Para diplomata, decisão da Venezuela de limitar embaixadas europeias lembra os tempos stalinistas

Milos Alcalay, ex-embaixador venezuelano, considera que a decisão do regime de Nicolás Maduro de proibir três diplomatas de representar a França, a Holanda e a Itália é uma "espécie de inépcia" e "quem mais vai sofrer são os venezuelanos". O regime de Nicolás Maduro decidiu que os três países europeus poderão ter apenas três diplomatas em suas embaixadas na Venezuela, considerando que esses países tiveram "comportamento hostil" ao questionarem a reeleição do presidente.

O ministro venezuelano Yván Gil determinou que "os diplomatas devem ter autorização por escrito do nosso Ministério das Relações Exteriores para se deslocar a mais de 40 quilômetros da Praça Bolívar", no centro de Caracas, anunciou.

Na quarta-feira (15), a União Europeia lamentou "profundamente" a decisão da Venezuela e pediu para o país revogar a ordem.

Opositor de Maduro, Milos Alcalay, atuou como embaixador da Venezuela na Romênia, Israel e Brasil, como vice-ministro no Ministério das Relações Exteriores e como representante permanente da Venezuela nas Nações Unidas. Ele critica duramente a decisão de Maduro.

"Estabelecer o descontentamento limitando as ações de países tão importantes como a França, a Itália ou a Holanda continua com a mesma dialética de confrontação que isola a Venezuela, impondo condições muito semelhantes às da era stalinista, onde limitavam as saídas dos diplomatas a tantos quilômetros fora Moscou. Mas o efeito é absolutamente negativo para todos", avalia. "É claro que haverá uma reciprocidade, e quem mais sofrerá serão os venezuelanos, dos quais há 8.000.000 no exterior que terão dificuldades", alerta Alcalay, em entrevista ao serviço em espanhol da RFI.

O diplomata salienta que esses países europeus poderão alegar violações do Acordo de Viena sobre Relações Diplomáticas. "Você pode ter diferenças, mas o que você não pode impor, o que a Venezuela não pode impor, é como a França, a Itália ou a Holanda devem definir suas posições internacionais", disse ele.

França, Itália e Holanda reagem 

Nesta quinta, a França declarou que tomará "todas as medidas recíprocas que considerar necessárias" após as restrições anunciadas pela Venezuela. "A França mantém-se em estreita coordenação com os seus parceiros europeus também visados ??por esta decisão", indicou o Ministério das Relações Exteriores do país, especificando que a encarregada de negócios venezuelana em Paris foi convocado para esclarecimentos.

A Itália reagiu na quarta-feira, anunciando também a convocação do encarregado de negócios da Venezuela em Roma para protestar contra as restrições. E a Holanda ordenou que a Venezuela reduzisse o número de diplomatas credenciados em Haia de quatro para dois, em retaliação à decisão de Caracas.

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Segundo Alcalay, a medida implementada pelo governo Maduro terá consequências além daquelas previstas pelo regime. "Hoje estamos num mundo interdependente, em que a questão de romper relações ou dificultar relações é negar que também há alguns grupos políticos nesses países que se sentem identificados com Maduro, grupos que são de fato minoritários, mas que estão lá. Nesse isolamento, eles também ficarão isolados de potenciais aliados de Maduro", salienta o ex-embaixador.

"Esse é um tipo de trapalhada que não leva em conta a necessidade. Hoje em dia, vemos países que estão em desacordo entre si e, ainda assim, não limitam a atividade diplomática porque é a maneira de buscar soluções pacíficas. O isolamento prejudicará a Venezuela, não apenas do ponto de vista diplomático e político, mas também do ponto de vista econômico e social", diz.

Diplomacia holandesa em Curaçao

Alcalay lembra ainda que a medida complicará a situação da Holanda, que exerce a sua representação diplomática em Curaçao - uma das poucas rotas de fuga ou de transporte hoje, já que as linhas que a Europa tinha foram fechadas. "Com essa decisão, a rota de Curaçao, que ajudou ambos os lados a deixar o país, será muito importante. É outra forma de se isolar e demonstrar o verdadeiro caráter de um regime que quer impor suas incondicionalidades aos outros. E nenhum país do mundo aceitará isso: que a Casa Amarela (Chancelaria) venezuelana dite o que deve ser a diplomacia da França, Itália ou Holanda", reiterou.

O presidente socialista Nicolás Maduro, 62 anos, foi declarado vencedor das eleições presidenciais de julho com 52% dos votos. O Conselho Nacional Eleitoral (CNE), no entanto, não publicou as atas das seções eleitorais, como exige a lei, alegando ser vítima de invasão de computadores.

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Os Estados Unidos, a União Europeia, o G7 e vários países democráticos vizinhos da Venezuela se recusaram a reconhecer a reeleição de Maduro. França, Itália e Holanda haviam condenado duramente o regime de Maduro na semana passada.

Maduro foi empossado para um terceiro mandato na sexta-feira (10), enquanto a oposição continua a reivindicar vitória na eleição.

Noruega investiga ataque a embaixada

O Serviço de Segurança Interna Norueguês (PST) anunciou a abertura de uma investigação nesta quinta-feira (16), um dia após a invasão, roubo e atos de vandalismo na embaixada venezuelana em Oslo. O ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Yvan Gil Pinto, postou uma foto em sua conta do Instagram de um escritório bagunçado com papéis no chão, que ele disse ser uma das salas da embaixada venezuelana na Noruega.

"Nossa sede diplomática em Oslo, Noruega, foi invadida e vandalizada por elementos fascistas que mostraram claramente a quem servem os interesses", escreveu ele. "O país e o mundo inteiro veem quem são esses fascistas loucos, capazes de atacar os interesses do povo venezuelano", acrescentou, pedindo às autoridades norueguesas que encontrem "os responsáveis ??por esses ataques".

A diretora do PST, Line Nyvoll Nygaard, disse na quinta-feira que seu departamento abriu uma investigação, em conjunto com a polícia de Oslo, sobre violações da legislação norueguesa relativas a ataques à representação de estados estrangeiros. A embaixada venezuelana está localizada em Frogner, um bairro nobre no oeste de Oslo, onde muitas missões diplomáticas estão localizadas.

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Com AFP

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