Equatorianos votam para presidente, marcados pela violência do tráfico e risco de colapso da economia

Catorze milhões de eleitores estão registrados para votar neste domingo (9) nas eleições gerais no Equador. O pleito, realizado para definir os próximos presidente e vice do país, 151 deputados e cinco parlamentares andinos, acontece em meio ao medo dos eleitores de se deparar com narcotraficantes a caminho das urnas, o risco de fraudes e as incertezas sobre o futuro da economia equatoriana, à beira de um colapso.

Eric Samson, da RFI, e AFP

Dezesseis candidatos concorrem à presidência do Equador, mas a disputa será definida entre o atual presidente neoliberal Daniel Noboa, em busca de um segundo mandato de quatro anos, e a candidata de esquerda Luisa González, afilhada política do ex-presidente socialista Rafael Correa. Luisa está atrás de Noboa nas pesquisas, mas ainda pode ter votos suficientes para forçar um segundo turno. 

Cerca de 200 observadores internacionais, incluindo diplomatas, delegados da União Europeia, da Organização dos Estados Americanos (OEA) e do Parlamento do Mercosul, monitoram a votação para atenuar o risco de fraudes. As máfias do narcotráfico que impõem uma violência nunca vista no país tentam influenciar os resultados. O vencedor da votação enfrentará vários desafios.

Máfias internacionais criam 'paraíso das drogas'

"O Equador está passando por um momento muito difícil. Acho que está na pior crise desde que voltamos à democracia", há quase meio século, diz Leonardo Laso, analista político. Dolarizado, com portos estratégicos no Pacífico e espremido entre os dois maiores produtores de cocaína do mundo - Colômbia e Peru -, o Equador se tornou um 'paraíso das drogas'.

"O Equador é o lar das máfias albanesa e balcânica, da italiana 'Ndrangheta e das máfias turcas", diz Douglas Farah, consultor de segurança e analista sobre América Latina. "E agora você tem gangues locais como Los Lobos e Los Choneros, que lutam por território para que possam transportar o produto através do Equador para seus novos compradores na Europa e na Ásia", acrescentou.

Essa transformação gera níveis recordes de assassinatos, extorsões e sequestros, que desafiam as capacidades do poder público. Os equatorianos "nunca experimentaram esse tipo de violência", disse Farah. "Eles estão sendo atingidos por um fenômeno completamente novo, para o qual não estão preparados."

A resposta de Noboa foi mobilizar as Forças Armadas, prender líderes de gangues e interceptar carregamentos de cocaína, sempre que possível. O presidente deu ao público a sensação de que algo está sendo feito, embora poucos especialistas acreditem que esta seja uma estratégia bem-sucedida a longo prazo.

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Alternativas como fortalecer a polícia e os serviços sociais, reformar as prisões e criar empregos custam tempo e dinheiro. O Equador tem pouco de ambos. As estradas e a infraestrutura, que antes eram motivo de inveja na região, agora começam a se deteriorar. 

Crise econômica

"É muito provável que a economia tenha se contraído no ano passado", diz o economista Alberto Acosta Burneo. O analista atribui parte da culpa aos apagões ocorridos ao longo de 2024, causados por uma seca que afetou a geração hidrelétrica e levou ao fechamento de empresas.

No entanto, especialistas também apontam para a falta de investimento. Depois de mais de uma década de gastos sem a receita do boom do petróleo que antes enchia os cofres do Estado, a dívida pública agora está em torno de 57% do PIB, de acordo com o FMI.

Noboa foi recentemente ao FMI para solicitar um resgate financeiro. Mas novos cortes nas despesas são prováveis, já que o país continua com dificuldades para obter empréstimos baratos nos mercados de renda fixa devido à escassez de reservas e a mais de uma dúzia de inadimplências recentes.

No sábado, em entrevista à AFP, a adversária de esquerda Luisa González declarou que a ajuda do FMI é bem-vinda, se não afetar a "já abalada" economia. Ela condicionou seu apoio, após um acordo recente de crédito de US$ 4 bilhões (R$ 23 bilhões) ao país: "Enquanto o Fundo Monetário Internacional quiser oferecer apoio ao Equador, sem exigir que a vida de nossos cidadãos fique mais precária, sem aumentar impostos, sem retirar subsídios, sem afetar a já abalada economia familiar, pois que sejam bem-vindos", afirmou a sucessora política do ex-presidente Rafael Correa (2007-2017), que rompeu relações com o fundo quando governou o país.

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Violência assola famílias

O final da campanha foi marcado por cenas insuportáveis do que se tornou a vida no país sul-americano. Há alguns dias, os equatorianos viram uma menina de nove meses sorrindo em um carro de polícia. A bebê foi encontrada sozinha, rastejando em uma estrada isolada na província costeira de Santa Elena.

Quinhentos metros adiante, policiais alertados por moradores locais encontraram o corpo de sua mãe, Rosa Yanina Vargas, de 28 anos, assassinada com vários tiros na cabeça. Após o pai da criança ter morrido recentemente de uma doença, a menina foi entregue ao avô materno. 

Os moradores locais estão inconformados que um bebê possa ter sido abandonado nesse contexto. "É muito doloroso para nós", disse Lorenza Catuto, moradora da área, ao jornal Primicias. "É muito cruel matar uma mulher e abandonar sua filhinha nessas condições."

Militar da reserva vê tendência negativa

Com um assassinato por hora desde 1º de janeiro de 2025, o Equador atravessa seu início de ano mais violento. O ex-diretor de Inteligência do Exército equatoriano, coronel aposentado Mario Pazmiño, não está surpreso.

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"O presidente Daniel Noboa tomou boas decisões há pouco mais de um ano quando declarou estado de conflito armado interno e mobilizou as Forças Armadas contra 22 grupos de delinquentes", explica. "Mas depois de seis meses de relativa melhora, a violência está aumentando novamente, assim como os casos de extorsão, conhecidos no Equador como 'la vacuna' ['a vacina']", constata Pazmiño.

Embora a luta contra a violência seja o tema central da campanha,  Noboa insiste nos resultados do seu "Plano Fênix" contra o crime organizado. "Quase 300 toneladas de drogas foram apreendidas no ano passado", recordou Noboa num debate presidencial em janeiro. 

O número de mortes violentas diminuiu cerca de 14%, "de 8.004, em 2023, para 6.964, em 2024", confirma o Observatório Equatoriano do Crime Organizado (OECS). Mas esse resultado continua sendo "insuficiente" para o coronel Pazmiño, que observa que o Equador é hoje o segundo país mais violento da América Latina e que a tendência é "negativa".

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