Uma despedida - "Até logo, até logo, companheiros..."
Em sua última contribuição para a redação brasileira da RFI, o analista Flávio Aguiar apresenta uma crônica em tom pessoal, na qual traz suas reflexões e experiências acumuladas ao longo de quase quatro anos dedicados a escrever para nossos leitores e ouvintes.
Flávio Aguiar, de Berlim
Depois de viver 18 anos em Berlim, retorno definitivamente ao Brasil. Deixo a Alemanha e a Europa com o coração apreensivo. Não se trata apenas da já fartamente comentada ascensão das extremas-direitas anti-democráticas no mundo todo. É que ouço bem perto o também crescente rufar dos tambores de guerra
Governantes e empresas nos vários quadrantes da Europa estão apostando na indústria de armamentos como meio de recuperação econômica. Querem enfrentar assim a crise recessiva desencadeada a partir da guerra na Ucrânia e suas consequências na economia do continente.
Mas não se trata apenas da ação de governantes e líderes. Com o argumento de que é necessário defender-se diante da possibilidade de uma invasão russa, vão conquistando corações e mentes para o espírito da guerra. Pessoas que até pouco tempo participavam de marchas pela paz e cantavam "Bella Ciao" e "Where have all the flowers gone" dizem que agora estas canções não têm vez e que falar em paz é perigoso.
O currículo pregresso da Europa não é bom. Sempre que os países europeus prepararam-se para a guerra, ela aconteceu. E o continente foi palco das duas guerras que na história ganharam o adjetivo de "mundiais".
Rezo para que meus temores não se concretizem e que se retome o rumo de uma cultura da paz, como defende nosso presidente brasileiro.
Nos últimos quatro destes 18 anos fiz parte da equipe da redação brasileira da Rádio França Internacional. Foi uma experiência muito estimulante a que serei sempre grato.
Neste momento de despedida e de retorno à terra natal, meu coração se divide. De um lado, lembro-me de algumas palavras de um tango de Carlos Gardel e Alfredo Le Pera:
"Volver//Con la frente marchita//Las nieves del tempo//marcaron mi sien//(...)
Sentir//Que es un soplo la vida//Que veinte años no es nada//...
Em tradução livre:
"Voltar//Com as marcas do tempo//no rosto e na prateada cabeça//(...)Sentir//Que a vida é um alento//E que vinte anos são nada//...
Por outro lado, meu coração glosa o poema do grande poeta russo Serguei Iessiênin, na tradução de Boris Chnaiderman e Augusto de Campos:
"Até logo, até logo, companheiros,Guardo-vos no peito e asseguro: O nosso afastamento passageiro. É sinal de um encontro no futuro. Embora separar-nos seja pesaroso, Não fiquem com esse ar tão preocupado. Se mover-se demasiado é perigoso, tampouco é bom ficar parado."
Até breve e muito obrigado.
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