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O esquema não está mais funcionando

Paul Krugman

14/06/2014 00h08

Quão importante é a derrota surpreendente nas primárias do deputado Eric Cantor, o líder da maioria da Câmara dos Estados Unidos? Muito. O movimento conservador, que dominou a política americana da eleição de Ronald Reagan até a eleição de Barack Obama – que muitos comentaristas achavam que voltaria com força neste ano – está se desfazendo diante de nossos olhos.

Eu não estou dizendo que o conservadorismo em geral está morrendo. Mas o que eu e outros queremos dizer com "movimento conservador", um termo que acho que aprendi com o historiador Rick Perlstein, é algo mais específico: um conjunto entrelaçado de instituições e alianças que vence eleições instigando ansiedade cultural e racial, e usando essas vitórias para promover uma agenda econômica elitista, fornecendo ao mesmo tempo uma rede de apoio para seguidores políticos e ideológicos leais.

Ao rejeitar Cantor, a base republicana mostrou que aprendeu a reconhecer a propaganda enganosa e, com sua queda, Cantor mostrou que a rede de apoio não pode mais garantir seu emprego. Por cerca de três décadas, o esquema conservador funcionou; mas não mais.

Para entender o que quero dizer com propaganda enganosa, pense no que aconteceu em 2004. George W. Bush conquistou a reeleição posando como campeão da segurança nacional e dos valores tradicionais – ou como gosto de dizer, ele concorreu como o defensor da América contra os terroristas do casamento gay – e então se voltou imediatamente para sua verdadeira prioridade: privatizar o Seguro Social. Foi a ilustração perfeita da estratégia descrita famosamente no livro de Thomas Frank, "What's the Matter With Kansas?", na qual os republicanos mobilizam os eleitores em questões sociais, mas invariavelmente servem após a eleição aos interesses das grandes empresas e do 1% mais rico.

Em troca desse serviço, as grandes empresas e os ricos forneciam tanto generoso apoio financeiro aos políticos quanto uma rede de segurança para seus apoiadores leais. Em particular, sempre houve empregos confortáveis à espera daqueles que deixavam seus cargos, voluntariamente ou não. Eram empregos como lobistas, como comentaristas na "Fox News" e em outros lugares (dois ex-redatores de Bush são atualmente colunistas no "Washington Post") ou como "pesquisadores" (após perder sua cadeira no Senado, Rick Santorum se tornou diretor do programa "Inimigos da América" em um centro de estudos apoiado pelos irmãos Koch, entre outros).

A combinação de uma estratégia eleitoral bem-sucedida e da rede de segurança fez com que ser um conservador leal se tornasse uma opção profissional de baixo risco. A causa era radical, mas as pessoas que ela recrutava tendiam a ser cada vez mais motivados pelo carreirismo do que por convicção.

Certamente foi essa a impressão deixada por Cantor. Eu nunca ouvi ele ser descrito como inspirador. Sua retórica política era sórdida, mas de pouca energia, muitas vezes fora de tom. Alguém poderia lembrar, por exemplo, que em 2012 ele optou por comemorar o Dia do Trabalho com uma postagem no Twitter homenageando empresários. Mas ele evidentemente era muito bom no jogo interno.

Agora, aparentemente, isso só não basta. Nós não sabemos exatamente por que ele perdeu sua primária, mas parece claro que os eleitores da base republicana não mais confiam que ele defenderá as prioridades dela em vez dos interesses empresariais (e provavelmente está certa). E a questão específica que pesou mais, a imigração, por acaso também é aquela onde a divergência entre a base e a elite do partido é maior. Não se trata apenas da elite acreditar que precisa atrair os latinos, que a base odeia. Também há o conflito inerente entre o nativismo da base e o desejo das empresas por mão de obra barata e abundante.

E apesar de que Cantor não passará fome – ele certamente encontrará um espaço confortável na K Street – a humilhação de sua queda é um alerta de que se tornar um carreirista conservador não é a mesma opção segura de antes.

O movimento conservador vai murchar? Antes do resultado eleitoral na Virgínia, havia uma ampla narrativa na mídia sobre o establishment republicano estar tomando o controle do Tea Party (movimento radical republicano), o que significava que o bom movimento conservador à moda antiga estava de volta. Na verdade, entretanto, as figuras do establishment que estavam vencendo as primárias estavam conseguindo isso reinventando a si mesmas como extremistas. E a derrota de Cantor mostra que ser extremista da boca para fora não basta; a base precisa acreditar que você fala sério.

A longo prazo, provavelmente a partir de 2016, isso será uma má notícia para o Partido Republicano, porque o partido está se deslocando para a direita em questões sociais enquanto o país de modo geral está se movendo para a esquerda (pense em quão rapidamente tudo mudou em relação ao casamento gay). Enquanto isso, nós estamos olhando para um partido que será ainda mais extremista, menos interessado em participar de uma governança normal, do que vinha sendo desde 2008. Uma cena política feia está prestes a se tornar ainda mais feia.

Tradução: George El Khouri Andolfato