Ser escritor é a profissão mais patética do Brasil
Vanessa Barbara
The International New York Times
Primeiro foi lançada a "Granta 121: os melhores jovens romancistas brasileiros", edição de 2012 da revista literária britânica. Em seguida, o Brasil figurou como convidado de honra da Feira do Livro de Frankfurt deste ano, realizada em outubro passado com a participação de aproximadamente 90 autores brasileiros que representaram a diversidade literária do país. No ano que vem, vamos desempenhar um papel semelhante na Feira do Livro de Gotemburgo, na Suécia, e na Feira do Livro Infantil de Bolonha, na Itália.
E, mesmo assim, apesar de todo esse alarde, quando estiver no Brasil não conte a ninguém que você é escritor. Isso porque, além de ter o crédito negado no mercadinho do bairro, os brasileiros quase certamente vão rir de você e perguntarão imediatamente: "Não, sério. O que é que você faz para viver?"
A menos que seu nome seja Paulo Coelho, escrever é uma ocupação considerada tão útil e rentável quanto coletar ranho de baleia.
Mas, pelo menos os escritores não estão sozinhos em sua desgraça. De acordo com o 2013 Global Teacher Status Index (Índice Global sobre a Situação dos Professores de 2013), o Brasil ocupa o penúltimo lugar em um ranking de 21 países que afere o status social dos professores. Aqui no Brasil, o salário médio dos professores é de US$ 18.550 por ano (em comparação com US$ 44.917 nos Estados Unidos), mas o salário-base anual real pago pelas escolas públicas brasileiras é de aproximadamente US$ 8.000 por ano. Apenas 2% dos alunos do ensino secundário querem seguir carreira na área de ensino.
No Brasil, assim como nos Estados Unidos, artistas, atletas e executivos de empresas estão entre os profissionais mais bem remunerados do mercado. Mas, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, aqui a média dos matemáticos, filósofos ou historiadores ganha menos de US$ 12.000 por ano. E nem pergunte sobre os escritores: a atividade de escrever não é, de forma nenhuma, considerada uma carreira.
Uma explicação possível para essa situação é a seguinte: o brasileiro médio lê apenas quatro livros por ano --dois deles apenas parcialmente. As principais razões para que as pessoas não leiam no Brasil são a falta de tempo (53%), a falta de interesse (30%) e a preferência por outras atividades (21%) --e, nesse quesito, os livros perdem de forma esmagadora para a TV.
Além dessa escassez geral de leitores, a tiragem inicial dos novos romances no Brasil, muitas vezes, é de apenas 3.000 exemplares e é incomum que todas essas cópias sejam comercializadas.
Para exemplificar, vou fornecer alguns números do meu histórico pessoal como escritora. Em 2008, eu escrevi um livro que ganhou um prêmio literário e recentemente vendeu sua 3.000ª cópia. O livro é vendido no varejo por cerca de US$ 15. Como os autores recebem 5% em royalties, eu ganhei US$ 0,75 por cópia comercializada. Dessa maneira, pelo livro que me levou um ano para escrever e mais quatro anos para ter 3.000 exemplares vendidos, eu recebi um total de cerca de US$ 2.250 (e uma crise de depressão). Eu teria me saído melhor se tivesse doado o meu corpo para a ciência.
Mas se, como eu, você decidir que escrever ainda é o seu sonho e que comer não é tão importante assim, então é melhor encontrar alguma outra fonte de renda.
Então, você decide ser jornalista. Essa não é a mais sábia das decisões no momento, uma vez que muitas publicações brasileiras estão sendo fechadas. Nós quase não temos títulos que publiquem contos ou trechos de romances, e todas as revistas e jornais parecem estar reduzindo o tamanho de seus artigos para uma média de 350 palavras, supostamente porque os leitores não têm paciência para ler textos mais longos.
Os jornalistas que ainda têm a sorte de ter um emprego estão cada vez mais sendo transformados em trabalhadores temporários ou autônomos (free-lancers). Apenas 59,8% dos jornalistas brasileiros estão formalmente empregados, com registro em carteira de acordo com as leis trabalhistas locais, enquanto 26,8% atuam como free-lancers em vários tipos de atividades ou como fornecedores independentes --como eu. O salário médio dos jornalistas brasileiros é de cerca de US$ 19 mil por ano, apesar de eu ter a impressão de que nunca ganho tanto assim. Eu também nunca tive um emprego formal, com registro em carteira.
Uma das alternativas disponíveis é trabalhar para uma editora. Eu comecei como redatora, ganhando US$ 3,44 por página, valor que, para um romance padrão de 200 páginas, pode render US$ 688 por três semanas de trabalho. Posteriormente, eu me tornei tradutora --e recebi US$ 2.552 pelos três meses que passei traduzindo "O Grande Gatsby" para o português. Mais recentemente, eu ganhei US$ 1.144 para traduzir "As Aventuras de Alice no País das Maravilhas", que é cheio de trocadilhos e rimas intraduzíveis.
Mas há muitas outras maneiras de usar uma mente flexível. Durante uma década sobrevivendo como adulta, eu já corrigi legendas de filmes (especialmente aquelas traduzidas de idiomas que eu não falo, como polonês), reescrevi notícias relacionadas a fofocas sobre celebridades, produzi vários tipos de trabalhos escolares para alunos preguiçosos, criei peças publicitárias sobre sorvetes, respondi perguntas sentimentais em um site incorporando um persona russa e elaborei pequenos e engraçados questionários para um site de entretenimento.
Eu também escrevi um livro infantil sobre um menino que começa a estudar o próprio umbigo, o roteiro de uma história em quadrinhos sobre as máquinas de Rube Goldberg e vários artigos sobre temas que ninguém queria abordar. Por causa desses textos, eu fiz um curso de hipnose, participei de uma maratona de samba e conheci autores de palíndromos, escultores de melancia e o menor casal do mundo. Eu ainda viajei para a China duas vezes e aprendi sobre astronomia, depressão, distúrbios do sono, cuidados com tartarugas, sapateado e tristeza.
Essa última foi fácil: todo escritor brasileiro é especialista em tristeza.
(Vanessa Barbara, romancista e colunista do jornal brasileiro Folha de São Paulo, edita o site literário A Hortaliça.)
Tradutor: Cláudia Gonçalves