Mesmo temendo perder ajuda financeira internacional, Gana dá sinal verde a lei anti-LGTBQIA+
A Suprema Corte de Gana rejeitou, nesta quarta-feira (18), dois recursos contra uma polêmica lei anti-LGTBQIA+ aprovada pelos deputados no final de fevereiro. O texto, que restringe os direitos da comunidade LGBTQIA+, prevê penas que podem chegar a 10 anos de prisão. Nesse país africano conservador, profundamente religioso e de maioria cristã, as relações entre pessoas do mesmo sexo são proibidas por uma lei da época colonial. A legislação que está sendo debatida promete endurecer ainda mais as regras.
Com informações de Victor Cariou, correspondente da RFI em Acra e agências
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O painel de sete juízes reunidos na Suprema Corte rejeitou por unanimidade os dois recursos apresentados contra o chamado projeto de lei anti-LGBTQIA+. O texto, intitulado "Sexual Rights and Family Values Bill", havia sido aprovado pelo Parlamento de Gana em fevereiro.
A questão das relações entre pessoas do mesmo sexo sempre foi sensível no país africano, que ainda segue leis que, desde a época colonial, criminalizam as relações consensuais entre pessoas do mesmo sexo. Mas a onda homofóbica se intensificou em Gana em 2021, com a inauguração, em 31 de janeiro, da associação LGBT + Rights Ghana, nos arredores da capital Acra. As imagens da cerimônia de lançamento da ONG, embora modestas, foram retransmitidas com indignação nas redes sociais e rapidamente provocaram um clamor nacional e suscitaram a mobilização da National Coalition for Appropriate Sexual Rights and Family Values, um poderoso lobby religioso que reúne cristãos e muçulmanos conservadores.
Logo em seguida, um texto de lei foi apresentado inicialmente ao Parlamento, mas sua votação foi adiada várias vezes, até ser votado no início de 2024. A nova lei prevê penas de prisão de até três anos para pessoas que tiverem relacionamentos homossexuais e de três a cinco anos para aqueles que "intencionalmente promovem, patrocinam ou apoiam atividades LGBTQIA+". Em alguns casos as penas podem chegar a dez anos de cadeia.
O projeto é fortemente criticado no Ocidente. Em fevereiro deste ano, quando o texto foi debatido pelo Parlamento, o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, descreveu a adoção desse projeto de lei como "profundamente perturbadora". Segundo ele, o texto é não apenas contrário à Constituição de Gana, como também fere as obrigações e compromissos regionais e internacionais sobre direitos humanos.
Diante das críticas de boa parte da comunidade internacional, a Suprema Corte, a mais alta instância judicial do país, foi convocada pelo jornalista ganense Richard Dela Sky e pela pesquisadora Amanda Odoi. No entanto, os juízes alegaram que os recursos se referiam a uma legislação que ainda não havia sido promulgada pelo presidente, tornando assim as reclamações legalmente "prematuras". Com isso, o texto segue o seu trâmite habitual e será submetido ao presidente Nana Akufo Addo, que pode aprovar ou vetar a lei.
O chefe de Estado havia declarado, em março, que não iria se pronunciar sobre o texto enquanto ele fosse contestado pela Suprema Corte. Na época, seus opositores o acusaram de fugir de suas responsabilidades, temendo perder as ajudas financeiras vindas do Banco Mundial.
Medo de retaliação financeira
Gana, que está tentando sair de uma de suas piores crises econômicas em décadas e se beneficia de um programa de empréstimo de US$ 3 bilhões do Fundo Monetário Internacional, corre o risco de perder quase US$ 3,8 bilhões em financiamento do Banco Mundial por causa dessa lei. O país teme sofrer o mesmo tipo de retaliação que Uganda, que viu todos os empréstimos que deveria obter da parte do Banco Mundial suspensos em 2023 depois que uma lei considerada homofóbica entrou em vigor no país.
As partes civis que apelaram junto à Suprema Corte informaram que pretendem recorrer novamente. No entanto, segundo um dos advogados que representa a ação, entrevistado pela RFI, o pedido tem poucas chances de sucesso em razão da unanimidade do voto do painel de sete juízes.
O presidente Nana Akufo Addo deixará oficialmente o cargo em 7 de janeiro após dois mandatos e a lei anti-LGBTQIA+ pode se tornar uma de suas últimas medidas como chefe de Estado.
Vários países africanos aboliram a criminalização de relações entre pessoas do mesmo sexo. Moçambique mudou sua legislação em 2015, Botsuana em 2019, Angola em 2021, Gabão e Ilhas Maurício em 2022. Mas as relações homossexuais ainda são proibidas em cerca de sessenta países em todo o mundo, incluindo cerca de trinta países africanos, de acordo com a Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais.