"Obrigado Gisèle Pélicot", diz Macron após fim do julgamento de francesa dopada e estuprada pelo marido
O presidente francês, Emmanuel Macron, agradeceu Gisèle Pélicot nesta sexta-feira (20) pela sua "coragem" e disse que ela é "uma pioneira para as mulheres". Nesta quinta-feira (19), o ex-marido da francesa, Dominique Pélicot, foi condenado a 20 anos de prisão, a pena máxima na França, por estupro qualificado. Ele dava ansiolíticos para a esposa e convidava desconhecidos na internet para participar dos atos sexuais.
"Obrigado Gisèle Pélicot. Por ter enfrentado essa provação com a cabeça erguida, em nome da Justiça", disse Macron na rede X. "Sua dignidade e coragem comoveram e inspiraram a França e o mundo", acrescentou o presidente. Ele também agradeceu a francesa em nome de todas as mulheres, "que terão para sempre uma "guerreira" para falar e lutar em nome delas".
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Nesta quinta-feira (19), a classe política francesa elogiou a "coragem" de Gisèle Pélicot, após o veredicto do tribunal penal de Avignon, no sudeste da França. O julgamento começou em 2 de setembro e teve repercussão global.
A francesa de 72 anos tornou-se ícone feminista após recusar que o julgamento ocorresse a portas fechadas. Além de seu ex-marido, Dominique Pélicot, o tribunal considerou todos os seus 50 co-réus culpados.
Dominique e Gisèle Pélicot foram casados durante 50 anos. Réu confesso, ele admitiu ter dopado sua esposa com ansiolíticos por uma década, a transformando em um objeto sexual e a oferecendo a dezenas de homens recrutados na internet, entre 2011 e 2020.
Gisèle renunciou ao direito de anonimato e exigiu uma autorização de acesso do público ao julgamento, para aumentar a conscientização sobre a submissão química - o uso de drogas para cometer agressões sexuais.
Para a francesa, seus agressores, e não ela, é que deveriam sentir vergonha. Gisèle recebeu várias manifestações de apoio na França, inclusive em frente ao tribunal, onde várias pessoas a aplaudiam e ofereciam flores na sua chegada às audiências.
Gisèle Pélicot tirou os óculos escuros, que a acompanharam desde o primeiro dia de julgamento nesta quinta-feira, após a Justiça condenar os 51 acusados a penas entre 3 anos, dois com direito a sursis, e 20 anos de prisão.
"Boneca de pano"
Em agosto, Gisèle se divorciou de seu marido e algoz, Dominique Pélicot. O homem de 72 anos admitiu as agressões sexuais, que documentou meticulosamente durante anos com fotos e vídeos.
Ela se mudou de Mazan, a cidade no sul da França onde a maioria dos estupros ocorreu e onde foi tratada como uma "boneca de pano" em sua casa, em suas próprias palavras.
A francesa agora usa seu sobrenome de solteira, mas durante o julgamento pediu à imprensa que utilizasse o sobrenome de casada, que passou a alguns de seus sete netos.
Durante o julgamento, Gisèle Pélicot pediu que a sociedade "machista e patriarcal" mudasse sua atitude em relação ao estupro e falou sobre sua indignação por nenhum de seus agressores ter alertado a polícia. Alguns a estupraram até seis vezes.
Alguns réus se defenderam alegando que acreditavam participar de uma fantasia de um casal libertino, já que tinham o consentimento do marido - um exemplo de sua "covardia", na opinião da vítima. Outros admitiram os estupros, mas até 20 suspeitos seguem em liberdade porque os investigadores não conseguiram identificá-los antes do julgamento.
Covardia
Gisèle, filha de um militar, nasceu em Villingen, no sudoeste da Alemanha, em 7 de dezembro de 1952, e se mudou para a França com cinco anos. Quando tinha nove, sua mãe morreu de câncer aos 35 anos.
Seu irmão, Michel, faleceu vítima de um ataque cardíaco em 1971, aos 43 anos, quando ela ainda não havia completado 20. No mesmo ano, conheceu Dominique Pélicot, seu futuro marido e agressor sexual.
Seu sonho era ser cabeleireira, mas pós alguns anos de trabalhos temporários, Gisèle passou sua carreira na EDF, a empresa francesa de energia, onde terminou como encarregada de um departamento de logística para centrais nucleares.
Em casa, cuidou de seus três filhos e dos sete netos. Quando se aposentou, gostava de caminhar e cantar em um coral local. Apenas quando a polícia flagrou seu ex-marido filmando por baixo das saias de uma mulher em um shopping, em 2020, ela descobriu o motivo de seus lapsos de memória frequentes.
Defesas ainda analisam recurso
As defesas dos réus ainda analisam a possibilidade de entrarem com recurso contra as sentenças no caso Pélicot.
Em alguns casos, a Justiça pronunciou penas inferiores às requisitadas pelo Ministério Público, o que causou indignação entre os franceses, mas alívio para os autores dos crimes.
"É preciso considerar se há vantagem em recorrer", declarou ao jornal Le Figaro o advogado Bres, que defende Cédric G, condenado a 12 anos de prisão, em vez dos 16 pedidos pela acusação.
"Para os que tiveram penas aceitáveis, é melhor evitar o recurso. Ele não será julgado na Corte Criminal e a midiatização do processo poderá ter consequências se eles forem a júri popular", explica.
Para o jornal The New York Times, Gisèle se tornou uma "heroína feminista", e "o novo ícone da França", segundo o alemão Die Zeit.
Apesar das condenações entre 3 e 20 anos de reclusão, anunciadas aos seus agressores, em alguns casos inferiores ao esperado, Gisèle Pélicot disse que respeitará a decisão da Justiça.
O jornal francês Libération destaca que a publicidade dada ao caso, julgado a portas abertas, que transformou o processo em um "momento histórico". "Ninguém poderá mais banalizar o estupro", diz o texto, citando a frase em que a vítima diz "não se arrepender dessa escolha", apesar da dificuldade de enfrentar o olhar de seus agressores diante do público.
Em seu editorial, o jornal afirma que este caso mostra "que a Justiça pode evoluir no bom caminho", ainda que 94% das denúncias de estupro sejam arquivadas no país. Porém, a individualização das penas é vista como positiva, uma vez que "reflete a base do direito penal e a prudência que poderá desencorajar novos recursos".
(Com informações da AFP)