Argentinos acendem velas pelo papa Francisco, que vai virar nome de estádio de futebol

As homenagens ao papa Francisco aumentam em Buenos Aires com velas, flores e mensagens de carinho. A mais curiosa até agora vem do clube San Lorenzo: Francisco vai virar nome de estádio. O presidente Javier Milei decretou sete dias de luto e vai viajar para o funeral do sumo pontífice. Mas o chefe de Estado, que divergia do papa sobre alguns assuntos, não participa pessoalmente de nenhuma homenagem dentro da Argentina. 

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Como forma de canalizar a dor da perda, de agradecer pelo legado e de valorizar aquele que, para muitos, é o argentino mais importante da História recente do país, os argentinos rendem homenagens ao papa Francisco.

A maior parte das homenagens populares acontece na Basílica de São José, no bairro de Flores, onde Jorge Bergoglio nasceu, cresceu, estudou e exerceu o começo do seu sacerdócio. Tudo isso num raio de sete quarteirões.

Na primeira noite sem o papa, o arcebispo de Buenos Aires, Jorge García Cuerva, no mesmo cargo que Jorge Bergoglio ocupava antes de se tornar sumo pontífice, rezou uma missa de homenagem na Basílica. Até agora, foi o ato que mais gente convocou. Apesar de a Basílica ser grande, ficou pequena para tanta gente. Uma multidão se aglomerou do lado de fora.

Após a missa, centenas de pessoas passaram a noite em orações de agradecimento. Os fieis acenderam velas e deixaram flores num dos confessionários, onde o jovem Jorge Bergoglio se confessou, descobrindo a sua vocação religiosa, e onde, anos depois, atendeu os que confessavam.

Nesta segunda noite sem o papa, um santuário improvisado com velas, flores, cartazes e bilhetes de agradecimento foi naturalmente erguido também na Catedral Metropolitana de Buenos Aires, sede da arquidiocese, onde Jorge Bergoglio foi cardeal e arcebispo.

Nome de estádio

Nesta quarta-feira (23), o clube de futebol San Lorenzo vai fazer uma missa de homenagem ao seu mais célebre torcedor. Francisco torcia pelo San Lorenzo, clube com uma curiosidade religiosa: foi fundado por um padre, Lorenzo Massa. A missa vai acontecer justamente no Oratório Santo Antônio, onde o clube foi fundado pelo padre.

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No próximo sábado (26), no jogo entre o San Lorenzo e o Rosario Central, o clube do papa vai vestir uma camisa especial. Porém, a maior homenagem do Clube será colocar o nome do papa no futuro estádio, que será batizado "Estádio papa Francisco", uma ideia que o presidente do clube levou até o sumo pontífice em setembro do ano passado, durante uma visita ao Vaticano.

Francisco ficou emocionado e aprovou a proposta. Não viu o projeto se concretizar em vida, mas partiu sabendo que se tornaria nome de estádio. Assinou uma camisa do clube que ficará exposta no saguão central do novo estádio.

Aliás, nos últimos dois dias, os torcedores do San Lorenzo têm exibido a camisa e a bandeira do clube como uma forma de homenagear o sumo pontífice.

No campo político, o Senado argentino decidiu adiar o debate em plenário sobre a aprovação da Lei de Ficha Limpa. Em vez de tratar da lei que impede que corruptos condenados sejam candidatos, o Senado vai homenagear o papa Francisco com uma sessão especial.

Milei não participa das homenagens

Na tarde de terça-feira (22), houve um encontro interreligioso na Catedral Metropolitana de Buenos Aires, com uma missa que projeta o caráter universal do Papa Francisco. A Catedral fica a poucos metros da Casa Rosada, sede do governo. Representantes de diversas crenças homenagearam o sumo pontífice, um promotor do diálogo interreligioso como forma de contribuir para a paz no mundo. O grande ausente, mais uma vez, foi o presidente Javier Milei, quem apenas enviou representantes do governo.

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Na segunda-feira (21), a vice-presidente, Victoria Villarruel, participou da missa na Basílica de São José. Ao sair do culto, foi vaiada e xingada, apesar de o arcebispo de Buenos Aires, Jorge García Cuerva, passar a missa pedindo a união de todos.

"Abracem-se uns aos outros, sem perguntar ao do lado em quem votam", pediu García Cuerva.

Milei não quer se expor a essa possibilidade, sobretudo num ano de eleições legislativas.

No final da noite de quinta-feira (24), o presidente argentino vai viajar a Roma para participar do funeral do papa no Vaticano. Milei decretou sete dias de luto, período durante o qual os argentinos vão continuar a rezar pelo sumo pontífice, tal como ele sempre pedia.

Diferenças profundas

O papa promoveu o combate às mudanças climáticas, foi contra o bombardeio em Gaza, contra a concentração de capitais e contra a violência verbal. Foi a favor das minorias, da união social e da proteção dos segmentos mais frágeis da sociedade, como os aposentados.

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Milei é negacionista, apoia Israel de forma incondicional, ataca verbalmente todos os que o questionam, provoca divisão social e fez cair sobre os aposentados boa parte do ajuste fiscal.

As diferenças foram reconhecidas pelo próprio Milei, quem, na segunda-feira (21), publicou nas redes sociais que "apesar de diferenças que hoje se tornaram menores, foi uma honra ter conhecido a bondade e a sabedoria do papa". Escreveu ainda que recebeu a notícia da morte de Francisco com "profunda dor".

Antes de ser eleito, Milei insultou o papa e disse que era "a representação do maligno" na Terra.

Depois de uma aproximação inicial entre os dois, em setembro do ano passado, Francisco criticou duramente as medidas de repressão do governo contra o protesto de aposentados. O sumo pontífice disse que "o governo, em vez de pagar justiça social, pagou o gás de pimenta" que usou para reprimir.

Em março deste ano, houve uma nova repressão, mas, dessa vez, o papa estava internado, lutando pela própria vida.

Ao longo dos últimos 12 anos, os argentinos esperaram que o papa visitasse a sua terra Natal, mas Francisco não quis ser usado politicamente nem cair na polarização que marcou os últimos governos na Argentina.

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