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Qual o lugar das mulheres na Síria após a queda de Bashar al-Assad?

Monte Qasioun, em Damasco, na Síria - Yamam Al Shaar - 18.jan.2025/Reuters Monte Qasioun, em Damasco, na Síria - Yamam Al Shaar - 18.jan.2025/Reuters
Monte Qasioun, em Damasco, na Síria Imagem: Yamam Al Shaar - 18.jan.2025/Reuters

Anne Bernas;

Da RFI, em Damasco

18/01/2025 13h15

Desde a queda do regime de Bashar al-Assad, em 8 de dezembro de 2024, o entusiasmo parece dominar uma sociedade síria marcada por treze anos de guerra e meio século de ditadura. No entanto, cada vez mais pessoas demonstram os seus receios face ao novo poder em vigor, em particular as mulheres.

Elas estiveram na Praça Umayyad, em Damasco, e nas ruas de todas as principais cidades da Síria para celebrar a queda do regime há algumas semanas. Mas as mulheres sírias de todas as idades, aquelas que nunca deixaram o seu país, bem como aquelas que se exilaram mesmo antes da guerra de 2011, estão agora se questionando sobre a proteção dos seus direitos.

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Apenas dez dias depois de Ahmed el-Charaa ter tomado o poder, centenas de moradores da capital se manifestaram pela democracia e pelos direitos das mulheres. A manifestação prevista em Aleppo, dois dias depois, em 21 de dezembro, foi cancelada.

HTS e direitos das mulheres, incompatíveis?

"Tenho medo pelas mulheres, tenho medo pela nossa liberdade, tenho medo de não podermos mais nos vestir como queremos. Queremos liberdade! Tenho medo de que a sociedade esteja se islamizando", diz Jéssica, uma estudante irritada ao lado de duas amigas, uma usando um laço na cabeça e outra com um lenço branco no cabelo. Nas ruas de Damasco ainda há muitas mulheres que não usam véu e que têm um estilo de vida muito distante da religião. Mas a maré está começando a mudar.

"Todos esses niqabs (véus semelhante à burca) na Mesquita dos Omíadas me assustaram... As pessoas ainda vivem na euforia da queda de Assad, mas o despertar virá aos poucos. Devemos falar, não devemos deixar que [o HTS - Hayaat Tahrir al-Sham, grupo que tomou o poder] se instale, caso contrário será um inferno", testemunha Randa Kassis, presidente do Movimento da Sociedade Pluralista, opositora de Bashar al-Assad que estava no exílio e que está de volta à Síria. Ela é hoje vítima de censura e ameaças do novo regime por causa de seus comentários.

"Os membros do HTS, ainda ontem, apelaram ao uso do hijab em Qassaa, na província de Damasco", protesta ela. Isso sem falar nos bloqueios noturnos na capital, em que as mulheres são questionadas sobre a sua presença na rua, e nos cartazes afixados nas paredes que pedem a elas para se cobrirem. Os exemplos se multiplicaram desde 8 de dezembro.

A onipresença dos islamistas do HTS, na sua maioria barbudos e armados, levanta questões sobre o futuro. O HTS nunca foi sinônimo de liberdade, especialmente para as mulheres. No início de janeiro deste ano, dois vídeos de 2015 ressurgiram e criaram alvoroço: vemos o hoje novo Ministro da Justiça ligado à execução sumária de duas mulheres acusadas de prostituição. Num dos vídeos, homens armados exigem que uma mulher acusada de "prostituição" se ajoelhe na rua antes de ser executada, enquanto um homem que parece ser o atual ministro da Justiça filma a cena com o seu telefone. Em outro vídeo, o mesmo homem é visto emitindo uma sentença de morte contra uma mulher por "prostituição", e um soldado ao lado dele atira em sua cabeça. Segundo o diretor do Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH), Rami Abdel Rahmane, as imagens são, de fato, de Chadi al-Waissi, que era então um juiz religioso dentro da Frente al-Nusra (que desde então se tornou o HTS), antes da sua separação da Al-Qaeda.

No dia 8 de janeiro, em Damasco, exatamente um mês após a queda de Assad, realizou-se uma conferência do Movimento Político das Mulheres Sírias num grande hotel da capital. Foi a primeira vez que este movimento, criado em 2017, se reuniu na Síria. Participaram no evento cerca de 300 pessoas, incluindo muitas organizações de mulheres e feministas e grupos da sociedade civil, bem como cerca de 50 membros do Movimento Político das Mulheres Sírias, provenientes de várias regiões da Síria e da diáspora. "Nós nos juntamos para celebrar, antes de mais, a queda do regime. Queremos construir um país que sirva a todos os sírios", diz Maryam Jalabi, membro do movimento e anteriormente exilada. Trata-se de garantir direitos iguais e incluir as mulheres. Acreditamos que se não o fizermos agora, se não estivermos na linha da frente e se não começarmos do início, não seremos capazes de construir um país que sirva todos os sírios".

Islâmicos tentam tranquilizar

O novo poder, por seu lado, tenta moderar a sua falta de jeito e aumenta as suas ações em relação às mulheres. Procura também tranquilizar a comunidade internacional de que os direitos das minorias são respeitados neste país multiétnico e multirreligioso.

No final de dezembro, o HTS nomeou a especialista financeira Maysaa Sabrine, que até então ocupava o cargo de primeira vice do governador do banco central sírio desde 2018, como chefe da instituição. Contudo, até agora, trata-se de uma nomeação provisória, e que surge depois de a responsável do Gabinete para os Assuntos da Mulher ter apelado aos seus concidadãos para "não ultrapassarem as prioridades da sua natureza criada por Deus", especialmente "o seu papel educativo no seio da família". No X, o chefe da diplomacia síria, Assaad al-Chibani, afirmou que as autoridades "estarão ao lado" das mulheres "e apoiarão plenamente os seus direitos". "Acreditamos no papel ativo das mulheres na sociedade e confiamos nas suas capacidades e competências", disse.

"Estamos na Síria e não creio que as mulheres vão deixar isso acontecer", espera, determinada, a jovem estudante Jéssica, toda sorridente, com os cabelos ao vento. "O mundo inteiro baseia-se no fato de que algumas pessoas têm mais direitos do que outras e que existem dois pesos e duas medidas", analisa Maryam Jalabi, para quem a Síria não é, portanto, uma exceção. E a ativista garante, com muito entusiasmo, que as mulheres tudo farão para lutar: "É a própria natureza das coisas. Estamos muito otimistas e acreditamos que este é o momento para nós, sírios. Esperamos que este seja um exemplo para a região e que estejamos na vanguarda da criação de uma verdadeira democracia na qual todos possamos viver. Sabemos que isso levará tempo. Haverá muito trabalho. Haverá muitos desafios pela frente, mas aqui estamos".

"As pessoas são ingênuas"

As novas autoridades sírias planejam criar uma comissão que reflita os diferentes componentes da sociedade, responsável por preparar "uma conferência de diálogo nacional" sobre o futuro da Síria, na qual pretendem participar membros do Movimento Político das Mulheres Sírias. As autoridades de transição afirmam ter inicialmente tentado organizar esta conferência no início de janeiro, mas depois decidiram formar primeiro "uma comissão alargada" que deverá reunir-se numa data não especificada. Esta comissão deve incluir "homens e mulheres" capazes "de representar plenamente o povo sírio" em "todos os segmentos da sociedade e nas províncias sírias".

Mas será que os mais radicais do HTS ouvirão a voz do seu líder que está tentando reconstruir a sua reputação? "Se acreditamos que Ahmed el-Charaa vai partilhar o poder, somos realmente ingênuos. Ninguém quer que a situação seja igual à [da cidade de] Idlib, mas o que vamos fazer para evitá-la? Quanto às mulheres, eles simplesmente não querem que o mundo realmente saiba o que elas pensam. Essa é a ideologia deles... Como podemos acreditar neles? As pessoas são ingênuas", lamenta Randa Kassis.

Ao se esforçarem para mostrar uma boa imagem em todas as frentes, incluindo a proteção dos direitos das mulheres, as novas autoridades, monitoradas de perto pelo Ocidente e pelos países vizinhos, visam acima de tudo a garantir a sua respeitabilidade na cena internacional. Isto implica o levantamento total das sanções econômicas, a fim de restaurar o país, e também que o HTS não apareça mais na lista de organizações terroristas estabelecida pela ONU. Se tudo isto se tornar eficaz, uma nova página vai se abrir na história da Síria, e não apenas para as mulheres. Ninguém conhece o epílogo, mas dúvidas são permitidas.


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