Odebrecht: começa no Panamá julgamento de réus, incluindo ex-presidente Ricardo Martinelli

Começa nesta segunda-feira (20), no Panamá, o julgamento de 26 réus acusados de lavagem de dinheiro e corrupção envolvendo a empresa Odebrecht, entre eles ex-membros do governo. O escândalo, que tem suas raízes no Brasil com a operação "Lava Jato", afetou vários líderes em toda a América Latina.

Yann Le Ny, da RFI, e AFP

O ex-presidente panamenho Ricardo Martinelli, asilado na embaixada da Nicarágua, e outras vinte pessoas serão julgadas a partir desta segunda-feira (20) no Panamá por suposta lavagem de dinheiro procedente dos subornos da construtora brasileira Odebrecht. Outras cinco pessoas serão julgadas à revelia, relata a imprensa local.

O ex-presidente Juan Carlos Varela e dois filhos de Martinelli também são acusados no escândalo, mas serão julgados pela Suprema Corte de Justiça, em data ainda a ser definida, porque têm imunidade como deputados do Parlamento Centro-Americano e da Assembleia Nacional do Panamá. No total, 36 pessoas são réus no mega processo no país.

Em 2022, um tribunal panamenho ordenou o julgamento de Martinelli, 72 anos, e Varela, 61, mas o processo foi atrasado por brechas legais e foi adiado em pelo menos três ocasiões.

"Há esperança de que um caso que se arrasta há muito tempo seja concluído de uma vez por todas", disse à AFP Carlos Barsallo, membro da ONG Transparência Internacional. "Ao mesmo tempo, há incerteza sobre os efeitos de certas evidências vindas do Brasil", onde um ministro anulou algumas evidências e acordos que poderiam afetar o caso no Panamá, acrescentou Barsallo.

Lava Jato

A operação Lava Jato no Brasil, em 2014, revelou uma vasta rede de corrupção envolvendo a Petrobras, empresa estatal de petróleo, e uma dezena de grandes construtoras, incluindo a Odebrecht.

Com o tempo, o escândalo da Petrobras evoluiu para o caso Odebrecht, quando se descobriu que a construtora havia montado uma ampla rede de corrupção que não afetava apenas o Brasil, mas vários países da América Latina. Na época, a Odebrecht - que se tornou Novonor em 2020 - era um conglomerado poderoso com foco em obras públicas.

Continua após a publicidade

No Peru, todos os presidentes que governaram entre 2001 e 2018 - Alan Garcia, Alejandro Toledo, Ollanta Humala e Pedro Pablo Kuczynski - foram acusados de ter recebido subornos da construtora brasileira. Alan Garcia cometeu suicídio antes de ser preso, em 17 de abril de 2019.

No Equador, o ex-presidente Rafael Correa foi condenado a oito anos de prisão por corrupção em 2020. Dezessete outras pessoas receberam a mesma pena, incluindo o ex-vice-presidente Jorge Glas. No México, o ex-diretor da companhia estatal de petróleo Pemex e aliado do ex-presidente Enrique Peña Nieto, Emilio Lozoya, é acusado de ter recebido US$ 10 milhões em suborno.

O escândalo também afetou Angola e Moçambique, dois países africanos lusófonos. Em Moçambique, a Odebrecht teria pago quase US$ 900 mil em subornos entre 2011 e 2014.

Um fracasso judicial

Mas após mais de sete anos de revelações, a operação Lava Jato foi abruptamente interrompida em fevereiro de 2021. Em 2019, uma investigação do The Intercept acusou o juiz Sergio Moro, responsável pela Lava Jato e procuradores de terem conspirado para barrar a candidatura de Lula à presidência em 2018, embora ele estivesse liderando as pesquisas.

O uso político do caso lançou desconfiança sobre a investigação. Aos poucos, o trabalho judicial realizado durante a operação Lava Jato desmoronou diante dos vários erros processuais constatados. Os magistrados recorreram a diversos acordos de colaboração com a justiça, a prisões e batidas policiais que acabaram sendo vistas como excessivas.

Continua após a publicidade

O envolvimento dos Estados Unidos na operação também gerou dúvidas sobre a Lava Jato. O Departamento de Justiça dos EUA interveio com base em uma legislação chamada Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), que combate práticas de corrupção no exterior. Por meio dessa lei, a Odebrecht e a Petrobras tiveram de pagar multas ao Departamento de Justiça dos EUA, que deveriam ser repassadas ao Brasil. Os procuradores brasileiros tentaram direcionar esses recursos a uma fundação privada, em vez do Tesouro Nacional. No entanto, essa iniciativa foi impedida pela Suprema Corte brasileira, que anulou a criação dessa fundação em 2019.

"A forma como esses atores judiciais operaram de maneira opaca, com falhas nas regras processuais, fez com que boa parte dessas acusações caísse por terra", aponta Gaspard Estrada, cientista político da London School of Economics. Em 2023, o juiz da Suprema Corte, José Antonio Dias Toffoli, anulou todas as provas contra o presidente Lula, declarando que essa condenação foi "um dos maiores erros judiciais da história do país". Em 2024, as provas contra Marcelo Odebrecht, ex-presidente da empresa, também foram anuladas.

Retrocesso da luta contra a corrupção no Brasil

Para o cientista político Gaspard Estrada, o balanço da operação é negativo devido ao impacto na corrupção: "Toda essa operação Lava Jato foi um grande desperdício, porque infelizmente vemos que ela não acabou com a corrupção, nem no Brasil, nem na América Latina. Os indicadores de uma ONG como a Transparency International mostram que a posição do Brasil na percepção da corrupção não mudou muito desde 2014, ou seja, desde o início da operação."

Os parlamentares brasileiros inclusive retrocederam em algumas conquistas na luta contra a corrupção no Brasil. Em 2019, foram introduzidas sanções mais severas contra juízes que extrapolassem suas funções. Isso, para a associação dos juízes federais brasileiros, "prejudica gravemente as instituições do Estado responsáveis por garantir a aplicação da lei e a punição de práticas criminosas, além de afetar a separação dos poderes e a independência do poder judiciário". Além disso, sob a presidência de Jair Bolsonaro, os parlamentares conseguiram o direito de distribuir recursos a beneficiários de sua escolha por meio de um mecanismo chamado "orçamento secreto", devido à sua falta de transparência. Esses gastos foram acusados de servir para práticas de corrupção.

Uma década depois, a histórica investigação anticorrupção não conseguiu criar uma elite política que consolidasse as instituições democráticas e o Estado de Direito no Brasil. E isso é o que uma parte da população critica, cuja desconfiança tem crescido desde então. "Todas essas ações contribuíram para degradar ainda mais o vínculo de confiança entre as elites políticas, econômicas e a sociedade. Isso contribuiu para fortalecer essa ruptura democrática", acrescenta Gaspard Estrada.

Continua após a publicidade

Julgamentos continuam fora do Brasil

No entanto, no exterior, o trabalho judicial continua, mesmo após o fim da fase brasileira. O ex-presidente peruano Alejandro Toledo foi condenado a 20 anos e seis meses de prisão em outubro de 2024. Em 2023, o Ministério Público colombiano anunciou que acusaria 55 pessoas, incluindo o ex-presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, por corrupção na construção de uma estrada entre o centro do país e a costa caribenha. O Panamá, após anos de atrasos, começa o megajulgamento anticorrupção que inclui dois ex-presidentes envolvidos nas investigações: Ricardo Martinelli e Juan Carlos Varela. Eles são acusados de terem recebido subornos entre 2008 e 2014.

O fracasso no Brasil pode afetar outros julgamentos em países latino-americanos devido ao papel central dos Estados Unidos na cooperação judicial internacional. Uma colaboração entre juízes que ocorreu de maneira informal, sem o conhecimento dos ministros responsáveis. "Isso viola o princípio da soberania judicial. Cria inúmeros problemas processuais, de rastreabilidade das provas, o que prejudica o processo em si", afirma Gaspard Estrada. "Será interessante ver como os tribunais panamenhos irão decidir sobre a admissibilidade das provas provenientes da cooperação judicial com os Estados Unidos. Já vimos que, em vários países, como no México, advogados usaram a anulação dos processos no Brasil para justificar o fim dos processos no México."

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.