Hospitalização de Lula aponta indícios para esquerda evitar atropelos em 2026
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresenta boa recuperação após duas intervenções cirúrgicas para retirar e, depois, evitar novos sangramentos intracranianos. Os médicos que acompanham a evolução do estado de saúde do presidente, em São Paulo, dizem que ele terá alta nos próximos dias. Lula já teve o dreno da cabeça retirado e despacha do leito do hospital. A saúde de Lula acelerou os cenários para as eleições de 2026.
Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília
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A internação às pressas do chefe do Executivo brasileiro gerou reações no mercado e no meio político. O mercado, com tudo o que se abriga nessa alcunha, em especial os que vivem da dívida pública alheia, não escondeu de que lado está no jogo da polarização e mostrou claro descontentamento com os rumos da política econômica. Enquanto Lula passava por procedimentos para conter um sangramento intracraniano, o dólar caía e a bolsa de valores subia. Essa postura é reveladora não só de um materialismo fúnebre, mas também de uma simplicidade analítica, comentou o economista Murilo Viana, especialista em contas públicas:
"É uma questão bastante complicada do ponto de vista humanitário. O Lula é tido como maior do que a esquerda e o principal político para chegar competitivo na eleição de 2026", afirma Viana. Ele nota que parte do mercado tem um componente ideológico muito forte diante de um governo considerado de esquerda.
"Do ponto de vista do mercado, a expectativa é de que um adversário deste governo vá ter uma posição fiscal mais consistente", explica o economista. "Mas isso é um risco, isso é um chute. Tendo em vista que a manutenção do governo anterior, por exemplo, em que existiu a discussão de aspectos institucionais do Brasil, caso se levasse a cabo, levaria não só a problemas sociais graves, mas a problemas econômicos com instabilidade macroeconômica bastante significativa", destaca Viana.
Na avaliação do economista, o governo ainda deveria promover alguns acertos nas contas públicas. "O pacote de corte de despesas foi interpretado como um pacote fraco, com a equipe econômica tendo perdido a queda de braço para a política do governo, que não vê a necessidade de fazer um ajuste fiscal. Então, por isso, veio ali um pacote fiscal tímido. Só que a evolução do endividamento mostra a necessidade de o governo atuar para diminuir a déficit primário e facilitar também a gestão da política monetária pelo Banco Central", afirmou Viana.
Esquerda carece de sucessor
A internação às pressas de Lula para conter um sangramento tardio na cabeça, fruto de um acidente doméstico ocorrido em outubro, fez subir não só a bolsa, mas também calafrios no PT, com a pergunta que há tempos reverbera no subconsciente da sigla, que é o que virá depois de Lula.
O cientista político Luis Felipe Miguel avalia que a régua jurídica que limou da disputa eleitoral nomes da esquerda acusados de corrupção foi bem mais branda com políticos da direita. Além disso, ele considera que a esquerda patina sem mostrar a que veio.
"Hoje, falta à esquerda brasileira um projeto claro. O que o governo Lula fez no passado e tenta fazer de volta agora é encontrar algumas brechas, dentro de um projeto que ainda é eminentemente neoliberal, para oferecer concessões aos mais pobres", aponta Miguel. Com isso, torna-se difícil um político de esquerda ganhar destaque.
Na opinião do cientista político, o presidente Lula consegue trabalhar com essa ambiguidade devido à sua trajetória e popularidade. "Ele pode fazer concessões, caminhando para a direita sem perder o respaldo da sua base popular porque ele tem essa bagagem e outros políticos, não", recorda. "A verdade é que a esquerda brasileira é muito dependente hoje de um líder político que, embora tenha muita vitalidade, está às vésperas de completar 80 anos de idade", frisou Luis Felipe Miguel.
Todos contra um
Nos bastidores, houve quem se incomodou com a forma como os médicos de Lula disseram repetidamente que ele estava em perfeito estado de saúde. Ao tentar com isso afastar especulações negativas sobre a saúde mental do presidente, o efeito pode ser justamente o contrário, se houver qualquer atraso nas previsões otimistas. Foi o que aconteceu com o segundo procedimento realizado na quinta-feira, que não havia sido mencionado antes, gerando dúvidas. Quanto mais se aproxima o ano eleitoral de 2026, os boatos tendem a aumentar, acredita o cientista político Bhreno Vieira.
"Vai ser muito comum nesses dois anos de mandato a gente observar notícias falsas, disseminação de fake news e coisas do gênero, bem como teorias da conspiração referentes à questão da saúde e até da vida do presidente por conta da idade, apesar dele apresentar bom estado de saúde", afirma Vieira.
O especialista citou os vários memes e postagens falsas que a drenagem de sangue e depois o cateterismo craniano geraram nas redes sociais, já que hoje Lula é o candidato a ser batido nas urnas.
"A figura de Lula meio que atrai toda uma mobilização social. Desde o início do governo do atual presidente, a gente vê a questão de um núcleo duro, fiel, rígido nas pesquisas de avaliação. Esse núcleo orbita entre 48% e 50%", aponta Vieira. O cientista político observa que Lula tem um eleitorado cativo e é uma figura extremamente carismática. "Ele simplesmente consegue adentrar espaços onde nenhum outro político de esquerda conseguiu", ressalta Vieira.