Transmissão da fé para as novas gerações é um dos desafios da Igreja, diz Dom Jaime Spengler ao ser nomeado cardeal
O Papa Francisco nomeou, neste sábado (7), 21 novos cardeais. Entre eles, está o brasileiro Dom Jaime Spengler. O franciscano de 64 anos, recebeu o barrete vermelho na cerimônia na Basílica de São Pedro, durante o Consistório Ordinário Público. O arcebispo de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, nasceu em Gaspar, no estado de Santa Catarina. Ordenado padre em 1990, o prelado se junta ao grupo de sete brasileiros que compõe o Colégio Cardinalício. Atualmente Spengler é também presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho (Celam).
Gina Marques, de Roma,
Na cerimônia do Consistório, o Papa Francisco disse aos novos cardeais que a missão deles é a construção da unidade e que não cedam à "competição corrosiva", nem se deslumbrem com prestígio, poder e aparência.
O vice-presidente do Brasil, Geraldo Alckmin, veio a Roma para acompanhar a solenidade. Além de um breve encontro com o pontífice, o político (PSB) se reuniu com o novo cardeal brasileiro.
Antes da cerimônia no Vaticano presidida pelo Papa Francisco, os novos cardeais encontraram os jornalistas na Sala de Imprensa da Santa Sé, ocasião para Dom Jaime Spengler comentar a importância de sua nova designação.
"Eu diria que a importância talvez seja uma espécie de reconhecimento pelo trabalho que estamos tentando desenvolver ao nível continental. Por outro lado, a importância aponta para o chamado a uma cooperação ainda mais intensa na promoção daquilo que é a missão da própria Igreja no contexto universal, ou seja, de promover a comunhão entre os povos, de anunciar o evangelho onde ela se faz presente."
Segundo o cardeal, atualmente um dos maiores desafios da Igreja talvez seja a transmissão da fé com uma linguagem adequada às novas gerações. "Talvez a linguagem que hoje nós usamos encontre dificuldade na sua receptividade, sobretudo pelos adolescentes e jovens. Esse é um aspecto. O segundo aspecto, que eu creio nos desafie, é tornar conhecida aquilo que é a doutrina social da Igreja nos diversos ambientes. Não só intra, mas também extra eclesiais. A Igreja possui um tesouro que pode ir ao encontro de tantos desafios que a sociedade globalizada hoje deve afrontar." afirmou.
A Igreja vive uma crise de vocações e o problema não é de hoje. Cada vez menos jovens seguem o chamado sacerdotal. Dom Spengler admite que o declínio vocacional, vivenciado intensamente na Europa, começa também a se sentir no contexto brasileiro e latino-americano.
"Como fazer frente a isto? Eu gosto sempre de recordar uma expressão de São Paulo VI, que está num texto dos anos 70 chamado Evangelii Nuntiandi, onde ele dizia que o ser humano hoje ouve com muito mais atenção as testemunhas que os mestres. Eu creio que para fazer frente, por exemplo, aos desafios vocacionais hoje, a grande exigência é (ter) testemunhas críveis." frisou.
Guerras pelo mundo
Atualmente muitas guerras assolam o mundo. O Papa Francisco incansavelmente faz diversos apelos pela paz. O cardeal ressaltou que aqueles que mais sofrem com os conflitos armados são os pobres.
"Atualmente, se não me falha a memória, nós temos 59 conflitos armados acontecendo mundo afora. Para nós cristãos e católicos não podemos esquecer algo que é fundamental: Cristo é a nossa paz. A referência ao foco não pode deixar de ser o Cristo. Portanto, resgatar ou promover um olhar focado para Ele, que de alguma forma é uma referência para nossa cultura, não só ocidental, se torna decisivo para fazer frente as realidades conflitivas que tantos sofrem as consequências. Quem mais sofre com as guerras, com os conflitos, são os pobres. A Igreja estará sempre ao lado dos pobres." destacou.
Durante a entrevista à RFI, o arcebispo de Porto Alegre, emocionado, enviou uma mensagem de solidariedade à população do Rio Grande do Sul que este ano sofreu com a devastação provocada por enchentes. A catástrofe deixou 183 mortos e 27 desaparecidos. Na época, o Vaticano doou quase meio milhão de reais ao estado.
"Não percamos a esperança e continuemos alimentando entre nós aquilo que a tragédia fez vir à tona de uma forma toda especial, não só no Rio Grande do Sul, mas em todo o Brasil e além das fronteiras também, a solidariedade. Foi talvez a maior onda de solidariedade que tivemos na história do nosso Brasil. Isso diz que o nosso povo é bom, que existe gente boa demais. Esta bondade, esse jeito de ser solidário, precisa não só ser reconhecido, mas promovido. Que Deus nos conceda graça de continuar alimentando entre nós a solidariedade." salientou.
Os desafios climáticos estiveram no centro das preocupações do Papa Francisco ao escrever a encíclica Laudado Si' que aborda, entre outros temas, a questão ambiental. O Sumo Pontífice também mostrou seu comprometimento com o meio ambiente ao promover o Sínodo da Amazônia no Vaticano.
"A casa comum pede de socorro. No fundo, o Sínodo da Amazônia como também a encíclica Laudato Si' e a Exortação Apostólica Laudate Deum de alguma forma nos recordam a necessidade, a urgência, por assim dizer, de cuidado em relação à casa comum." disse o cardeal.
Do Jaime Spengler também lembrou que o Papa Francisco escreveu outro documento recentemente que alerta para a necessidade de maior solidariedade no mundo.
"Nesta outra encíclica, que não tem feito muita notícia, a Dilexit Nos, o Papa trata da questão do coração. Quando nós perdemos talvez a dimensão do coração, da sensibilidade humana, as tragédias se fazem presentes. Certamente a casa comum sofre, como vimos no Rio Grande do Sul, no centro-oeste do Brasil, estamos assistindo agora na Amazônia, além da Ásia. Essa semana tivemos situações muito delicadas em outros contextos. A partir da sensibilidade humana, precisamos nos abrir para o cuidado em relação a esse tesouro, do qual depende não só a nossa sobrevivência, mas a sobrevivência de todo o planeta que é a casa comum." ressaltou.
Cardeais eleitores
O Consistório de sábado foi o décimo do Papa Francisco. Dos 21 novos cardeais, apenas um não poderá votar para eleger o próximo pontífice em um eventual conclave, o ex-núncio Angelo Acerbi, que tem 99 anos. Só os cardeais que não ultrapassem os 80 anos de idade são eleitores em conclaves.
Atualmente são 140 os cardeias que têm direito de voto, o número mais elevado registrado desde que Paulo VI estabeleceu em 120 o número máximo de purpurados com menos de 80 anos, embora em 2025 catorze prelados completarão esta idade.
Há onze novos cardeais europeus, dos quais cinco italianos; seis do continente americano, dos quais cinco sul-americanos, três asiáticos e um africano. Atualmente o Colégio Cardinalício é composto por 253 membros, dos quais 140 eleitores e 113 não eleitores.
O papa anunciou a nomeação de novos cardeais em 6 de outubro, mas um dos nomeados recusou o cardinalato, fato raro entre os religiosos. Trata-se do franciscano Paskalis Bruno Syukur, bispo de Bogor, na Indonésia. Segundo a Sala de Imprensa da Santa Sé, a recusa dele foi para continuar seu crescimento "no serviço à Igreja e ao povo de Deus".
No entanto, segundo o jornal italiano, La Repubblica, na diocese de bispo Syukur há denúncias de casos de abuso sexual contra menores. O jornal levantou a hipótese que talvez teria sido este o motivo da recusa ao barrete vermelho.
Após a decisão do bispo indonésio, o papa incluiu o arcebispo de Nápoles, dom Domenico Battaglia, na lista dos novos cardeais.
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