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O papa pecador está próximo de todos nós

23/09/2015 00h01

"Sou um pecador." Assim se definiu o papa Francisco durante uma entrevista à revista jesuítica "La Civilitá Cattolica" em 2013. E isso o aproxima de todos nós. Portanto, sejamos crentes ou não, o papa nos agrada.

Francisco, ao contrário de outros pontífices da Igreja Católica, não se apresenta como um ser superior e inatingível. "Apresentar o papa como uma espécie de Superman, como uma estrela, é algo ofensivo para mim", disse em outra entrevista ao jornal "Corriere della Sera" em 2014. Se é verdade que Deus fala através dele - um ato de fé para os católicos do mundo - é algo de que não se gaba.

Quando Jorge Bergoglio foi eleito papa, em 13 de março de 2013, eu estava na Índia e vi pela televisão o momento histórico. Primeiro latino-americano, primeiro jesuíta, primeiro líder da igreja cujo idioma materno é o espanhol. Mas quando saiu à Praça de São Pedro falou pouco, seus olhos ainda denotavam surpresa e parecia muito tímido. Era como se se perguntasse: o que estou fazendo aqui?

Logo soubemos que efetivamente se tratava de um papa diferente. Não quis viver no Palácio Apostólico, como a maioria dos papas desde o século 14, mas na Casa Santa Marta, austero recinto para hóspedes. Ele se desloca em Roma em um Ford Focus azul, não usa os ridículos sapatos vermelhos, não usa colete à prova de balas em público, abraça os fiéis na rua e tira selfies com adolescentes.

É o primeiro papa que concede entrevistas. A tradição assegura que o papa é infalível. Entretanto, Francisco não se preocupa em ser questionado. Por isso aceitou falar com uma revista jesuítica, com um jornal italiano e com os jornalistas da televisão Henrique Cymerman, Valentina Alazraki e David Muir.

Este é um papa que não teme equivocar-se e inclusive debater a inflexível doutrina da igreja. "Quem sou eu para julgar?", disse sobre os homossexuais à imprensa em seu voo de regresso do Brasil.

Mas esse é o problema do papa Francisco: sua humildade, sua simplicidade e sua sensibilidade não significam que vá modificar a fundo a doutrina católica para 1,2 bilhão de crentes. O papa Francisco não é um rebelde radical. Suas mudanças são só de estilo, não de substância.

O papa Francisco apoia a rápida e gratuita anulação de casamentos religiosos. Essa é uma mudança mínima. Também permitiu que divorciados e mulheres que abortaram se aproximem da igreja. Mas em sua viagem a Cuba e aos EUA não irá mais longe. Não quer. E não pode.

Apesar de se apresentar como um papa aberto a mudanças, Francisco se nega a permitir que mulheres exerçam o sacerdócio, se recusa a suspender o celibato dos padres, rejeita de forma contundente o casamento gay e o aborto e nem sequer aprovou o uso de anticoncepcionais. E em sua luta contra o abuso sexual dentro da igreja é verdade que o papa Francisco, ao contrário de seus dois antecessores - João Paulo 2º e Bento 16 -, impôs a política de tolerância zero aos sacerdotes pedófilos. Mas continua sendo muito morno e permissivo com bispos, arcebispos e cardeais que encobriram esses crimes contra crianças durante décadas. Muitos deles continuam em seus cargos. Assim é a justiça divina.

Apesar de tudo o que foi dito, são admiráveis a liberdade e a espontaneidade com que o papa Francisco fala. É algo que parece ter aprendido depois de sua difícil e dolorosa passagem como superior provincial da Companhia de Jesus na Argentina durante a guerra suja (1976-1983). Bergoglio, como muitos outros líderes religiosos da época, tentou ajudar em silêncio e em particular as vítimas da ditadura, mas não desafiou publicamente as autoridades. Essa experiência o marcou. Hoje parece não se precaver de nada.

"Tive de aprender com meus erros, porque na verdade cometi centenas de erros; erros e pecados", disse Bergoglio sobre sua experiência como líder religioso nessa época (em uma entrevista que Paul Vallely inclui seu livro sobre o papa).

Mas o papa também está vendo o futuro e se prepara para entregar o poder. Tem 78 anos, também ficou muito impressionado pela renúncia de Bento 16 e já procura quem o substitua.

Quem poderia ser? Dos 39 cardeais que designou durante seu papado, 24 não são europeus. Em um de seus poucos atos carentes de humildade, o papa pecador está procurando um sucessor muito parecido com ele. Por definição, não há pecador perfeito.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves