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Após mais de 20 meses de guerra, Sudão vive 'a pior crise humanitária do mundo'

Robaika Peter, 25, segura seu filho gravemente desnutrido na ala pediátrica do Hospital Mãe da Misericórdia em Gidel, Kordofan do Sul, Sudão, 25 de junho de 2024 Imagem: Thomas Mukoya/Reuters

RFI

03/01/2025 16h28

Os apelos para o fim dos combates no Sudão se multiplicam neste início de 2025. Chefes de Estado, ONU, ONGs: todos estão pedindo às duas partes - o general al-Burhan chefe do exército regular, e o general Hamdan Dogolo, chefe dos paramilitares, conhecido como Hemedti, que baixem as armas e dialoguem. O país está entrando em seu 21º mês de guerra e, de acordo com a ONU, vive a pior crise humanitária do mundo.

Por ocasião do 69º aniversário da independência do Sudão, em 1º de janeiro de 2025, o general Abdel Fattah al-Burhan, chefe do exército e presidente do Conselho Soberano, mais uma vez descartou qualquer coabitação com seu rival, o general Hemedti, chefe das Forças de Apoio Rápido (RSF) paramilitares. "Não podemos aceitar a presença desses matadores, desses criminosos, e seus apoiadores entres nós", declarou al-Burhan em discurso na televisão, em uma declaração que dá o tom das relações entre os dois lados, após mais de 20 meses de batalha.

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A guerra civil eclodiu em 15 de abril de 2023 entre o exército liderado por al-Burhane e as Forças de Apoio Rápido (FSR) de dirigidas pelo general Hemedti, que já disputavam o poder desde o golpe de outubro de 2021. Desde então, o país segue dividido. De um lado, o FSR controla todo o oeste do território e várias províncias do Darfur, e os estados ao sul. Já o exército oficial controla o leste do país, os estados de Nilo Branco e Nilo Azul, Sennar, Gedaref e Kassala.

Famílias buscam abrigo em Omar ibn al-Khattab durante maior deslocamento em massa da história, causado pela guerra civil no Sudão Imagem: REUTERS/ 10.jul.2024Faiz Abubakr

Atualmente, a maior parte dos combates está concentrada em três áreas. Na capital, Cartum, que ainda está dividida em duas, mas onde o exército recuperou terreno nos últimos meses, bem como no enorme distrito de Bahri, ao norte do centro da cidade. Também houve combates ao sul da capital, nos estados de Sennar e al-Jazirah, essenciais para a produção de grãos do país, e onde a FSR é acusada de destruir dezenas de vilarejos nos últimos meses. E, finalmente, el-Fasher, a capital de Darfur do Norte, na fronteira com o Chade. Última grande cidade de Darfur ainda nas mãos do exército, el-Fasher está sitiada por paramilitares há 8 meses e provavelmente está enfrentando os combates mais ferozes dessa guerra. Foi nessa região que a ONU declarou oficialmente a fome generalizada há alguns meses.

As Nações Unidas descreveram a situação no Sudão como sendo a pior crise humanitária do mundo. No final de dezembro, a agência de refugiados da ONU (Acnur) contabilizou mais de 8,7 milhões de sudaneses deslocados no país. A esse número somam-se 3,2 milhões de refugiados que deixaram o país e estão em nações vizinhas: 1,2 milhão no Egito, 900 mil no Sudão do Sul, 720 mil no Chade, além da Líbia, Uganda, Etiópia e República Centro-Africana.

Esses movimentos populacionais em massa foram agravados pela falta de alimentos. Oficialmente declarada há poucos meses no campo de refugiados de Zamzam, no norte de Darfur, a fome já se espalhou por mais cinco regiões: três campos de refugiados do norte de Darfur, a região das montanhas Nuba e o sul do país. Uma situação que ameaça mais de 630.000 pessoas, de acordo com um relatório do IPC, um sistema de classificação de segurança alimentar usado pela ONU.

De acordo com a Unicef, mais de 13 milhões de crianças precisas de ajuda humanitária.

Ajuda humanitária não consegue chegar

Em 15 de abril de 2024, apenas um ano após o início da guerra, a França organizou uma conferência de países doadores em Paris que arrecadou ? 2 bilhões para o Sudão (mais de R$ 11 bilhões na cotação atual). No entanto, essa ajuda chega lentamente. Além disso, alguns lembram que o financiamento não é suficiente, já que está bem aquém dos ? 3,8 bilhões solicitados pelas Nações Unidas.

Refugiados sudaneses cruzam a fronteira entre o Sudão e o Chade para fugir do conflito entre Exército e paramilitares Imagem: GUEIPEUR DENIS SASSOU/AFP

Mas, independentemente do montante, para que a ajuda chegue, é preciso que haja um cessar-fogo, que as fronteiras estejam abertas e que as doações possam ser transportadas, apontam os agentes humanitários. Para chegar ao campo de refugiados de Zamzam, no norte de Darfur, por exemplo, os caminhões precisam partir de Adré, na fronteira com o Chade, atravessando áreas controladas pelas facções em guerra.

"Partimos de Adré e vamos para el-Geneina, Zalindi, Fangasuk, Tawila, antes de chegar a Zamzam. São centenas de quilômetros, dezenas de pontos de controle e, a cada vez, temos que negociar e proteger a passagem. Todos os caminhões têm de ficar juntos. Portanto, se um deles quebrar, todos têm que esperar", explicou Faith Kasina, porta-voz do Acnur no Sudão. Esses caminhões podem levar até duas ou três semanas para percorrer os cerca de 700 quilômetros necessários para chegar ao campo de Zamzam.

Diante da escalada da crise no Sudão, os apelos para o fim dos combates estão se multiplicando no início de 2025. "Não pode haver solução militar para esse conflito", reiterou esta semana Ramtane Lamamra, enviado especial da ONU para o Sudão.

Uma história marcada por guerras

Após sua independência em 1956, o Sudão passou por longas guerras civis (de 1955 a 1972 e depois de 1983 a 2005), culminando com a secessão do Sudão do Sul em 2011. Esses conflitos foram causados e alimentados por fatores étnicos e religiosos (o norte é dominado por um governo árabe e islâmico, enquanto a população do sul é predominantemente negra e cristã), além de tensões sobre o acesso a recursos naturais, como petróleo, ouro e terras férteis.

Uma família sudanesa que fugiu do conflito em Murnei, na região sudanesa de Darfur, senta-se ao lado de seus pertences enquanto espera ser registrada pelo ACNUR ao cruzar a fronteira entre o Sudão e o Chade em Adre, Chade, 26 de julho de 2023. Imagem: REUTERS/Zohra Bensemra

Do ponto de vista político, o país viveu trinta anos sob o governo repressivo de Omar el-Bechir, que chegou a ser acusado pelo Tribunal Penal Internacional e crimes de guerra e genocídio. O chefe de Estado foi derrubado em 2018 após uma revolta popular. No entanto, os militares continuaram controlando paralelamente o país, apesar de um governo interino ter sido implementado. Até que, em 2021, um golpe derrubou o Abdallah Hamdok, o presidente interino, mergulhando novamente o país na instabilidade, em um processo que culminou com o início da guerra em 2023, encabeçada por al-Burhan e Hemedti. Desde então, os dois generais se enfrentam para controlar o país.

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