França relança debate sobre nacionalidade para filhos de estrangeiros nascidos em seu território
A França aprovou na quinta-feira (6) um projeto de lei que pode restringir o chamado "direito de solo" na ilha de Mayotte, território francês no sudeste da África, para tentar conter a imigração no local. Nesta sexta-feira (7), o primeiro-ministro François Bayrou e o ministro da Justiça Gérald Darmanin mencionaram a possibilidade de estender o debate sobre a questão para o resto do país.
"O debate público deve ser aberto sobre o direito de solo na França", declarou Darmanin diante da Assembleia Nacional de Deputados. O ministro se disse até mesmo favorável a uma modificação das leis sobre essa questão na Constituição francesa.
Já François Bayrou defendeu, em entrevista à rádio francesa RMC, a ideia de "um amplo debate", que abordaria também outro assunto sensível, sobre "o que é ser francês". "O que isso traz como direitos? O que isso impõe como deveres? O que isso implica em vantagens? (...) No que acreditamos quando somos franceses?", questionou.
As declarações ocorrem um dia depois que a Assembleia Nacional de deputados adotou, em primeira leitura, um projeto de lei, de autoria do partido de direita Os Republicanos, que pode restringir o "direito de solo" em Mayotte, onde metade da população é estrangeira.
Neste território francês, as regras para a obtenção da nacionalidade são diferentes do resto do país. Atualmente, filhos de estrangeiros que nascem na ilha recebem a cidadania se a mãe ou o pai estiverem vivendo no local por ao menos três meses.
Caso o projeto seja definitivamente adotado, as regras dificultarão o processo, já que tanto pai e mãe precisarão morar ao menos três anos em Mayotte para que seus filhos obtenham a nacionalidade francesa ao nascer.
Na França metropolitana as regras são diferentes: a nacionalidade é atribuída automaticamente à criança que nascer em solo francês e tiver ou a mãe francesa ou pai francês. Um bebê de mãe e pai estrangeiros que vivem na França só obtém a nacionalidade se a família provar que reside na França durante ao menos cinco anos e a partir dos 11 anos da criança. Muitos menores filhos de estrangeiros optam também por esperar até os 18 anos para receber a cidadania, desde que estejam vivendo na França.
Discurso anti-imigração
A aprovação do projeto de lei ocorre na esteira do aumento do discurso anti-imigração na França. Bayrou não poupa críticas às regras de naturalização no país. Segundo ele, "milhares de pessoas chegam com a ideia de que se colocarem crianças no mundo, elas serão francesas".
Há duas semanas, o primeiro-ministro chocou parte da classe política e da opinião pública ao utilizar o termo "submersão imigratória", durante uma entrevista a um canal de TV francês. Segundo ele, "contribuições estrangeiras são positivas para um povo, desde que não excedam uma proporção". "A partir do momento que você tem o sentimento de submersão, de não reconhecer mais o seu país, os modos de vida ou a cultura, você tem a rejeição", reiterou.
A expressão "submersão imigratória" foi criada nos anos 1980 por Jean-Marie Le Pen, ícone da extrema direita francesa, falecido em janeiro, fundador do partido ultranacionalista Frente Nacional (atualmente Reunião Nacional, dirigido pela filha, Marine Le Pen).
Nas últimas décadas, o termo expressão foi utilizado por políticos, militantes e simpatizantes da extrema direita na França, com o objetivo de criar uma sensação alarmista sobre a imigração.
A atitude de Bayrou foi alvo de uma enxurrada de críticas pela esquerda francesa. Para a deputada ecologista Cyrielle Chatelain, a utilização da expressão "submersão imigratória" é "vergonhosa", principalmente da parte de um chefe de governo.
No canal de TV LCI, Manuel Bompard, coordenador do partido da esquerda radical França Insubmissa, classificou de "extremamente chocante" as afirmações do premiê francês que "não correspondem absolutamente à realidade".
"Jamais teria feito essas afirmações e elas me incomodam", declarou a presidente da Assembleia de Deputados da França, Yaël Braun-Pivet, do partido governista Renascimento, em entrevista ao canal BFMTV e à rádio RMC. "Estamos falando de homens e mulheres, de nosso país, a França, que por meio de sua história, sua geografia, sua cultura, sempre acolheu e se construiu por meio desta tradição", reiterou.
França está "submersa" por imigrantes?
O Ministério do Interior da França divulgou nesta semana o relatório anual sobre a imigração no país. Números do próprio governo mostram que a quantidade de entradas de estrangeiros no país é estável há 15 anos.
Em 2024, 337 mil carteiras de residência temporária foram emitidas pela França a estrangeiros, com um leve aumento de 1,8% em relação ao ano anterior. Um terço desses documentos (109 mil) foram destinados a estudantes. Quase 91 mil estrangeiros receberam as chamadas "cartes de séjour", os vistos que autorizam a estadia, por motivos familiares e 55 mil por razões econômicas e humanitárias.
Pouco mais de 31 mil pessoas que viviam em situação ilegal na França foram regularizadas em 2024: número que registrou queda de 10% em relação ao ano anterior. Além disso, o governo francês recebeu pedidos de asilo de quase 156 mil pessoas em 2024, em queda de 5,5% em comparação a 2023.
Segundo dados do Instituto Francês de Estatísticas e Estudos Econômicos (Insee), 10,7% da população francesa é imigrante. Entre eles, estão incluídos 3,5% de pessoas originárias de outros países da Europa.
Em comparação com as nações vizinhas, a França é um dos países que menos recebe estrangeiros. Na Alemanha, Áustria, Bélgica, Chipre, Irlanda e Suécia, cerca de 20% da população é imigrante.
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