Franceses defensores da democracia exigem resposta da UE contra ingerência política de Elon Musk

As campanhas de influência lançadas pelo bilionário americano Elon Musk no X, que promovem suas visões ultraconservadoras e políticas de extrema direita na Europa, provocam reações na imprensa e mobilizam os defensores da democracia na França.

No começo do mês, a série de tuítes difamatórios que Musk dirigiu ao primeiro-ministro britânico Keir Starmer, acusando o trabalhista de ser "cúmplice de estupros em massa" num contexto falacioso, já tinha causado indignação entre internautas, políticos e jornalistas.

Esta semana, as críticas ao bilionário aumentaram com a live de duas horas que ele fez nesta quinta-feira (9) no X com a líder do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD), Alice Weidel, candidata ao governo alemão nas eleições legislativas de fevereiro.

Entre outras declarações falsas, Weidel disse na conversa com Musk que Adolf Hitler não era de direita, e sim de esquerda, porque a ideologia do nazismo era chamada de "nacional-socialismo" - o que já foi desmentido por historiadores.

Diante dessa ingerência crescente de Musk no debate público europeu, usando o X para propagar fake news, uma deputada francesa apresentou esta semana uma denúncia contra o bilionário e sua rede social no organismo francês de regulamentação das plataformas digitais.

A parlamentar Aurore Lalucq, que é da bancada socialista e democrata no Parlamento Europeu, pediu à Arcom - Autoridade Reguladora da Comunicação Audiovisual e das Plataformas Digitais na França - para investigar uma suposta manipulação nos algoritmos do X.

Usuária do Twitter há vários anos e depois do X, ela diz que passou a ver, recentemente, muitos tuítes de Elon Musk em sua timeline, sem que ela tenha pedido para seguir o bilionário, o que sugere uma mudança no direcionamento das mensagens e nas regras de funcionamento declaradas aos reguladores. A França tem legislação própria e autonomia judicial para investigar esse tipo de denúncia.

A eurodeputada ainda pediu à Comissão Europeia, que dispõe da lei de Mercados Digitais e da lei de Serviços Digitais, para agir e, se necessário, bloquear o X por "abusos recorrentes". Para um número significativo de franceses ouvidos sobre o comportamento de Musk nos últimos dias, está na hora de salvar as democracias europeias do projeto ideológico ultradireitista de interesse tecnológico e industrial das plataformas americanas.

Regulamentação europeia 

O modelo europeu de regulamentação das redes sociais inspirou legislações semelhantes em vários países, entre eles o Brasil. O bloco já aplicou multas bilionárias contra as empresas de tecnologia americanas e asiáticas. Mas com o retorno de Donald Trump ao governo dos Estados Unidos, a Comissão Europeia está hesitante, com medo de represálias, demonstrando um posicionamento de fraqueza criticado na França.

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Na quinta-feira (9), a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, publicou um comunicado favorável aos americanos, sem mencionar solidariedade à Dinamarca pelos ataques de Trump à Groenlândia. Von der Leyen e o presidente do Conselho de Líderes Europeus, António Costa, disseram apenas que têm interesse em reforçar as relações com Washington. Essa atitude foi considerada "omissa" e "vergonhosa" por várias personalidades.

Um advogado francês especialista na área digital, Etienne Papin, listou cada uma das ofensas de Musk ao primeiro-ministro britânico e ao chanceler alemão, à luz das legislações nacionais dos dois países e da Lei de Serviços Digitais do bloco. Mesmo se o Reino Unido não faz mais parte da União Europeia, o advogado mostrou que as declarações de Musk podem ser enquadradas como crimes e delitos sujeitos a sanções.

O advogado descreve a situação nos seguintes termos: é "uma guerra de civilização entre magnatas da tecnologia dos EUA, de cultura duvidosa, contra uma Europa que se construiu sobre as bases do humanismo, do iluminismo e da busca da verdade". Não há razão, na opinião desse especialista, de os europeus se envergonharem desses valores.

Prêmio Nobel de Física pede resposta rápida

Outra personalidade, o francês Alain Aspect, prêmio Nobel de Física de 2022, também foi à mídia criticar o "imobilismo" da Comissão Europeia, que, segundo ele, "não pode se acanhar diante dessa ofensiva dos americanos". Diante da desinformação e das teorias da conspiração, o Nobel de Física insistiu que "só a ciência permite às pessoas tomar consciência dos problemas" e resolvê-los.

Destruir a reputação da imprensa tem sido uma estratégia recorrente da extrema direita. Desde que Mark Zuckerberg, dono da Meta, decidiu seguir os passos de Musk, nesta semana, e acabar com o sistema de checagem de fatos no Facebook e no Instagram, por enquanto nos Estados Unidos, os jornais franceses têm publicado editoriais para defender que a União Europeia não se curve à "ofensiva ideológica" proveniente dos Estados Unidos.

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Le Monde aponta "erro" e pede firmeza à UE

O Le Monde escreve em seu editorial, nesta sexta-feira (10), que a Comissão Europeia está errada em vacilar nessa hora, em ter medo de Trump. Segundo o Le Monde, "é preciso distinguir entre a relação com o futuro presidente da potência que garante a segurança dos seus aliados europeus e a resposta a dar aos CEO das redes sociais, por mais próximos que estejam de Trump".

Fato raro nos tempos atuais, o Le Monde dá razão ao presidente Emmanuel Macron, que logo assinalou que a ofensiva de Musk era política, e insiste numa resposta firme e rápida da União Europeia, com os instrumentos que a regulamentação de serviços digitais do bloco prevê contra fake news e ingerência eleitoral externa.

Meloni manifesta apoio a Musk

A única dirigente que defendeu abertamente Musk até agora foi a premiê de extrema direita da Itália, Giorgia Meloni. Ela chamou Musk de "gênio". No entanto, o apoio de líderes de países onde a extrema direita se fortaleceu, como Itália, Hungria, Eslováquia, Holanda, Finlândia, Suécia, já eram esperados.

Na Áustria, país em que o partido de extrema direita local chegou à frente em eleições legislativas recentes e começou a negociar a formação de um governo, 50 mil pessoas participaram de protestos nas ruas de Viena na noite de quinta-feira para exigir que a extrema direita seja excluída de uma coalizão governamental. Apesar do fenômeno do neofascismo ter se instalado no cenário político europeu, essa ideologia reacionária também enfrenta forte resistência popular.

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O jornal Ouest France chegou a fazer piada machista sobre a fascinação da italiana Giorgia Meloni por Elon Musk, dizendo que, agora, o bilionário tinha outra paixão, a alemã Alice Weidel, da AfD.

Uma investigação aberta em dezembro de 2023 pela Comissão Europeia emitiu conclusões preliminares de que a rede X de Musk violou a de lei Serviços Digitais em diferentes aspectos, como técnicas supostamente enganosas para manipular o comportamento do usuário, transparência publicitária e acesso a dados para pesquisadores. Mas as conclusões definitivas não foram publicadas, nem houve anúncio de multas pelas infrações.

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