Brasil e França unem conhecimentos científicos em parceria inédita para tratamento de câncer
Na unidade da USP de Ribeirão Preto, uma pesquisa avançada no enfrentamento de cânceres chamou a atenção do Instituto Curie, centro de pesquisas e tratamentos oncológicos de Paris. A partir do interesse mútuo em avançar nos resultados positivos, surgiu uma parceria inédita para compartilhar conhecimentos e tecnologia para curar pessoas afetadas por um tipo de linfoma que atinge o cérebro. O projeto pretende tratar cerca de 20 pacientes brasileiros e franceses a partir de 2026.
Luiza Ramos, da RFI em Paris
Relacionadas
Uma delegação formada por oito membros da Universidade de São Paulo (USP), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do consulado da França em São Paulo esteve em Paris para uma semana de intercâmbio científico entre os dias 18 e 22 de novembro. Nos eventos, foram apresentados projetos inovadores de pesquisa celular e outros temas, para selar parcerias entre instituições francesas e brasileiras.
Um dos pesquisadores do estudo clínico com células CAR-T, Diego Clé, especialista em hematologia do Núcleo de Terapia Avançada da USP (Nutera), apresentou resultados positivos dos tratamentos com pacientes com câncer realizados no Brasil. Já o pró-reitor de graduação da USP, Rodrigo Calado, detalhou à RFI a pesquisa feita pela unidade de Ribeirão Preto e que interessou a França.
"Nós desenvolvemos algumas terapias usando as células CAR-T, que foi a pioneira no Brasil para tratamento de leucemia e linfomas. E aqui no Instituto Curie, eles desenvolvem uma terapia para outro tipo de linfoma. Surgiu essa oportunidade de nós combinarmos esforços em uma colaboração, em um projeto único de pesquisa científica para tratar pacientes com esse tipo de ferramenta terapêutica", descreve o especialista.
Leia tambémNa França, cientista brasileira ajuda a decifrar o papel do microbiota no tratamento do câncer
Intercâmbio de conhecimentos
"Essa é uma ferramenta que foi desenvolvida inicialmente aqui no laboratório de Paris e que nós vamos complementar com as habilidades e a expertises que nós temos na produção de células na USP em Ribeirão", explica Calado.
A delegação brasileira em Paris pôde visitar as instalações provisórias do setor de pesquisas celulares do Instituto Curie (CellAction), cuja tecnologia e equipamentos avançados de análises específicas podem complementar o que o Brasil já apresenta de avanços e de sucesso em tratamentos preliminares realizados em São Paulo.
A pesquisadora do Instituto Curie e diretora médica da unidade de pesquisa celular oncológica (CellAction) em Paris, Marion Alcantara, especifica que objetivo da parceria é construir em conjunto um ensaio clínico para tratar pacientes com linfoma cerebral primário que tiveram reincidência após uma primeira opção de terapia.
"A ideia é que pacientes franceses sejam tratados na França com o produto fabricado na França e pacientes brasileiros tratados no Brasil com o mesmo produto fabricado no laboratório da USP Ribeirão Preto. A ideia é fazer junto com eles para não desenvolvermos algo do nosso lado que não seja viável para eles. Então, realmente precisamos colaborar nisso", descreve a especialista, que irá ao Brasil trabalhar com os cientistas brasileiros em 2025 visando "tratar os primeiros pacientes no início de 2026", confirma Marion Alcantara à RFI.
A unidade de pesquisa celular oncológica do Instituto Curie faz parte do plano de investimento France 2030, aprovado há cerca de três anos pelo presidente francês, Emmanuel Macron. Com um orçamento de € 54 bilhões, o plano visa recuperar o atraso industrial da França e investe maciçamente em tecnologias e pesquisas inovadoras.
Colaboração científica França-Brasil para o tratamento
O reitor da USP, Carlos Gilberto Carlotti Jr., detalha que a parceria já terá efeito a partir do início de 2025, com intercâmbio de cientistas brasileiros para as instalações francesas para ter acesso a essa tecnologia e replicar o tratamento no Brasil. Cada país deverá tratar cerca de dez pacientes, que serão submetidos às mesmas terapias, mas produzidas em seus países.
"Nós fazemos no Brasil o tratamento para linfoma e leucemias, não do cérebro, mas sim aqueles que atingem todo o corpo. Isso nós já temos vários casos [no Brasil] e temos um projeto único de pesquisa científica com o Ministério da Saúde, para tratar pacientes com esse tipo de ferramenta terapêutica", destaca o reitor. O desenvolvimento da tecnologia pretende proporcionar, no SUS, um valor médio do tratamento por paciente de até R$ 100 mil - um custo que, hoje, chega a US$ 400 mil aos cofres da saúde pública.
Parcerias futuras
Rodrigo Calado aposta que a vinda a Paris pode gerar futuros intercâmbio de conhecimento e até novos tratamentos contra o câncer.
"Essa visita é para poder estreitar essa oportunidade, utilizando essa colaboração específica, mas isso provavelmente vai abrir uma oportunidade para outras parcerias e outros intercâmbios de cientistas, médicos, biólogos, estudantes, tanto do Brasil para França quanto da França para o Brasil, e desenvolver outros tratamentos, outras terapias celulares e para outros tipos de cânceres", afirma o pesquisador.