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Para republicanos, desemprego é culpa dos 'preguiçosos' desempregados

Apenas 26% dos desempregados recebem algum tipo de benefício atualmente nos Estados Unidos; na foto, homem procura por emprego em feira para veteranos - David Goldman/AP
Apenas 26% dos desempregados recebem algum tipo de benefício atualmente nos Estados Unidos; na foto, homem procura por emprego em feira para veteranos Imagem: David Goldman/AP

Paul Krugman

23/09/2014 00h05

Na semana passada, John Boehner, o presidente da Câmara, explicou para uma plateia no Instituto da Empresa Americana qual era o obstáculo para o emprego nos Estados Unidos: preguiça. Segundo ele, as pessoas têm "essa ideia" de que "eu realmente não preciso trabalhar. Eu realmente não quero fazer isso. Eu acho melhor apenas ficar sentado por aí". Santos 47%, Batman!

Essa está longe de ser a primeira vez que um conservador proeminente diz algo assim. Desde que a crise financeira nos lançou em uma recessão, tem sido um refrão ininterrupto da direita que os desempregados não estão se esforçando, que eles estão aceitando tranquilamente graças aos benefícios generosos para desempregados, que são constantemente caracterizados como "pagamento para pessoas não trabalharem". E o impulso de culpar as vítimas de uma economia deprimida provou ser imune à lógica e evidências.

Mas mesmo assim é surpreendente --e revelador-- ouvir isso sendo repetido agora. Pois o pessoal que gosta de culpar as vítimas conseguiu tudo o que queria: os benefícios, especialmente para os há muito tempo desempregados, foram reduzidos ou cortados. De modo que agora temos críticas aos vagabundos que dependem do bem-estar social quando eles não são vagabundos --nunca foram-- e quando não há mais bem-estar social. Por quê?


Antes é preciso que algo seja dito: eu não sei quantas pessoas percebem quão bem-sucedida foi a campanha contra qualquer tipo de ajuda a aqueles que não conseguem encontrar emprego. Mas é um quadro impressionante. O mercado de trabalho melhorou recentemente, mas ainda existem quase 3 milhões de americanos que não conseguem trabalho há mais de seis meses, a duração máxima habitual do seguro-desemprego. Isso é quase três vezes o total pré-recessão. Mas para aqueles que estão desempregados há muito tempo a prorrogação dos benefícios foi eliminada --e em alguns Estados a duração dos benefícios foi reduzida ainda mais.

O resultado é que a maioria dos desempregados foi excluída. Apenas 26% dos americanos desempregados estão recebendo algum tipo de benefício por desemprego, o nível mais baixo em muitas décadas. O valor total de benefícios por desemprego é de menos de 0,25% do PIB, metade do que era em 2003, quando a taxa de desemprego era aproximadamente a mesma que agora. Não é exagero dizer que os Estados Unidos abandonaram seus cidadãos sem trabalho.

O curioso é que esse surto de conservadorismo anticompassivo não produziu um aumento da geração de empregos. Na verdade, toda a proposição de que crueldade é a chave para a prosperidade não tem se saído muito bem ultimamente. Na semana passada, Nathan Deal, o governador republicano da Geórgia, se queixou de que muitos Estados com governadores republicanos tiveram um aumento do desemprego e sugeriu que os federais estavam manipulando os números. Quem sabe não sejam as políticas preferidas da direita que não funcionem?

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Mas isso é um assunto para outra coluna. Minha questão para hoje é uma de psicologia e política: por que há tamanha animosidade contra os desempregados, uma convicção tão forte de que estão escapando impunes com algo, em um momento em que estão na verdade sendo tratados com uma severidade sem precedente?

Como qualquer pessoa que estudou as políticas britânicas durante a fome irlandesa sabe, a crueldade hipócrita com vítimas de desastre, especialmente quando o desastre continua por um período prolongado, é comum na história. Entretanto, os republicanos nem sempre foram assim. Nos anos 30, eles condenaram o New Deal e pediram por soluções de livre mercado --mas quando Alf Landon aceitou a indicação para disputar a presidência em 1936, ele também enfatizou o "dever" de "cuidar dos desempregados até que ocorra a recuperação". Você consegue imaginar ouvir algo semelhante por parte do Partido Republicano atualmente?

Será racismo? Essa sempre é uma hipótese que vale a pena ser considerar na política americana. É verdade que a maioria dos desempregados é branca e corresponde a um percentual muito maior daqueles que recebem benefícios por desemprego. Mas os conservadores podem não saber disso, tratando os desempregados como parte do pessoal vagamente definido, de pele escura, de "aproveitadores".

Meu palpite, entretanto, é que se deve principalmente ao círculo fechado de informação da direita moderna. Em uma nação onde a base republicana obtém o que considera como fatos da "Fox News" e de Rush Limbaugh, onde a elite do partido obtém o que imagina ser uma análise de políticas do Instituto da Empresa Americana ou da Fundação Heritage, a direita vive em seu próprio universo intelectual, ciente nem da realidade do desemprego e nem de como é a vida para os desempregados. Você poderia achar que a experiência pessoal --quase todo mundo tem conhecidos ou parentes que não conseguem encontrar trabalho-- poderia romper essa barreira, mas aparentemente não.

Seja qual for a explicação, Boehner estava claramente dizendo o que ele e todo mundo à sua volta realmente pensa, o que dizem uns aos outros quando não esperam que outros estejam ouvindo. Alguns conservadores estão tentando reinventar sua imagem, se dizendo solidários com os menos afortunados. Mas o que o partido deles realmente acredita é que se você é pobre ou desempregado, a culpa é sua.

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