Tem até lactose: veja os produtos químicos que definem cor da fumaça do conclave

Segundo uma tradição relativamente recente, uma fumaça branca será emitida quando a Igreja Católica tiver um novo líder, ou uma fumaça preta enquanto o falecido papa Francisco não encontrar um sucessor. Mas qual é a composição química da fumaça que escapa da chaminé mais famosa do mundo, no teto da Capela Sistina? Muita gente desconhece, mas seus componentes foram evoluindo ao longo do tempo, para não causar nenhum tipo de confusão para a multidão que aguarda, ansiosa, em todo o planeta.
O Vaticano vive um momento de turbulência durante a sede vacante, como é conhecido o período entre a morte de um papa e a escolha de seu sucessor. Desde a morte de Francisco, logo após a Páscoa, em 21 de abril, os cardeais têm chegado a essa cidade-Estado. Após participarem do funeral, 133 deles — ou seja, aqueles com menos de 80 anos — se preparam para escolher o sucessor do papa argentino.
Vaticano revela composição química das fumaças
Em março de 2013, o porta-voz do Vaticano revelou a composição química das fumaças: a preta, espessa, é feita com perclorato de potássio, antraceno (derivado do alcatrão, eficaz para produzir fuligem) e enxofre; a branca, mais volátil, com clorato de potássio, lactose e resina de pinho (colofônia).
"O Vaticano fabrica pequenas bombas de fumaça de forma bem simples", ironizou a BBC em 2013, ao analisar a fórmula. "Uma bomba de fumaça - como os fogos de artifício projetados para produzir muita fumaça - funciona combinando um composto rico em carbono e de fácil combustão, como o açúcar, com um agente oxidante, que fornece o oxigênio necessário para a reação."
O perclorato e o clorato de potássio são os oxidantes mais comuns nessas misturas. Já o antraceno, a lactose (açúcar do leite) e a colofônia são fontes de carbono. Sem dúvida, Francisco, que tinha formação em química, conhecia bem a fórmula.
'Seria mais fácil um email, mas optou-se pela tradição'
Ainda que esse método simbólico e mecânico de comunicação seja apreciado pela Igreja, ele é suscetível a falhas e, por isso, dá margem a todo tipo de teoria. "Seria muito fácil enviar um comunicado por email ou mensagem aos jornalistas e bispos. Mas optou-se por manter essa tradição, que também alimenta a expectativa da mídia e das multidões", explica Cyprien Viet, especialista em Vaticano da agência I-Medias.
O uso da fumaça como sinal não é novo. Por séculos, a simples abertura de uma janela indicava que havia um novo papa. A partir de 1878, quando os conclaves passaram do Palácio do Quirinal (hoje sede da presidência italiana) para a Capela Sistina, o sistema foi alterado.
Segundo o rígido protocolo do conclave, o camerlengo — papa interino, atualmente o norte-americano Kevin Farrell — queima as cédulas após a contagem dos votos. Mas elas não são o único material usado.
Multidões se confundiam com sobre a cor da fumaça
Inicialmente, o método para colorir a fumaça era rudimentar: para a preta, usava-se piche; para a branca, palha úmida. O resultado era pouco confiável — a fumaça preta frequentemente se tornava cinza. Embora os métodos tenham evoluído, as multidões diante da basílica ainda se confundem com frequência, segundo o Instituto Nacional de Arquivos, que acompanhou três conclaves recentes.
Os de 1978 — houve dois naquele ano — foram particularmente marcantes. A agência France-Presse relembrou um episódio de 26 de agosto daquele ano, durante a eleição de João Paulo I: a multidão viu fumaça preta, quando era branca. Um registro da época mostra jornalistas convencidos de que a fumaça era preta.
De fato, era branca, mas a contraluz ao entardecer dava a impressão de escurecê-la. Um jornalista exclamou: "Lá está, é preta, é preta... é um preto muito pálido por causa do sol". Outro comentou, depois: "O papa foi eleito e a fumaça é preta, que mau presságio", referindo-se ao cardeal Albino Luciani, que morreu apenas 33 dias após assumir o pontificado.
Em outubro daquele mesmo ano, um novo conclave foi convocado. No dia 15, às 18h34, a fumaça saiu da chaminé da Capela Sistina. As dezenas de milhares de pessoas presentes na Praça de São Pedro a viram branca e reagiram com aplausos — mas a Rádio Vaticano anunciou que era preta, e a confirmação veio em seguida. João Paulo 2º só foi eleito no dia seguinte, após oito rodadas de votação.
Dissipar a dúvida
Diante de tanta confusão, mudanças foram implementadas no conclave de 2005, após a morte do papa polonês, para tornar a comunicação mais clara. Agora, há dois fogões de ferro fundido, instalados temporariamente na capela e conectados ao mesmo tubo de cobre de 30 metros de altura: o primeiro queima as cédulas; o segundo, eletrônico, utiliza cartuchos de fumaça. Para reforçar a confirmação, os sinos da basílica também tocam quando um novo papa é eleito.
Mesmo com tantas precauções, em 18 de abril, na Praça de São Pedro, uma fumaça aparentemente branca se elevou no ar, sem que os sinos tocassem — e logo escureceu.
No dia seguinte, as mesmas incertezas tomaram conta da praça: milhares de olhos — ou melhor, smartphones — fixos na pequena chaminé. Saiu fumaça branca, mas o toque dos sinos demorou dez minutos, prolongando a especulação frenética. Joseph Ratzinger, o papa Bento XVI, havia sido eleito.
Fumaça do conclave não deve comprometer meta ambiental do Vaticano
De toda forma, as emissões do conclave não devem comprometer a meta ambiental do Vaticano, que prometeu alcançar a neutralidade de carbono até 2050.
Para garantir clareza na mensagem e segurança, os organizadores tomaram diversas precauções. As estufas foram testadas. Um sistema especial de ventilação e aquecimento foi instalado para melhorar o fluxo ascendente da fumaça. E "se necessário", um técnico credenciado permanecerá em uma pequena sala técnica próxima à Capela Sistina durante as votações, com controle remoto da estufa eletrônica, explicou Silvio Screpanti, vice-diretor de Infraestrutura.
No exterior, projetores serão instalados ao redor da chaminé, segundo o Vatican News, para tornar a fumaça visível à noite. Uma câmera dos meios de comunicação do Vaticano transmitirá a fumaça ao vivo.
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