Em Davos, ministro Silveira diz que Brasil abrirá mão do petróleo quando países ricos cumprirem promessas

O ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, está no 55º Fórum Econômico Mundial, na Suíça, para mostrar os potenciais do Brasil para empresários, banqueiros e lideranças internacionais e atrair investimentos na transição energética. Em entrevista à RFI Brasil, o ministro criticou o negacionismo climático e cobrou a aceleração da transição nos países ricos - mas ressaltou que o Brasil só deixará de investir em petróleo quando as nações desenvolvidas cumprirem os seus compromissos ambientais.

Lúcia Müzell, enviada especial da RFI Brasil a Davos

"Todas as fontes no mundo têm que ser utilizadas de forma adequada, equilibrando o desenvolvimento econômico e social com sustentabilidade", argumentou. "O petróleo serve em especial para a transição energética. Eu pude ver isso muito de perto semana passada no Oriente Médio", disse.

Silveira representa Brasília no evento em Davos e foi enviado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Pelo terceiro ano consecutivo, o petista abriu mão de comparecer na cúpula econômica, da  qual participam mais de 900 CEOs de grandes companhias e 60 autoridades.

O ministro também defendeu investimentos na energia nuclear no país, à medida em que aumentará a demanda mundial por energia dos setores ligados à tecnologia - em especial a inteligência artificial, um dos focos do fórum. "Com apenas 26% do subsolo conhecido, nós temos a sétima maior reserva de urânio do planeta. Nós já detemos e fabricamos o combustível nuclear para Angra I, Angra II, e vamos, em pouco tempo, poder produzir para Angra III", salientou Silveira.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista, feita nesta quarta-feira (22).

Já na posse nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump deu algumas declarações no sentido contrário da transição energética, como pregar mais estímulo à perfuração de poços de petróleo no país. O Brasil poderia ocupar algum espaço nessa lacuna que vai se abrir lá, atraindo investimentos?

Ministro Alexandre Silveira: Eu quero crer que o negacionismo ambiental seja muito mais um discurso e uma satisfação política do que uma realidade, porque ele se impõe a cada dia de forma mais vigorosa, diante dos efeitos gravíssimos para as pessoas no mundo inteiro, em especial para as pessoas que mais precisam do poder público, que são as pessoas mais pobres. O Brasil implementou nos últimos dois anos, sob a liderança do presidente Lula, a mais vigorosa política de sustentabilidade no setor de energias da história planetária.

A despeito de já termos a melhor matriz de energia elétrica do mundo, 90% de energia limpa e renovável - hídrica, solar, biomassa, eólica, nuclear -, o Brasil aprovou a lei que estabelece o marco regulatório para as eólicas offshore, além do nosso potencial onshore, em terra. E as empresas estão extremamente convictas que, pela nossa segurança jurídica, pela nossa posição geopolítica, por termos hoje um presidente que dialoga com o mundo, nós somos um ambiente muito fértil para esses investimentos.

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À medida que a gente percebeu dados objetivos de diminuição de aplicação de recursos nos fundos internacionais, em especial os fundos de clima nos Estados Unidos, com a eleição do novo presidente, cada vez mais nosso compromisso econômico com o país, mas também ambiental com o mundo, estamos apresentando esse conjunto de políticas públicas e a visão de que não há salvação fora da nova economia, que é a economia verde. Estamos, aqui no Fórum Mundial de Davos, mostrando as nossas potencialidades. É com certeza uma perspectiva objetiva de recebermos milhões de dólares de investimento nas energias do Brasil.

O petróleo também continua sendo uma dessas áreas de captura de investimentos, digamos. O Brasil, até agora, não tem o plano de abandonar os seus investimentos futuros. Então, hoje qual é a prioridade do Brasil: é continuar investindo em petróleo ou investir o máximo em renováveis?

O Brasil investe em renováveis como ninguém no mundo. O Brasil se orgulha de ser a o país que mais contribui com a sustentabilidade global. Tem a maior floresta do planeta, a nossa Amazônia, onde nós teremos a COP 30 e apresentaremos a bioeconomia para o mundo: as nossas potencialidades na área florestal, o maior volume de novas energias e a nossa ampliação da matriz, tanto de biocombustíveis quanto de energias do setor elétrico renováveis.

Agora, todas as fontes no mundo têm que ser utilizadas de forma adequada, equilibrando o desenvolvimento econômico e social com sustentabilidade. A gente tem que lembrar que existem países em desenvolvimento, como o Brasil, que têm muitos milhões de brasileiros que ainda dependem socialmente do governo e do desenvolvimento econômico, e todas as fontes sendo usadas de forma adequada e sustentável são importantes para a economia nacional.

Não há nenhuma contradição nisso. Muito pelo contrário, há uma convergência. O petróleo serve em especial para a transição energética. Eu pude ver isso muito de perto semana passada no Oriente Médio. Me surpreendeu muito positivamente ver um país conhecido como o maior produtor de petróleo, investindo fortemente em transição, numa visão extremamente moderna e adequada.

Qual será o limite para o Brasil?

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A nossa visão é de que não é razoável, e eu espero que não passe de uma bravata, o negacionismo ambiental. Que isso seja muito mais fruto de um discurso do que de uma realidade, porque nós pensamos diferente.

Vamos continuar investindo na sustentabilidade e faremos a transição energética, como apregoa o papa Francisco, de forma justa e equilibrada, respeitando as potencialidades e a soberania dos países, mas principalmente de forma inclusiva. Vendo a transição energética sob duas óticas: primeiro, a ótica da sustentabilidade, que alicerçou a transição, e segundo a ótica econômica, porque ela é uma grande oportunidade de fazer inclusão social e gerar emprego e renda, mas principalmente, de cobrar os compromissos internacionais assumidos em Copenhague, em Paris, pelos países industrializados.

Esse seria o limite para o Brasil: quando os países ricos de fato saírem, eles primeiro, das fósseis? A gente sabe que a pressão vai aumentar muito com o COP 30 na Amazônia, sobre essa questão do petróleo.

Quando os países ricos começarem a cumprir os seus compromissos internacionais assumidos, por exemplo, investir de forma equilibrada em aumento das renováveis. A gente percebe um recuo em alguns países, em especial da Europa. Nesse sentido da sustentabilidade, isso não é adequado, até porque os país já se industrializaram, têm uma renda per capita muito maior do que os países em desenvolvimento, tem menos problemas sociais.

Mas, como destaca o presidente Lula, mais uma vez ressalto problemas transversais: só se resolve com diálogo internacional e fortalecimento dos organismos internacionais e multilateralismo. É isso que a gente vem trazer aqui. Inclusive a nossa exploração de petróleo, é importante ressaltar, é uma das mais descarbonizadas do planeta.

A Petrobras é uma empresa conhecida por ter zero acidente ambiental na produção de petróleo em águas profundas. No Brasil, nós não temos óleos mais densos. Então nós fazemos a transição energética para que a gente chegue o mais rápido possível a uma matriz energética que dê conforto climático ao planeta.

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A matriz do Brasil já é majoritariamente limpa, mas o quanto a energia nuclear, que é uma aposta de tantos países desenvolvidos, está no horizonte do Brasil?

Muito. Com apenas 26% do subsolo conhecido, nós temos a sétima maior reserva de urânio do planeta. Nós já detemos e fabricamos o combustível nuclear para Angra I, Angra II, e vamos, em pouco tempo, poder produzir para Angra III.

Acreditamos muito na tecnologia dos pequenos reatores nucleares que desenvolvem a França, a Rússia, a China. É uma tecnologia que vai revolucionar, porque inclusive elimina os custos da transmissão e aproxima a energia das indústrias altamente intensivas na necessidade de energia, e estabiliza na entrada das energias renováveis, que são mais instáveis no sistema.

A energia nuclear será necessária e é indubitável que é importante olhar para ela nesse momento, em especial no crescimento da demanda, da necessidade de energia no mundo, com a entrada da inteligência artificial da IA e data center. É outra discussão que nós estamos fazendo aqui.

Há uma perspectiva enorme dos datacenters globais e para o Brasil, até porque existe uma exigência que os datacenters e a inteligência artificial receba só energia limpa e renovável - e o Brasil é o grande celeiro dessas energias.

Por isso, nós viemos aqui atrair esses investimentos. A perspectiva é muito positiva. São muitos investimentos anunciados e o ambiente é muito fértil para que o Brasil continue liderando a transição energética global.

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