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Vencedor ou vencido: em que estado fica o Hezbollah após o cessar-fogo no Líbano?

28/11/2024 12h07

Após a entrada em vigor do cessar-fogo que encerrou dois meses de guerra aberta com Israel, o Hezbollah reivindica a vitória, enquanto seus críticos no Líbano falam em derrota. O partido xiita enfrentará desafios de peso no horizonte, para manter a sua influência no país. 

Paul Khalifeh, correspondente da RFI em Beirute

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Apenas duas horas depois que o cessar-fogo entre o Líbano e Israel entrou em vigor, na madrugada de quarta-feira (27), um vasto movimento de xiitas deslocados começou a voltar às suas cidades e aldeias no sul do país, na planície de Bekaa e nos subúrbios do sul de Beirute.

Esse retorno em massa rapidamente deu a impressão de um triunfo para o Hezbollah, com dezenas de milhares de pessoas fazendo o V da vitória com a mão e agitando bandeiras amarelas do partido xiita pelas ruas, além de retratos de seu líder histórico Hassan Nasrallah, morto por Israel em 27 de setembro.

"Apesar das perdas, da destruição, das lágrimas e do sangue, nós vencemos porque estamos retornando às nossas terras que o inimigo não conseguiu ocupar ", disse Abu Hassan, um homem de 50 anos da antiga cidade de Tiro (sul), que voltava para casa após dois meses de êxodo.

Israel tenta evitar que retorno dos libaneses pareça vitória

Como no rescaldo da guerra de 2006, o Hezbollah queria transformar o retorno em uma ilustração de sua "vitória" nessa nova guerra. Israel está ciente do impacto simbólico dessas imagens veiculadas pela mídia e das consequências psicológicas que as cenas de júbilo podem ter no país, onde os habitantes do norte ainda não foram autorizados a voltar para casa.

Para evitar que o Hezbollah explore o a movimentação de retorno, o exército israelense proibiu os habitantes de cerca de dez cidades no sul do Líbano de voltarem para casa até segunda ordem.

Na manhã desta quinta-feira, tanques israelenses dispararam projéteis contra grupos de pessoas que tentavam voltar para suas casas nos vilarejos fronteiriços de Kfarchouba e Kfar Kila. No dia anterior, um fotógrafo da Associated Press e um repórter da agência russa Sputnik foram feridos por fogo israelense na cidade estratégica de Khyam, com vista para a Galileia.

Debate contraditório no Líbano

Esses incidentes reacenderam o debate no Líbano sobre os resultados dessa guerra, que deixou 3.800 pessoas mortas e mais de 15.000 feridas, além de causar imensa destruição em dezenas de cidades e vilarejos.

O Hezbollah e seus aliados estão reivindicando a vitória, enquanto seus oponentes libaneses falam de uma derrota esmagadora. Em seu discurso na noite de terça-feira, quando anunciou aceitar o cessar-fogo por parte de Israel, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu também reivindicou a vitória: " Fizemos o Hezbollah retroceder dez anos. Há três meses, tudo isso pareceria ficção científica. Mas nós conseguimos", disse. "O Hezbollah não é mais o mesmo.

Além das polêmicas acaloradas, os especialistas estão divididos quanto aos resultados desse conflito mortal. "A vitória não é medida pelo número de mártires ou pela escala da destruição. Stalingrado foi arrasada e Londres destruída durante a Segunda Guerra Mundial. Mais de 20 milhões de soviéticos morreram. No entanto, a Rússia e a Grã-Bretanha venceram a guerra. O resultado de um conflito é medido pelos objetivos iniciais da guerra", diz Ahmad Noureddine, professor de história em uma escola pública no sul do Líbano.

Planos de "remodelar o Oriente Médio"

"Após o assassinato de Hassan Nasrallah e de outros altos comandantes, Benjamin Netanyahu declarou que queria remodelar o Oriente Médio", explica Elias Farhat, general aposentado do exército libanês. Durante um passeio pela fronteira com o Líbano, ele disse: "Com ou sem acordo, a chave para o retorno de nosso povo ao norte é manter o Hezbollah longe do rio Litani e impedir que ele se rearme". Israel não alcançou nenhum desses objetivos.

O ex-oficial, que durante anos chefiou o Departamento de Orientação (Mídia) do exército libanês, reconhece, no entanto, que " Israel infligiu graves perdas ao Hezbollah ao assassinar seu secretário-geral e vários altos comandantes, e destruir parte de sua infraestrutura no sul do Líbano, em Bekaa e nos subúrbios ao sul de Beirute".

"No entanto, não parece que seus depósitos de armas e munição tenham sido seriamente danificados. O partido continuou a disparar centenas de foguetes contra Israel todos os dias. O Hezbollah não ganhou essa guerra, mas também não a perdeu ", afirma Elias Farhat.

O especialista acredita que o Hezbollah "conseguirá restaurar rapidamente suas capacidades militares e superar os danos sofridos". "As operações terrestres e o disparo de foguetes e drones continuaram de forma coordenada, o que significa que a cadeia de comando e controle está operacional", acrescenta.

Os críticos do partido xiita têm uma visão diferente. "O Hezbollah está acabado, pelo menos como estrutura militar", insiste Charles Jabbour, chefe de comunicação do partido cristão Forças Libanesas (FL).

Mario Malkoun, também da FL, afirma em um longo post publicado no X que o acordo de cessar-fogo se baseia na Resolução 1701 das Nações Unidas, que "exige a aplicação de todas as decisões internacionais, incluindo aquelas que pedem o desarmamento de todos os grupos armados no Líbano". O ativista se refere à resolução 1559 da ONU, adotada em 2004, que exige o desarmamento de "todas as milícias no Líbano".

Hezbollah não se considera uma "milícia"

O acordo de 13 pontos que pôs fim à guerra não menciona explicitamente o desarmamento do Hezbollah, mas estipula que "todas as instalações não autorizadas relacionadas à produção de armas e materiais relacionados serão desmanteladas".

O documento diz ainda que "todas as infraestruturas e posições militares que não cumprirem esses compromissos serão desmanteladas, e todas as armas não autorizadas serão confiscadas".

O Hezbollah não se considera uma "milícia" e acredita que sua ação de resistência contra Israel está coberta pela Constituição, pelo Acordo de Taif, que pôs fim à guerra civil, e pelas declarações ministeriais de todos os governos desde 1990.

No entanto, os detratores do partido pretendem aproveitar o momento, pedindo o desmantelamento das infraestruturas militares e o confisco de armas para forçar o Hezbollah a fazer concessões em questões políticas internas. Eles acreditam que, agora que está enfraquecido e ocupado fechando suas feridas e as de sua base popular, o Hezbollah retirará seu apoio à candidatura de seu aliado maronita, o ex-ministro e deputado Sleiman Frangié, o que lhes permitirá eleger uma figura mais próxima de suas teses.

"O Hezbollah continuará sendo uma peça-chave nos assuntos internos do Líbano e todas as tentativas de marginalizá-lo politicamente fracassarão", diz Abdel Halim Fadlallah, diretor do Centro Consultivo de Pesquisa e Documentação do partido xiita.

"Benjamin Netanyahu deixou seus objetivos claros quando disse a seus aliados ocidentais que essa guerra seria um prelúdio para mudanças políticas fundamentais no Líbano. Esse objetivo fracassou e o Hezbollah foi e continuará sendo o maior partido do Líbano em termos de representação popular, como demonstraram as últimas eleições legislativas", salienta ele.

O desafio da reconstrução

Se o Hezbollah conseguir superar todas as armadilhas políticas no horizonte, ainda enfrentará o grande desafio de reconstruir seus redutos populares, em grande parte destruídos. As estimativas parciais iniciais estimam o custo da reconstrução em US$ 5 bilhões.

"A maior parte dos esforços será concentrada no período pós-guerra, na reparação dos danos materiais e na reconstrução das regiões destruídas em todo o Líbano, especialmente os redutos do Hezbollah, que foram deliberadamente visados para criar uma barreira entre a base popular e a resistência e entre essa base e o restante do povo libanês", garante Abdel Halim Fadlallah.

No entanto, Elias Farhat questiona a capacidade do Hezbollah de garantir os recursos financeiros necessários, especialmente com "um Estado impotente e a ausência de grandes doadores e apoiadores financeiros".

Mesmo que Israel não tenha conseguido destruir irremediavelmente o partido xiita, está claro que ele enfrentará grandes desafios no período pós-guerra, que podem ser tão duros e difíceis quanto o confronto militar com Tel Aviv - ou até mais.

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