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Austeridade é sofrimento inútil e pode dificultar saída da crise na Europa

Polícia imobiliza manifestante em Madri em protesto contra medidas de austeridade tomadas pelo governo - Andres Kudacki/AP
Polícia imobiliza manifestante em Madri em protesto contra medidas de austeridade tomadas pelo governo Imagem: Andres Kudacki/AP

Paul Krugman

29/09/2012 00h00

Basta de complacência. Há poucos dias, o senso comum era de que a Europa finalmente tinha as coisas sob controle. O Banco Central Europeu, ao prometer comprar os títulos de governos com dificuldades se necessário, havia tranquilizado os mercados. Tudo o que as nações devedoras tinham que fazer, dizia a história, era concordar com uma austeridade maior e mais profunda – a condição para os empréstimos do banco central – e tudo correria bem.

Mas aqueles que difundem o senso comum esqueceram que há pessoas envolvidas. De repente, Espanha e Grécia estão sendo abaladas por greves e manifestações enormes. A população nesses países está, de fato, dizendo que chegou ao seu limite: com o desemprego nos níveis da Grande Depressão e com antigos trabalhadores da classe média reduzidos a procurar comida no lixo, a austeridade já foi longe demais. E isso significa que pode não haver um acordo no fim das contas.

Muitos comentários sugerem que os cidadãos da Espanha e da Grécia estão apenas adiando o inevitável, protestando contra sacrifícios que precisam, de fato, ser feitos. Mas a verdade é que os manifestantes estão certos. Mais austeridade não serve a um propósito útil. A verdadeira irracionalidade vem dos políticos e funcionários supostamente sérios e que exigem ainda mais sofrimento.

Considere as aflições da Espanha. Qual é o verdadeiro problema econômico? Basicamente, a Espanha está sofrendo a ressaca de uma enorme bolha imobiliária, que causou uma expansão econômica e um período de inflação que, por sua vez, acabaram com a competitividade da indústria espanhola em relação ao resto da Europa. Quando a bolha estourou, a Espanha se viu com o difícil problema de recuperar a competitividade, um processo doloroso que levará anos. A menos que a Espanha deixe o euro – um passo que ninguém quer dar –, estará condenada a anos de altas taxas de desemprego.

Mas este sofrimento possivelmente inevitável é ampliado imensamente por cortes de gastos drásticos; e esses cortes de gastos são um caso de causar sofrimento apenas para causar sofrimento.

Em primeiro lugar, a Espanha não entrou em crise porque seu governo foi perdulário. Pelo contrário, na véspera da crise, a Espanha na verdade estava com um excedente orçamentário e dívida baixa. Os grandes déficits surgiram quando a economia despencou, levando junto os rendimentos, mas, mesmo assim, a Espanha não parece ter uma carga tão pesada de dívida.

É verdade que agora a Espanha está com problemas para emprestar dinheiro para financiar suas dívidas. No entanto, isso se dá principalmente por causa dos temores quanto às dificuldades mais amplas do país – sobretudo o medo de turbulência política diante do desemprego altíssimo. E cortar alguns pontos do déficit orçamentário não vai resolver esses temores. De fato, uma pesquisa do Fundo Monetário Internacional sugere que os cortes de gastos em economias profundamente deprimidas podem, na verdade, reduzir a confiança dos investidores porque aceleram o ritmo do declínio econômico.

Em outras palavras, a economia pura e simples da situação sugere que a Espanha não precisa de mais austeridade. Ela não deve fazer festa, e, de fato, não tem alternativa (exceto a saída do euro) para um período prolongado de tempos difíceis. Mas cortes brutais nos serviços públicos essenciais, para ajudar os necessitados e assim por diante, de fato prejudicarão as perspectivas do país para um ajuste bem sucedido.

Por que, então, há demandas para mais sacrifícios?

Parte da explicação é que, na Europa, assim como nos EUA, um número exagerado de “pessoas muito sérias” têm sido tomadas pelo culto à austeridade, pela crença de que os déficits orçamentários, e não o desemprego em massa, são o verdadeiro perigo, claro e presente, e que a redução dos déficits de certa forma resolverá um problema causado pelo excesso do setor privado.

Além disso, uma parcela significativa da opinião pública no cerne da Europa – acima de tudo, na Alemanha – está profundamente comprometida com uma visão falsa da situação. Converse com autoridades alemãs e elas vão retratar a crise do euro como uma questão de moral, uma história dos países que esbanjaram e agora enfrentam o acerto de contas inevitável. Não importa o fato de que não foi nada disso que aconteceu – e o fato igualmente inconveniente de que os bancos alemães foram em grande parte responsáveis por inflar a bolha imobiliária espanhola. O pecado e suas consequências é a história que eles contam, e estão se agarrando a ela.

Pior ainda, é nisso que muitos eleitores alemães acreditam, em grande parte porque foi o que os políticos lhes disseram. E o medo de uma reação de eleitores que acreditam, erroneamente, que estão sendo prejudicados pelas consequências da irresponsabilidade do sul da Europa faz com que os políticos alemães não queiram aprovar empréstimos de emergência essenciais para a Espanha e outras nações problemáticas a menos que os devedores sejam punidos primeiro.

É claro, não é desta forma que essas demandas são retratadas. Mas é a isso que acabam se resumindo. E já passou da hora de acabar com a este absurdo cruel.

Se a Alemanha quiser de fato salvar o euro, deve deixar o Banco Central Europeu fazer o que for necessário para resgatar os países devedores – e deve fazer isso sem exigir mais sofrimento inútil.