidade das mortes entre palestinos. No entanto, ele evitou repetir a palavra genocídio, utilizada na noite anterior em um evento na Fundação Bill e Melinda Gates, para classificar o conflito.
"Em Gaza e na Cisjordânia, assistimos a uma das maiores crises humanitárias da história recente, e que agora se expande perigosamente para o Líbano", advertiu o brasileiro. Dizendo que "o que começou como ação terrorista de fanáticos contra civis israelenses inocentes, tornou-se punição coletiva de todo o povo palestino", lembrando que já são mais de 40 mil vítimas fatais, "em sua maioria mulheres e crianças".
Desigualdade
O combate à fome, uma das bandeiras do presidente, também foi parte do repertório do discurso. Lula lembrou que, em 2023, o Brasil retirou 24,4 milhões de pessoas da condição de insegurança alimentar severa no país, e que, a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, lançada em novembro no Rio de Janeiro, nasceu "da vontade política e do espírito de solidariedade" e que esta será um dos principais resultados da presidência brasileira do G20.
Sobre a desigualdade social, o brasileiro se queixou do fardo da dívida que, segundo ele, "limita o espaço fiscal para investir em saúde e educação, reduzir as desigualdades e enfrentar a mudança do clima". Lula detalhou que países da África tomam empréstimos a taxas até 8 vezes maiores do que a Alemanha e 4 vezes maior que os Estados Unidos".
O presidente advertiu que "enquanto os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ficam para trás, as 150 maiores empresas do mundo obtiveram, juntas, lucro de US$ 1,8 trilhão nos últimos dois anos".
Ainda sobre desigualdade, o petista citou a Inteligência Artificial ao apontar que "a consolidação de assimetrias que levam a um verdadeiro oligopólio do saber" não podem ser permitidas e que a tecnologia "não pode ficar nas mãos de um pequeno número de pessoas e de empresas".
Brasil: celeiro de possibilidades
O presidente apontou o Brasil como um celeiro de possibilidades para o mundo com relação à substituição da matriz energética.
"Somos hoje um dos países com a matriz energética mais limpa. Noventa por centro da nossa eletricidade provêm de fontes renováveis", quantificou Lula, fazendo referência ao fato de que o Brasil fez uma opção pelos biocombustíveis há 50 anos.
"Muito antes que a discussão sobre energias alternativas ganhasse tração", afirmando que o país está "na vanguarda em outros nichos importantes como o da produção do hidrogênio verde".
Reforma da ONU e expansão do Conselho de Segurança
Entre os temas salientados no discurso de abertura da tribuna da ONU, Lula acrescentou o pedido pela revisão da Carta que embasa a instituição ao declarar que o órgão multilateral precisa deixar de apenas tecer planos de intenções e encontrar uma maneira para que as decisões tomadas nos escritórios sejam colocadas em prática.
"Prestes a completar 80 anos, a Carta das Nações Unidas nunca passou por uma reforma abrangente. Apenas quatro emendas foram aprovadas, todas elas entre 1965 e 1973", apontou o líder ao frisar que a versão atual do documento não trata de alguns dos desafios mais prementes da humanidade.
O chefe de Estado brasileiro opinou que a Reforma do organismo multilateral precisa contemplar a transformação do Conselho Econômico e Social no principal foro para o tratamento do desenvolvimento sustentável e do combate à mudança climática; a revitalização do papel da Assembleia Geral; o fortalecimento da Comissão de Consolidação da Paz.
"Na fundação da ONU, éramos 51 países. Hoje somos 193", ressaltou. "Várias nações, principalmente no continente africano, estavam sob domínio colonial e não tiveram voz sobre seus objetivos e funcionamento" lembrou Lula.
Luiz Inácio Lula da Silva voltou a defender a necessidade da expansão do Conselho de Segurança, para poder se tornar mais eficaz e representativo, sem a excluir a América Latina e a África, o que ele alegou ser inaceitável, fala que rendeu aplausos a Lula.