ONG acusa grupo Carrefour na Arábia Saudita de explorar trabalhadores migrantes
A Anistia Internacional denunciou nesta segunda-feira (21) a exploração de trabalhadores migrantes nos supermercados Carrefour na Arábia Saudita. De acordo com a ONG, eles são enganados por agentes de recrutamento de empresas terceirizadas pelo administrador da franquia do grupo francês no país, forçados a trabalhar por horas excessivas, privados de dias de descanso, além de terem seus salários roubados.
Em seu novo relatório intitulado "Exploração trabalhista nas instalações do Carrefour na Arábia Saudita", a organização de direitos humanos afirma que os trabalhadores eram alojados em condições insalubres e tinham medo de serem demitidos caso reclamassem ou se recusassem a fazer horas extras.
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"As violações dos direitos humanos sofridas pelos trabalhadores equivalem a trabalho forçado, incluindo tráfico de seres humanos para fins de exploração trabalhista", diz a Anistia Internacional. "No entanto, nem o grupo Carrefour, nem o grupo Majid Al Futtaim (MAF), que administra a franquia na Arábia Saudita, tomaram medidas suficientes para acabar com ela ou para oferecer indemnizações às vítimas", continua a ONG.
Para Marta Schaaf, diretora do programa Clima, Justiça Econômica e Responsabilidade Social e Corporativa da Anistia Internacional, o grupo Carrefour tem uma responsabilidade clara, segundo as normas internacionais de direitos humanos, de garantir que os direitos dos trabalhadores não sejam violados no curso das suas atividades, incluindo em suas franquias. A ONG exige que o grupo e a Majid Al Futtaim tomem medidas para remediar as violações.
O relatório da Anistia Internacional surge apenas duas semanas antes de o Conselho de Administração da Organização Internacional do Trabalho (OIT) examinar uma queixa histórica contra o governo saudita sobre roubo de salários, trabalho forçado e proibição de sindicatos. A queixa foi apresentada em junho por um sindicato global, o Building and Woodworkers International (BWI), com o apoio da Anistia Internacional e de outras organizações.
Enganados, sobrecarregados e mal pagos
A investigação da Anistia Internacional começou após um relatório publicado em 2023, que denunciou desrespeito aos direitos humanos em armazéns da Amazon na Arábia Saudita, envolvendo uma empresa fornecedora de mão de obra que também era prestadora de serviços do Carrefour.
A pesquisa se baseia em informações recolhidas em entrevistas com 17 homens do Nepal, Índia e Paquistão. Todos trabalharam em vários locais do Carrefour em Riad, Dammam e Jeddah entre 2021 e 2024 e quase todos foram ou ainda são empregados de empresas fornecedoras de mão de obra para Majid Al Futtaim.
Para conseguir emprego, os trabalhadores pagaram aos agentes de recrutamento em seus países de origem taxas médias de U$ 1.200 (R$ 6.842), contraindo muitas vezes dívidas para pagar o montante, embora o pagamento de tais taxas seja proibido pela lei saudita.
Os trabalhadores afirmam que os agentes de recrutamento mentiram, muitas vezes com a cumplicidade das empresas fornecedoras de mão de obra, sobre a natureza e os salários dos cargos na Arábia Saudita, ou faziam os migrantes acreditar que seriam contratados diretamente por empresas internacionais.
Muitos só descobriram que seriam contratados por empresas sauditas de fornecimento de mão de obra - que têm uma reputação notoriamente negativa entre os trabalhadores - depois de pagarem taxas de recrutamento e, portanto, não puderam desistir porque era impossível serem reembolsados.
Na Arábia Saudita, eles trabalhavam em condições extremamente difíceis e por salários baixos. Os trabalhadores descreveram à ONG que tinham que caminhar mais de 20 km por dia e trabalhar 60 horas por semana, às vezes até 16 horas por dia, especialmente durante períodos de maior movimento, como a semana do salário e o mês do Ramadã.
Eles também explicaram que os administradores dos supermercados muitas vezes cancelavam seus dias de descanso semanal e que as acomodações fornecidas pelos prestadores de serviços estavam frequentemente sujas e superlotadas. Os trabalhadores descreveram que seis ou oito pessoas dormiam no mesmo quarto.
Os migrantes que protestaram sofreram represálias das empresas fornecedoras de mão de obra ou de executivos do Carrefour, o que dissuadiu outros de se manifestarem. Embora Majid Al Futtaim tenha dito à Anistia Internacional que proibia retaliação contra qualquer pessoa que comunicasse "uma preocupação de boa-fé", os trabalhadores disseram que se recusassem a fazer horas extras eram ameaçados de não serem pagos ou de serem despedidos.
A Anistia conclui que o Carrefour e o representante da franquia na Arábia Saudita "contribuíram e beneficiaram de violações dos direitos humanos, ao recorrerem à terceirização do trabalho migrante sem terem implementado controles adequados", e sem terem assegurado que os seus subcontratantes "respeitassem os direitos humanos".
Investigações internas
O Carrefour disse à AFP na sexta-feira que "pediu ao (seu) parceiro MAF que realizasse investigações internas entre seus funcionários e subcontratados na Arábia Saudita", após uma conversa com a Anistia em meados de 2024.
"Estas primeiras investigações não confirmaram os elementos designados pelo alerta da Anistia, mas revelaram outros problemas: alojamento, formação ou monitoração do horário de trabalho para os quais foram realizadas ações corretivas", garante a distribuidora.
O grupo indica também que um perito independente foi enviado para investigar "todos os requisitos relativos aos direitos humanos". "Estamos atualmente estabelecendo os termos da auditoria com ele."
A ONG salienta que as duas empresas já assumiram compromissos nesta área. Na sua documentação financeira, o Carrefour afirma que pretende "respeitar os direitos humanos em toda a sua cadeia de valor", falhas que podem "impactar fortemente a reputação do grupo".
Por seu lado, Majid Al Futtaim sublinha seu "compromisso em respeitar os mais elevados padrões em termos de direitos humanos e condições de trabalho".
A empresa sediada em Dubai administra cerca de 500 lojas da marca Carrefour em 30 países do Oriente Médio, Ásia e África. Em 2023, alcançou 34,5 bilhões de dirhams em volume de negócios (Cerca de R$ 53 bilhões) e 2,7 bilhões dirhams em lucro líquido (R$ 4,1 bilhões), segundo a sua documentação financeira. A Arábia Saudita é, em termos de volume de negócios, seu maior mercado fora do seu país de origem, os Emirados Árabes Unidos.
(RFI com AFP)