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Nossos ricos invisíveis

Mesmo as maiores celebridades americanas, como Robert Downey Jr., o ator mais bem pago no país no ano passado, ganham muito menos do que os barões financeiros - Hannah Yoon/AP Photo/The Canadian Press
Mesmo as maiores celebridades americanas, como Robert Downey Jr., o ator mais bem pago no país no ano passado, ganham muito menos do que os barões financeiros Imagem: Hannah Yoon/AP Photo/The Canadian Press

Paul Krugman

30/09/2014 00h05

Meio século atrás, um ensaio clássico na revista “The New Yorker”, intitulado “Nossos pobres invisíveis”, tratou do mito então predominante de que os EUA eram uma sociedade afluente, com apenas alguns “bolsões de pobreza”. Para muitos, os fatos sobre a pobreza surgiram como uma revelação, e o artigo de Dwight Macdonald sem dúvida fez mais do que qualquer outro para preparar o terreno para a guerra de Lyndon Johnson contra a pobreza.

Eu não acho que os pobres são invisíveis hoje, apesar de às vezes ouvirmos afirmações de que eles não estão realmente vivendo na pobreza –afinal, alguns deles têm até Xbox! Em vez disso, nos dias de hoje, os invisíveis são os ricos.

Mas espere - não é verdade que a metade da nossa programação de TV é dedicada ao retrato dos estilos de vida reais ou imaginárias dos ricos e famosos? Sim, mas essa é a cultura da celebridade, e isso não significa que o público tenha uma boa noção de quem são os ricos ou quanto dinheiro eles ganham. Na verdade, a maioria dos americanos não tem ideia do quão desigual nossa sociedade se tornou.

A mais recente evidência nesse sentido foi uma pesquisa que perguntou às pessoas em vários países o quanto elas achavam que os altos executivos das grandes empresas ganhavam em relação aos trabalhadores não qualificados. Nos Estados Unidos, o entrevistado médio acreditava que os executivos ganhavam cerca de 30 vezes mais do que os seus empregados, o que era mais ou menos verdade nos anos 60. Entretanto, desde então, essa diferença aumentou, de modo que hoje os executivos ganham algo em torno de 300 vezes mais do que os trabalhadores comuns.

Assim, os americanos não têm ideia do quanto recebem os Mestres do Universo, uma descoberta muito em linha com as evidências de que os americanos subestimam enormemente a concentração de riqueza no topo.

Este é apenas um reflexo da ignorância da plebe? Não - os supostamente bem informados muitas vezes parecem comparativamente fora da realidade. Até o movimento ‘Ocupem’ fazer com que o “1 por cento” se tornasse uma frase de efeito, era muito comum ouvir especialistas proeminentes e políticos falarem sobre a desigualdade como se fosse principalmente entre os graduados e os menos instruídos, ou os 5% do topo em relação a 80% da população.

E até mesmo 1% é uma categoria muito ampla; os ganhos realmente grandes foram para uma elite ainda menor. Por exemplo, estimativas recentes indicam que não apenas uma parte maior da riqueza total foi para o topo - passando de 25% da riqueza total em 1973 para 40% hoje - mas que a maior parte desse aumento ocorreu no 0,1% superior, ou seja, a milésima parte mais rica dos americanos.

Então, como as pessoas podem não estar cientes desse desdobramento, ou pelo menos de sua escala? A principal resposta, sugiro, é que os verdadeiramente ricos estão tão distantes da vida comum das pessoas que nunca vemos o que eles têm. Podemos notar e nos incomodar com jovens universitários dirigindo carros de luxo; mas não vemos os gestores de fundos fazendo o trajeto de helicóptero para suas mansões imensas nos Hamptons. Os que comandam nossa economia são invisíveis porque estão perdidos nas nuvens.

As exceções são as celebridades, que vivem suas vidas em público. E aqueles que defendem a extrema desigualdade quase sempre invocam os exemplos das estrelas do cinema ou do esporte. Mas as celebridades compõem apenas uma pequena fração dos ricos, e até mesmo as maiores estrelas ganham muito menos do que os barões financeiros que realmente dominam o estrato superior. Por exemplo, de acordo com a "Forbes", Robert Downey Jr. é o ator mais bem pago nos EUA, tendo recebido US$ 75 milhões (em torno de R$ 200 milhões) no ano passado. De acordo com a mesma publicação, em 2013, os 25 maiores gestores de fundos hedge levaram para casa, em média, quase US$ 1 bilhão cada.

Será que importa a invisibilidade dos muito ricos? Não importa muito politicamente. Os especialistas às vezes me perguntam por que os eleitores americanos não se preocupam mais com a questão da desigualdade. Parte da resposta é que eles não percebem sua gravidade. E os defensores dos super-ricos se aproveitam dessa ignorância. Quando a Fundação Heritage nos diz que os 10% do topo estão cruelmente sobrecarregados, porque eles pagam 68% de imposto de renda, ela espera que você não note a palavra “renda” - pois os outros impostos, como o imposto sobre os salários, são muito menos progressivos. Mas também espera que você não saiba que os 10% recebem quase a metade de toda a renda e possuem 75% da riqueza do país, o que torna o seu fardo muito menos desproporcional.

A maioria dos americanos diz que a desigualdade é muito alta, e algo deve ser feito sobre isso - há um apoio esmagador para um aumento do salário mínimo, e a maioria favorece o aumento dos impostos no topo. Mas, pelo menos até agora, enfrentar a desigualdade extrema não tem sido um problema vencedor de eleições. Talvez isso fosse verdade mesmo que os americanos conhecessem os fatos sobre a nossa nova Era Dourada. Mas nós não sabemos disso. O equilíbrio político de hoje repousa sobre uma base de ignorância, na qual o público não tem a menor ideia do que é a nossa sociedade realmente.