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Filósofo Michael Sandel, da Universidade de Harvard, causa furor na China

Thomas L. Friedman

16/06/2011 00h01

Você provavelmente perdeu a edição especial da “Newsweek” sobre a China, então me permita uma atualização. Quem você acha que esteve na capa –chamado de “o estrangeiro mais influente” do ano na China? Barack Obama? Não. Bill Gates? Não. Warren Buffett? Não. Ok, vou dar uma pista. Ele é como um astro do rock na Ásia e pessoas na China, Japão e Coreia do Sul compram ingressos com ágio para ouvi-lo. Desistiu?

É Michael J. Sandel, o filósofo político da Universidade de Harvard.

Essa notícia não surpreende os estudantes de Harvard, os aproximadamente 15 mil que frequentaram o lendário curso “Justiça” de Sandel. O que torna o curso tão atraente é a forma como Sandel usa exemplos da vida real para ilustrar filosofias de pensadores como Aristóteles, Immanuel Kant e John Stuart Mill.

Sandel, 58 anos, começa fazendo uma pergunta, tipo, “É justo David Letterman ganhar 700 vezes mais do que um professor escolar?” ou “Nós somos moralmente responsáveis por corrigir os erros da geração de nossos avós?”

Os alunos oferecem respostas concorrentes, desafiam uns aos outros na sala, debatem com os filósofos –e aprendem a arte da argumentação moral racional no processo.

Além de ser educativo, as aulas equivalem a um grande teatro –de modo que Harvard e a “WGBH” (a retransmissora da “PBS” em Boston) as filmaram e criaram uma série para a televisão pública que foi exibida em todo o país em 2009. A série, atualmente disponível gratuitamente online (em www.JusticeHarvard.org), começou a provocar interesse em novos lugares surpreendentes.

No ano passado, a emissora “NHK World TV” do Japão exibiu uma versão traduzida da série da “PBS”, que provocou uma febre de filosofia no Japão e levou a Universidade de Tóquio a criar um curso baseado no de Sandel. Na China, tradutores voluntários legendaram as aulas e as disponibilizaram em sites chineses, onde têm atraído milhões de espectadores. O recente livro de Sandel –“Justice: What’s the Right Thing to Do?”– vendeu mais de um milhão de exemplares apenas no Leste Asiático. Este é um livro sobre filosofia moral, pessoal!

Aqui está o “The Japan Times” descrevendo a visita de Sandel em 2010: “Poucos filósofos são comparados a astros do rock ou celebridades da TV, mas esse é o tipo de popularidade que Michael Sandel desfruta no Japão”. Em uma recente palestra em Tóquio, “longas filas se formaram do lado de fora quase uma hora antes do início do evento noturno. A demanda era tão grande pelos ingressos, que eram gratuitos e distribuídos por uma loteria realizada com antecedência, que um teria sido colocado à venda na Internet por US$ 500”. Sandel iniciou a palestra perguntando: “O trabalho de cambista é justo ou injusto?”

Mas o que é mais intrigante é a recepção que Sandel (um amigo próximo) recebeu na China. Ele acabou de concluir uma turnê de divulgação de livro e palestras nas universidades de Tsinghua e Fudan, onde os alunos começaram a disputar lugares com horas de antecedência. Neste semestre, Tsinghua deu início a um curso chamado “Pensamento Crítico e Raciocínio Moral” baseado no curso de Sandel. Sua visita recebeu cobertura do noticiário da noite.

A popularidade de Sandel na Ásia reflete o cruzamento de três tendências. Uma é o crescimento do ensino online, onde estudantes de toda parte atualmente podem ter acesso aos melhores professores de qualquer lugar. Outra é o anseio da Ásia por um estilo de ensino criativo, baseado em discussão, visando produzir alunos mais criativos, inovadores. E a última é a avidez dos jovens em participar de debates e discussões morais, em vez de ter seu ensino confinado a aspectos técnicos secos de economia, administração e engenharia.

Em Tsinghua e Fudan, Sandel desafiou os estudantes com uma série de casos sobre justiça e mercados: é justo aumentar o preço das pás de neve após uma nevasca? E quanto a leiloar as matrículas universitárias para quem pagar mais? “O desejo de livre mercado é surpreendentemente alto”, disse Sandel, “mas alguns estudantes argumentam que mercados irrestritos criam desigualdade e discórdia social”.

O método de ensino de Sandel, baseado na discussão, “é tanto refrescante quanto relevante no contexto da China”, explicou por e-mail o reitor Qian Yingyi, da Escola de Economia e Administração de Tsinghua. Refrescante por causa do estilo e relevante porque “o pensamento filosófico entre os chineses é principalmente instrumentalista e materialista”, em parte devido à “obsessão contemporânea com o desenvolvimento econômico da China”.

A decisão de Tsinghua de oferecer uma versão do curso de Sandel, acrescentou Qian, “é parte de um grande experimento de reforma do ensino atualmente em andamento em nossa escola. (...) Não se trata de apenas um curso; é o início de uma era”.

Sandel está tocando em algo profundo tanto em Boston quanto em Pequim. “Estudantes de toda parte está ávidos por discussão das grandes questões éticas que confrontamos em nossas vidas cotidianas”, argumenta Sandel. “Nos últimos anos, questões econômicas aparentemente técnicas empurraram de lado as questões de justiça e do bem comum. Eu acho que há um sentimento crescente, em muitas sociedades, de que o PIB e os valores de mercado não produzem sozinhos felicidade, nem uma boa sociedade. Meu sonho é criar uma sala de aula global ligada por vídeo, conectando estudantes de várias culturas e nações –para pensarem juntos estas questões morais difíceis, para ver o que podemos aprender uns com os outros.”