Especialistas denunciam estratégia do 'radicalismo permanente' de Netanyahu em Gaza
A guerra continua em Gaza, um ano após os ataques terroristas do Hamas que fizeram de 7 de outubro de 2023 o dia mais sangrento desde o Holocausto, com quase 1.200 mortes. A Faixa de Gaza já foi destruída, mas os objetivos do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu de erradicar o Hamas e libertar os reféns mantidos pelo grupo não foram alcançados. Sua forma de guerrear e as consequências de sua política brutal são agora amplamente questionadas em Israel e em todo o mundo.
Christophe Drevet, da RFI
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Há um ano, o Hamas, apoiado por outros grupos armados palestinos, lançou ataques sem precedentes da Faixa de Gaza contra o sul de Israel, cuja barbaridade chocou o mundo. O Hamas é considerado um grupo terrorista, principalmente pelos Estados Unidos e pela União Europeia, e seu líder, Yahya Sinouar, é alvo de um mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra e crimes contra a humanidade. O promotor do TPI também emitiu o mesmo pedido contra o primeiro-ministro israelense por sua conduta na guerra de retaliação que vem travando em Gaza no último ano.
Benjamin Netanyahu, que prometeu aniquilar o Hamas, envolveu o exército israelense em um bombardeio sistemático da Faixa de Gaza. Seus 2,4 milhões de habitantes palestinos são bombardeados onde quer que estejam, e o exército tem como alvo até mesmo hospitais e escolas, alegando que o Hamas está escondendo armas e combatentes nesses locais.
Por que Netanyahu não quer solução política
O número de mortos já se aproxima de 42.000, a maioria deles civis. Embora o Hamas tenha total responsabilidade pelos crimes perpetrados em 7 de outubro, a política de força, que sempre foi a de Benjamin Netanyahu, está atraindo as mais fortes críticas em Israel e de seus aliados. Jean-Paul Chagnollaud, diretor do IReMMO (Instituto de pesquisa e estudos para o Mediterrâneo e o Oriente Médio), vem analisando o método de Netanyahu há algum tempo.
"Ele é uma pessoa que só enxerga o saldo de poder e, como resultado, nessa guerra ele quer ir até o fim para esmagar não apenas o Hamas, mas também, creio eu, a questão palestina. Ele quer mostrar que a única saída para tudo isso é a guerra. É possível que a guerra continue por muito tempo ainda, justamente porque ele está obstinadamente determinado a não encontrar uma solução política", diz o especialista.
Desconfiança em relação ao premiê
Em Israel, a desconfiança em relação a Benyamin Netanyahu é ainda maior por causa da forma como lidou com a questão das 251 pessoas capturadas pelo Hamas em 7 de outubro.
Cerca de cem delas foram libertadas sob um acordo no final de novembro de 2023. Apenas oito foram libertadas durante operações realizadas pelo exército israelense. A maioria dessas operações resultou na morte dos reféns. Enquanto se acredita que cerca de 60 deles ainda estejam vivos, em Gaza, Benjamin Netanyahu recusa um acordo de cessar-fogo com o Hamas para perseguir seus objetivos de guerra, mas não apenas isso, explica Didier Billion, vice-diretor do Instituto de pesquisas internacionais e estratégicas (IRIS).
"Os negociadores quase chegaram a um acordo sobre os reféns. Um acordo parecia possível. Mas Benjamin Netanyahu impôs uma exigência final, e é isso que ele sempre faz. Ele está em um estado de radicalização permanente, de pressa precipitada, porque seus interesses pessoais deixam claro que, se ele aceitasse um acordo de compromisso com o Hamas, permitindo que os reféns fossem libertados, seus ministros de extrema direita derrubariam o governo com um grito de capitulação. Portanto, o que temos aqui é uma espécie de redução de questões políticas extraordinariamente importantes à sobrevivência política de um homem, Benjamin Netanyahu", diz Billion.
Uma estratégia inflexível
A continuação da guerra e sua extensão, hoje, a toda a região do Oriente Médio, permitem que o primeiro-ministro israelense, ao permanecer no poder, também atrase a criação de uma comissão de inquérito em Israel para apurar a responsabilidade pelos acontecimentos de 7 de outubro.
O próprio Benjamin Netanyahu reconheceu parcialmente sua própria responsabilidade pelas falhas do sistema de segurança israelense. Isso aconteceu pela primeira vez em maio passado na televisão israelense. Ao mesmo tempo em que culpou seus serviços de inteligência, ele explicou que havia falhado em sua missão de proteger a população israelense, "a primeira de suas missões", como aponta o pesquisador de ciências políticas Sébastien Boussois.
"Na minha opinião, em 7 de outubro, Benjamin Netanyahu teve uma grande responsabilidade pelo que ele deveria fornecer aos israelenses, ou seja, uma ferramenta de segurança imparável que deveria ter evitado o que aconteceu. Se alguém como o ultranacionalista Itamar Ben-Gvir, Ministro da Segurança Nacional, ainda está no governo um ano depois, há um problema real", afirma o especialista.
Netanyahu não ouviu seus serviços de inteligência
"Eu diria que Benjamin Netanyahu tem responsabilidade direta de um ponto de vista prático e técnico. Ele não deu ouvidos aos seus serviços de inteligência e dissolveu as forças de segurança israelenses que estavam no sul de Israel para proteger os postos avançados dos colonos na Cisjordânia", ressalta.
No dia seguinte aos ataques do Hamas, o jornal israelense de centro-esquerda Haaretz foi além, publicando: "O cataclismo que está abalando Israel é claramente responsabilidade de uma pessoa: Benjamin Netanyahu. Nosso primeiro-ministro claramente não percebeu as ameaças às quais estava expondo Israel ao estabelecer um governo de anexação e desapropriação, enquanto adotava uma política externa que negava explicitamente os direitos dos palestinos".
A islamização da questão palestina
De acordo com Sébastien Boussois, os acontecimentos de 7 de outubro ocorreram em um contexto tão degradado quanto complexo. "É claro que o Hamas é o principal responsável por cruzar a fronteira israelense em 7 de outubro e matar 1.200 pessoas. Mas, obviamente, não podemos parar por aí. Devemos nos lembrar da islamização da questão palestina, da colonização que vem ocorrendo há décadas, da completa inércia da Autoridade Palestina e da crise enfrentada pela democracia israelense", diz.
"Este é um contexto no qual Benjamin Netanyahu fez de tudo para se manter no poder, integrando a ultradireita nacionalista, que não tem nada a ver com os palestinos ou com os territórios palestinos e cujo único objetivo é recuperar Gaza e a 'Judeia-Samaria' [a Cisjordânia]. Portanto, obviamente, nesse contexto, podemos ver que há responsabilidades de ambos os lados", sublinha.
Hamas no centro da estratégia de Netanyahu
Enquanto as divisões entre as organizações palestinas continuam a crescer, o primeiro-ministro israelense tenta constantemente mantê-las.
Uma verdadeira tática política, explica Jean-Paul Chagnollaud, para evitar ter um interlocutor palestino, impedindo assim qualquer progresso nas negociações de paz. "Ao longo de seus anos no poder, ele, de certa forma, favoreceu o Hamas para deixar claro que era impossível manter conversas com uma organização que ele considera terrorista. Por outro lado, ele fez de tudo para desacreditar a Autoridade Palestina, que, ao contrário, estava aberta a negociações. Houve várias negociações antes de Netanyahu e nenhuma desde que ele chegou ao poder", destacou.
Didier Billion lembra como essa estratégia funcionou durante anos. "Dezenas de milhões de dólares fluíam regularmente do Qatar para a Faixa de Gaza e para o Hamas. Os serviços israelenses estavam perfeitamente cientes da existência dessas transferências de fundos, mas deixavam que isso acontecesse. Era conveniente para eles. Até Netanyahu explicou isso", detalha o pesquisador.
De acordo com vários jornais israelenses, o primeiro-ministro disse em uma reunião de seu partido Likud em 2019: "Qualquer pessoa que queira impedir a criação de um Estado palestino deve apoiar o fortalecimento do Hamas e transferir dinheiro para ele. Isso faz parte de nossa estratégia", analisa.
Apoio da extrema direita para escapar da justiça
Ao mesmo tempo, Netanyahu precisa formar coalizões com a extrema direita para se manter no poder. Isso é essencial para que ele consiga escapar da justiça, já que as acusações em casos de corrupção vêm se acumulando desde 2016. Suas alianças com os ultraortodoxos abrem a porta para os mais radicais e para uma chantagem política cada vez maior. De acordo com Billion, "na realidade, são os ultraortodoxos e os supremacistas judeus que fazem a política do governo, embora sejam minoria no Knesset, o parlamento israelense".
O espectro de um "conflito eterno" está, portanto, pairando no Oriente Médio e, com ele, o risco de outro êxodo de palestinos dos territórios. De acordo com Jean-Paul Chagnollaud, Benjamin Netanyahu está deixando para trás uma situação que é muito pior do que era na época dos Acordos de Oslo, sem oferecer nenhuma perspectiva real.
"De modo geral e à luz da história, acho que ele perdeu porque, no final das contas, o que ele trouxe para o povo israelense? A partir dessa posição intransigente e radical, ele trouxe uma guerra terrível. Houve várias guerras em Gaza, mas essa é um impasse estratégico total porque, mesmo que Netanyahu consiga enfraquecer muito a capacidade militar do Hamas, o próprio princípio da luta armada, que é uma das estratégias dos palestinos, permanecerá. A guerra só fortalece os radicais", conclui o especialista.