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Condenação anulada e amigos protegidos: como papa lidou com abusos sexuais?

Papa Francisco chora enquanto fala sobre a Ucrânia, em 2022 - Yara Nardi/Reuters Papa Francisco chora enquanto fala sobre a Ucrânia, em 2022 - Yara Nardi/Reuters
Papa Francisco chora enquanto fala sobre a Ucrânia, em 2022 Imagem: Yara Nardi/Reuters

26/04/2025 05h30

Depois do mundo assistir a uma semana de homenagens ao papa Francisco, após a morte do jesuíta argentino na segunda-feira (21), duas revistas semanais francesas abordam um tema mais delicado: até que ponto Jorge Mario Bergoglio combateu os abusos sexuais na Igreja Católica e deixou um legado positivo de reformas?

Em entrevista à Le Point, o vaticanista italiano Giovanni Maria Vian, historiador e jornalista que conheceu todos os papas desde Paulo 6°, faz um balanço duro sobre a atuação de Francisco. Ex-diretor do jornal L'Osservatore Romano durante dez anos, Vian considera que o papa tentou realizar uma reforma profunda na Igreja, mas os resultados são frustrantes. Ele deixa uma instituição mais dividida do que nunca, segundo o vaticanista. A maneira rude e violenta com a qual ele se dirigiu aos membros da Cúria Romana, o corpo administrativo que auxilia o papa no exercício do poder, gerou reações de rejeição, aponta o especialista.

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Em relação aos casos de abusos sexuais envolvendo padres, uma das três prioridades do líder da Igreja, além do saneamento das finanças e da reforma da Cúria, Francisco "falhou, por priorizar a proteção de seus amigos", disse o vaticanista à revista Le Point. Para justificar a crítica, Vian citou o exemplo do ex-jesuíta esloveno Marko Rupnik, que foi denunciado por dezenas de mulheres.

Rupnik acabou sendo excomungado pelo antigo Santo Ofício. Entretanto, um mês depois, teve a condenação anulada pelo papa, que era seu amigo. Francisco era excelente na comunicação, analisa Vian, mas os resultados de suas ações são frágeis.

Abusos de freiras e crianças

A revista Nouvel Obs abriu espaço em suas páginas para um artigo assinado pela historiadora italiana Lucetta Scaraffia, que em 2019 denunciou uma série de abusos sexuais sofridos por freiras e cometidos por membros do clero. Ao opinar sobre a condição das mulheres na Igreja, ela afirma que o aspecto mais preocupante é o silêncio e a recusa em abordar o gravíssimo problema dos abusos sexuais por parte de religiosos e padres.

Segundo Lucetta, os casos são numerosos, inclusive em países ocidentais, e muitas vezes as freiras têm os abortos pagos por hierarquias eclesiásticas. Talvez pela gravidade do problema e pela vulnerabilidade das vítimas, que raramente encontram forças para se manifestar, a Igreja continua a fingir que esse problema não existe ou, em todo caso, está restrito a alguns casos em alguns países.

A historiadora reconhece que depois dos graves escândalos sexuais envolvendo crianças, o papa Francisco tomou medidas severas contra os culpados de abuso ou de encobrimento de abusos, mas, na realidade, muitas vezes protegeu os agressores que conhecia e se recusou a receber os responsáveis pela importante investigação sobre abusos realizada pela comissão de Jean-Marc Sauvé, instituída pela Conferência Episcopal Francesa.

Lucetta tem a mesma avaliação de Vian sobre o papa Francisco: ele morre deixando reformas inacabadas e promessas não cumpridas.


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