Cinema: e se amanhã o protagonista do filme for uma IA? Paris discute impacto no mundo cultural

De roteiristas a dubladores, passando por atores e cantores, profissionais da indústria cinematográfica e musical já percebem os efeitos da IA ??generativa no setor. Às vésperas da Cúpula para Ação sobre Inteligência Artificial, que será realizada nos dias 10 e 11 de fevereiro em Paris, uma série de conferências debate como os avanços técnicos estão redefinindo a própria noção de obra de arte.

Nicolas Pagès, com AFP

Quando questionado sobre tarefas que nunca poderão ser executadas pela IA, o consultor de inovação Julien Breitfeld responde sem rodeios: "Não há nenhuma!". Regularmente contratado pela Associação de Diretores e Produtores para produzir estudos sobre inteligência artificial, ele garante que a IA generativa está prestes a revolucionar a indústria cinematográfica.

Não deve demorar para a IA produzir dublagens idênticas às vozes humanas, por exemplo. "A questão não é mais se isso vai acontecer, mas quando", alerta Samuel Julien, diretor do estúdio de dublagem Dizale.

Em meados de janeiro, a voz do falecido Alain Dorval, ex-dublador francês de Sylvester Stallone, foi reproduzida pela AI para o trailer do filme Armor. Ainda mais impressionante, a IA generativa agora torna possível um ator "falar" em outro idioma, mantendo sua voz e entonações. A tecnologia foi usada recentemente no filme indicado ao Oscar The Brutalist, para aperfeiçoar o sotaque húngaro do ator americano Adrien Brody.

A mais recente grande inovação é a tecnologia de sincronização labial, que permite que os movimentos labiais de um ator sejam modificados e os façam corresponder à linguagem da dublagem.

Como substituir dubladores por inteligência artificial? "Nós nos recusamos", afirma Samuel Julien. "E se isso acontecer, vou mudar de emprego", ele acrescenta. Ele se preocupa com a qualidade da dublagem e a vitalidade das imaginações culturais: "Ao usar IA, congelamos a linguagem. Nós padronizamos isso", explica.

Na França, o setor está se mobilizando para evitar impactos devastadores. Desde maio passado, o movimento #TouchePasÀMaVF reúne as vozes mais famosas da dublagem em francês.

Direitos autorais 'pilhados'

Neste sábado, antes do AI Summit, programado para segunda (10) e terça-feiras (11) por iniciativa do presidente Emmanuel Macron, uma frente unida de artistas e empresas de direitos autorais também debateu o tema. A IA gera textos, imagens, sons ou vídeos, às vezes se inspirando em obras protegidas por direitos autorais. "Estou falando de pilhagem", afirmou Cécile Rap-Veber, diretora geral da Sacem, que protege os direitos dos músicos.

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O músico Jean-Michel Jarre foi um dos porta-vozes do movimento de protesto, em uma mesa redonda na Biblioteca Nacional da França. Depois de ironizar que a OpenAI, criadora do ChatGPT, havia "descoberto o que são direitos autorais com o DeepSeek", seu rival chinês que ela suspeita de roubar suas tecnologias, a artista também acusou a gigante sueca de streaming Spotify.

Segundo ele, a plataforma, acusada em investigação de um jornalista americano de inserir "artistas falsos" em suas playlists de música ambiente, tem um "sonho": "ficar sem artistas. Isso já vem sendo fermentado há algum tempo. O Spotify é um pouco como o Darth Vader da música", disse.

Questionada pela AFP, a empresa garantiu que "sempre esteve interessada em apoiar o crescimento e o desenvolvimento dos artistas". "Estamos, portanto, orgulhosos do caminho que percorremos e continuamos fortemente comprometidos com a descoberta e o crescimento da indústria da música gravada", acrescentou um porta-voz do grupo, lembrando os US$ 10 bilhões devolvidos aos detentores de direitos autorais somente em 2024.

Roteiristas indignados

Não é diferente no cinema. Uma investigação da revista americana The Atlantic confirmou recentemente as suspeitas de muitos autores: os diálogos de milhares de filmes foram usados ??para treinar IA generativa acessível ao público em geral. "É roubo", disse à RFI a roteirista e romancista Julie Peyr, que ganhou um prêmio César há nove anos.

Ela destaca a falta de transparência e a ausência de qualquer compensação financeira para os artistas. Nos Estados Unidos, alguns casos foram levados aos tribunais. Em 2023, a atriz Sarah Silverman processou a OpenAI por violação de direitos autorais, mas perdeu. No mesmo ano, roteiristas de Hollywood entraram em greve, exigindo mais transparência dos estúdios sobre o uso de IA.

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"Acredito que a IA ocupa um lugar desproporcional no debate, dada sua verdadeira utilidade", afirma Peyr. O princípio de funcionamento dessas ferramentas, que se baseiam em bancos de dados existentes, constitui, segundo ela, uma desvantagem colossal para a inovação artística. "As propostas do ChatGPT são sistematicamente comuns", garante.

Direitos de imagem de atores em perigo

O desenvolvimento da IA ??generativa também ameaça os atores. Seus empregos e até mesmo sua privacidade parecem estar ameaçados. A tecnologia deepfake, que permite que a voz e o rosto de uma celebridade sejam sobrepostos aos de qualquer pessoa, torna possível fazê-las aparecer na tela sem seu consentimento.

Emma Watson, Scarlett Johansson e Natalie Portman foram vítimas de deepfakes pornográficos. Um ano atrás, Taylor Swift também foi vítima. Esses vídeos pornográficos poderão em breve ser gerados sem qualquer suporte de vídeo inicial, explica Julien Breitfeld, ou seja, cenas de sexo sem que ninguém as tenham encenadas. Alguns estados dos EUA, como a Califórnia, decidiram legislar para proibir esse tipo de conteúdo.

Nos últimos anos, a IA apareceu já se tornou a regra dos editores para aliviá-los das tarefas mais repetitivas, sem comprometer a qualidade do resultado. Quentin, aluno de um curso de audiovisual na França, confidencia a preocupação de seus professores: "Agora, sabemos que uma edição razoável pode ser feita pela IA. Nossos professores nos incentivam ainda mais do que antes a desenvolver um toque criativo, a nos destacarmos."

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