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Guerra de classes sociais nos EUA não acabou

Paul Krugman

01/12/2012 00h01

No dia da eleição, noticiou o “Boston Globe”, o Aeroporto Internacional Logan de Boston estava sem local para estacionamento. Não para carros, mas para jatos particulares. Grandes doadores estavam chegando à cidade para participar da festa da vitória de Mitt Romney.

Depois constatou-se que ele estavam desinformados sobre a realidade política. Mas os plutocratas decepcionados não estavam errados sobre quem estava do lado deles. Essa foi uma eleição que colocou os interesses dos muito ricos contra os da classe média e pobre.

E a campanha de Obama venceu em grande parte por desprezar os alertas dos “centristas” medrosos e abraçar a realidade, destacando o aspecto de guerra de classes do confronto. Isso assegurou que o presidente Barack Obama vencesse não apenas por grande margem entre os eleitores de renda mais baixa, mas também pelo comparecimento em grande número desses eleitores para votar, selando sua vitória.

O importante agora é entender que apesar da eleição ter acabado, a guerra de classes não acabou. As mesmas pessoas que apostaram alto em Romney, e perderam, agora estão tentando conquistar de modo sorrateiro –em nome da responsabilidade fiscal– o terreno que não conseguiram conquistar na eleição.

Antes disso, uma palavra sobre a eleição em si. Obviamente, o interesse econômico próprio míope não explica tudo sobre como indivíduos, ou mesmo grandes grupos demográficos, votam. Os ásio-americanos são um grupo relativamente de alta renda, mas votaram em Obama em uma proporção de 3 para 1. Os brancos no Mississippi, por outro lado, não são especialmente abastados, mas Obama recebeu apenas 10% de seus votos.

Mas essas anomalias não bastam para mudar o padrão geral. Enquanto isso, os democratas parecem ter neutralizado a vantagem republicana tradicional em questões sociais, de modo que a eleição foi realmente um referendo sobre a política econômica. E o que os eleitores disseram, claramente, foi não para os cortes de impostos para os ricos, não para as reduções de benefícios para a classe média e para os pobres. Então o que um guerreiro das guerras de classes rico deve fazer?

A resposta, como já sugeri, é agir de modo sorrateiro –contrabandear políticas boas para os plutocratas sob a fachada de serem apenas respostas sensíveis ao déficit orçamentário.

Considere, como um grande exemplo, o esforço para aumentar a idade da aposentadoria, a idade para ter direito ao Medicare (o seguro-saúde público para idosos e inválidos) ou ambos. Isso nos é dito como sendo algo razoável –afinal, a expectativa de vida aumentou, logo, todos não devemos nos aposentar mais tarde? Na verdade, essa seria uma mudança de política altamente regressiva, impondo fardos severos sobre os americanos de baixa e média renda, mas pouco afetando os ricos. Por quê? Primeiro, o aumento da expectativa de vida é concentrado entre os ricos; por que faxineiros devem se aposentar mais tarde porque advogados estão vivendo mais? Segundo, tanto o Seguro Social quanto o Medicare são muito mais importantes, em relação à renda, para os americanos menos ricos, de modo que adiar sua disponibilidade seria um golpe muito mais duro para as famílias comuns do que para o 1% no topo.

Ou veja um exemplo mais sutil, a insistência de que qualquer aumento de receita deve vir de limitação às deduções, não de impostos mais altos. O principal aqui é perceber que a matemática simplesmente não bate; não há como uma limitação às deduções elevar tanto a receita proveniente dos ricos quanto simplesmente deixar as partes relevantes dos cortes de impostos da era Bush expirarem. Assim, qualquer proposta para evitar um aumento de alíquota de impostos é, independente do que seus proponentes possam dizer, uma proposta que livrará a cara de 1% e transferirá o fardo, de um jeito ou de outro, para a classe média e para os pobres.

O ponto é que a guerra de classes continua, desta vez com a adição de uma dose de dissimulação. E isso, por sua vez, significa que você precisa olhar atentamente para qualquer proposta que venha dos suspeitos habituais, mesmo –ou especialmente– se a proposta for representada como sendo uma solução bipartidária, de bom senso. Em particular, sempre que os grupos que censuram o déficit falem sobre “sacrifício compartilhado”, é preciso perguntar, sacrifício em relação ao quê?

Como leitores regulares podem saber, eu não sou fã do relatório Bowles-Simpson para redução do déficit, que apresentava um plano mal projetado que, por algum motivo, obteve status quase sagrado entre a elite de Washington. Mesmo assim, ao menos se pode dizer isto sobre Bowles-Simpson: quando ele falava sobre sacrifício compartilhado, ele partia de uma base que já presumia o fim dos cortes de impostos de Bush para os ricos. A esta altura, entretanto, praticamente todos aqueles que censuram o déficit parecem querer que consideremos a expiração desses cortes –que foram vendidos sob falsos pretextos e com os quais não podíamos arcar– como uma espécie de grande contribuição pelos ricos. Não é.

Logo, fique atento, pois o jogo fiscal continua. É uma verdade desconfortável, mas real, que não estamos todos juntos nisso; os guerreiros de classes ricos da América perderam feio a eleição, mas agora estão tentando usar o pretexto de preocupação com o déficit para arrancar uma vitória das garras da derrota. Não vamos deixar que consigam.