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Entenda as dificuldades da ONU e da UE para obter o fim da ofensiva em Gaza

07/10/2024 11h02

Um ano após o início da guerra na Faixa de Gaza, o número de mortos continua aumentando. As Nações Unidas, mas também a União Europeia e os Estados Unidos, não conseguem pôr fim ao conflito. As divisões entre os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança e entre as principais potências vêm fragilizando a pressão sobre Israel e diminuindo a possibilidade de um cessar-fogo no enclave palestino. 

Anne Bernas, da RFI

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Quase 42 mil palestinos morreram no enclave desde 7 de outubro, segundo dados do Ministério da Saúde do Hamas, que controla Gaza, O ataque terrorista do Hamas a Israel, que desencadeou o conflito, deixou 1.205 mortos. Mas os apelos do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, ainda soam em vão.

"Peço ao Conselho de Segurança que se una em apoio a um cessar-fogo imediato, que leve a uma solução viável de dois Estados. Essa é a única maneira de acabar com essa tragédia", disse Guterres na Assembleia Geral anual, em 24 de setembro.

Ao solicitar o fim da espiral de violência no enclave palestino, o secretário-geral lembrou que Gaza é "o lugar mais perigoso do mundo para levar ajuda humanitária".

A ONU só poderá avançar se houver consenso entre as principais potências. Há um ano, as Nações Unidas não conseguem pôr um fim à guerra. O fórum global para a resolução de conflitos e a paz mundial foi prejudicado pelas divisões entre os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança.

"O direito de veto sobre a questão da guerra, que é essencialmente usado pelos Estados Unidos, paralisa a ONU. E o apoio incondicional dos Estados Unidos a Israel obviamente não incentiva a implementação de uma política de negociação", diz Alain Gresh, diretor da revista on-line Orient XXI.

"Lei da selva"

Durante o principal encontro anual da ONU, o primeiro-ministro israelense, Benyamin Netanyahu, manteve-se firme e advertiu durante seu discurso que, embora muitos chefes de Estado antes dele tenham pedido o fim da guerra, seu Exército continuaria a lutar contra o Hamas e o Hezbollah "até a vitória".

Boicotado por várias delegações, ele frustrou as esperanças de uma trégua temporária de 21 dias no Líbano, proposta em 25 de setembro pela França e pelos Estados Unidos, juntamente com muitos países ocidentais e árabes.

No dia anterior, em 26 de setembro, o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, exigiu: "Parem o genocídio. Parem de enviar armas para Israel". "Essa loucura precisa acabar. O mundo inteiro é responsável pelo que está acontecendo com nosso povo em Gaza e na Cisjordânia", denunciou.

A Corte Internacional de Justiça, órgão supremo da ONU em termos de direito internacional, afirmou que há risco de genocídio em Gaza e disse que a ocupação é ilegal.

"O que estamos testemunhando", continua Alain Gresh, "é a desqualificação do direito internacional como base para a resolução de conflitos. Estamos entrando em um período que corre o risco de ser o período da lei da selva, em que a lei internacional não tem mais peso algum".

UE dividida

As Nações Unidas são impotentes, mas a União Europeia também é. Em 17 de setembro, o chefe da diplomacia europeia, Josep Borell, pediu que fosse exercida "pressão" sobre Israel e o Hamas palestino para que chegassem a uma trégua na Faixa de Gaza, após meses de negociações que não deram resultado.

"Todos os envolvidos devem continuar pressionando as duas partes" para que cheguem a um acordo que permita um cessar-fogo e a libertação dos reféns mantidos na Faixa de Gaza. Um apelo que também parece ter sido em vão, tendo em vista o progresso da situação no local e as divergências flagrantes entre os 27 membros da UE, desde o início da guerra.

O bloco, que há um ano afirmava "o direito de Israel de se defender", rapidamente se dividiu em dois "campos" no último ano: os que defendem Israel com unhas e dentes e os que defendem o respeito ao direito internacional e até mesmo reconhecem o Estado da Palestina, como a Espanha e a Irlanda.

Três semanas após o início do conflito, os países europeus não conseguem se unir para pedir um cessar-fogo, contentando-se em pedir "pausas humanitárias".

Entre as críticas feitas à UE, está a aplicação de dois pesos e duas medidas entre a Ucrânia e a Palestina. A viagem de Ursula von der Leyen a Israel para se encontrar com Benjamin Netanyahu em 13 de outubro de 2023 está causando alvoroço em Bruxelas porque a presidente da Comissão não disse uma palavra sequer para os palestinos na Faixa de Gaza, que estão sob fogo nesse momento.

A França e o direito à autodeterminação palestina

Por sua vez, até o início dos anos 2000, a França foi portadora de uma voz diferente no conflito entre Israel e os países árabes, incluindo os palestinos, acreditando que era necessária uma solução "equilibrada". Ela desempenhou um papel de liderança na promoção de negociações com a OLP, incentivando o reconhecimento do direito dos palestinos à autodeterminação.

Hoje, entre os países europeus, a França é um dos países mais alinhados com a Alemanha em relação a Israel", ressalta Alain Gresh. Houve uma mudança completa na política francesa, o que está exacerbando as divisões na Europa. É verdade que, com 27 membros, é difícil tomar uma posição, mas quando as principais potências da Europa, a França e a Alemanha, estão tão alinhadas com Israel, isso torna qualquer ação autônoma da União Europeia muito difícil", avalia.

"Se pedirmos um cessar-fogo, a coisa coerente a fazer é não fornecer as armas de guerra": Emmanuel Macron pediu no sábado, 5 de outubro, o fim do fornecimento de armas a Israel para uso em Gaza, irritando o primeiro-ministro israelense.

EUA de mãos e pés atados a Tel Aviv?

Em 27 de setembro, em meio a uma escalada com o Líbano e antes da morte de Hassan Nasrallah, e após a recusa de Netanyahu de uma trégua temporária com o Hezbollah, Israel obteve US$ 8,7 bilhões em ajuda dos Estados Unidos para apoiar seus esforços militares.

Desde 7 de outubro, Washington continua a todo custo afirmando seu apoio ao "direito de Israel de defender seu território e seu povo". No entanto, em 8 de outubro de 2023, o presidente Biden pediu a Tel Aviv que não cometesse os mesmos erros que os Estados Unidos após o 11 de setembro.

"No ano passado, os Estados Unidos demonstraram incapacidade e falta de vontade de transformar a situação no terreno e não usaram a única ferramenta à sua disposição para mudar a política israelense e levar a negociações e à libertação de reféns: ou seja, um embargo de armas ou restrições muito rigorosas ao envio de armas para Israel", disse Philip Golub, professor de relações internacionais da Universidade Americana de Paris, à RFI.

Suposta neutralidade norte-americana

Como aponta Gilbert Achcar, professor de Estudos de Desenvolvimento e Relações Internacionais da Escola de Estudos Orientais e Africanos (SOAS) da Universidade de Londres, Washington originalmente se via como um mediador neutro nas relações entre Tel Aviv e o mundo árabe. 

"Durante sua campanha presidencial de 2020, o candidato Joz Biden prometeu reverter o curso muito pró-israelense da política de seu antecessor, em particular reabrindo o consulado dos EUA em Jerusalém Oriental e permitindo que a representação da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) reinstalasse um escritório em Washington; ele não fez nada disso.

Em vez disso, ele continuou seguindo os passos de Donald Trump, dando prioridade ao incentivo para que o reino saudita se junte aos estados árabes que estabeleceram relações diplomáticas com Israel e, em seguida, fornecendo a Israel apoio incondicional de fato desde a invasão de Gaza", analisa.

Medo de perder influência no Oriente Médio

Um fator que pode explicar a posição norte-americana em relação a Israel: de acordo com o Wall Street Journal, um acordo de cessar-fogo entre Israel e o Hamas em Gaza é improvável antes de o presidente Biden deixar o cargo em janeiro de 2025.

No entanto, se Kamala Harris for eleita, ela pretende continuar com o acordo anual de armas de € 3,4 bilhões com Tel Aviv. Outros analistas também argumentam que, se os Estados Unidos reduzissem seu apoio a Israel, eles teriam medo de desempenhar um papel político e de segurança menor no Oriente Médio.

Acho que a razão fundamental é que os Estados Unidos apoiam Israel incondicionalmente", diz Alain Gresh. "Embora tenha havido tensões entre Israel e os Estados Unidos ao longo da história, a aliança é estratégica. A eleição presidencial pode pesar um pouco porque se trata de uma questão política interna, mas o público norte-americano está agora bastante dividido sobre a questão da guerra em Gaza".

"Basicamente, há uma convergência de estratégia. Os Estados Unidos e Israel querem eliminar o Hamas, querem eliminar o Hezbollah, esperam desferir um golpe contra o Irã. Mas, se pensarmos um pouco, o que temos é um ator louco, travando uma guerra global, ou pelo menos uma guerra regional, contra todos os Estados, na esperança de vencer", diz Gresh. "Infelizmente, apesar dos gritos de vitória israelenses, o resultado é mais caos e certamente não a ideia de que eles conseguirão impor sua vontade na região."

A impunidade de Netanyahu

Desde 7 de outubro de 2023, o primeiro-ministro israelense parece estar agindo sem ouvir ninguém. Todas as resoluções da ONU foram ignoradas. A última afronta de Benyamin Netanyahu foi ser fotografado na ONU quando, em 27 de setembro, ele deu a ordem para bombardear o suposto prédio do líder do Hezbollah em Beirute. 

Se os Estados Unidos pararem de enviar armas para Israel, a guerra terminará em 24 horas

"O premiê israelense zomba dos principais atores internacionais porque os principais atores internacionais estão permitindo que ele o faça", diz o especialista.

"Se os Estados Unidos pararem de enviar armas para Israel, a guerra terminará em 24 horas. Se a União Europeia decidir suspender o acordo de associação entre Israel e a União Europeia, o principal parceiro comercial de Israel, isso terá um impacto sobre a atitude de Israel. Israel viola todas as resoluções do Conselho de Segurança e não há consequências. Portanto, ele continua a guerra, e isso é tudo", afirma.

A guerra que começou em 7 de outubro de 2023 é a mais longa da história do Estado de Israel. "Não creio que, apesar dos gritos de vitória de Israel, que inegavelmente alcançou, isso melhorará a situação do país na região, ou a dos Estados Unidos, ou a dos ocidentais em geral, e dos europeus em particular", conclui Alain Gresh. 

No último ano, o mundo inteiro testemunhou o desrespeito ao direito internacional como base para a resolução de conflitos. Hoje, Antonio Guterres é persona non grata em Israel por decisão do governo israelense.

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