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Estacionando no ártico

Joshua Davies/AP
Imagem: Joshua Davies/AP

02/04/2014 00h01

A bordo do submarino USS New Mexico, no Ártico, eu nunca pensei que conseguiria ver como é uma calota polar do Ártico de baixo para cima.

É uma coisa bastante impressionante: blocos de gelo azul caindo ao redor de um mar gelado, em meio a estalactites de gelo gigantes. Eu pude ter essa visão única na semana passada, enquanto emergia em meio ao Círculo Polar Ártico a bordo do USS New Mexico, um submarino de ataque.

Eu passei a noite no submarino como parte de um grupo que estava acompanhando o almirante Jonathan Greenert, chefe de operações navais dos Estados Unidos, cuja tarefa era observar um exercício submarino de guerra da Marinha norte-americana no Ártico.

Nós voamos para o Ártico em um pequeno avião e pousamos em uma pista de neve da estação de pesquisa no gelo Nautilus, da Marinha dos EUA, localizada a aproximadamente 240 quilômetros ao norte de North Slope, no Alasca.

Quando chegamos lá, o New Mexico, que estava patrulhando as águas abaixo da superfície, já tinha encontrado uma abertura coberta por uma fina camada de gelo e água lamacenta. O submarino usou sua torre de comando para perfurar o gelo e alcançar a superfície. Em seguida, o New Mexico “estacionou paralelamente”, como descreveu um membro da tripulação, entre duas ilhas flutuantes de gelo espesso e nos pegou.

À medida que mergulhávamos na água, a câmera instalada na parte superior do submarino (que foi especialmente posicionada para viagens sob o gelo, quando não é possível erguer o periscópio) exibiu todo o gelo que havia se formado em torno do submarino nas poucas horas que a embarcação passou na superfície – gelo que, em seguida, se quebrou em pedaços enormes à medida que submergíamos.

Com os comandantes do submarino constantemente verificando o sonar e a câmera – e berrando velocidades e direções para os dois pilotos responsáveis pela condução da embarcação, que usavam um joystick e mapas digitais que brilhavam no escuro da sala de controle –, nós submergimos suavemente.

A intenção era evitar as quilhas de gelo, que são florestas de estalactites de gelo que se estendem abaixo da superfície mais espessa da geleira, em meio às águas árticas.

Assim que descemos cerca de 120 metros em segurança, seguimos no nosso caminho. Observar esses oficiais manobrando um submarino nuclear de oito mil toneladas e 115 metros de comprimento através das instáveis ilhas de gelo do Ártico foi uma experiência de tirar o fôlego e de prender a respiração – e, posteriormente, nós retornamos à superfície da mesma maneira.

Mas não estávamos fazendo turismo. Os cientistas que estudam o clima da Terra preveem que, se as tendências de aquecimento do planeta se mantiverem, a calota de gelo do Ártico vai derreter o suficiente para que – ainda neste século – a região se transforme em um oceano navegável para o transporte comercial durante o ano inteiro, além da exploração de petróleo e de minerais.

A Rússia já reivindicou extensas regiões do Ártico com base no alcance de sua plataforma continental – faixas que vão além dos regulamentares 20 km de sua costa marítima territorial.

Esses territórios estão sendo disputados atualmente. Para se preparar para o que quer venha ocorrer por aqui, no entanto, a Marinha dos EUA continua aprimorando suas habilidades em navegação submarina no Ártico, o que incluiu, durante a nossa viagem, o disparo de um torpedo virtual contra um submarino inimigo também virtual para estudar como as diferenças na temperatura da água e na mistura de água doce (proveniente de gelo derretido) com água salgada afeta as armas submarinas e os sons que esse tipo de embarcação emite (detalhes vitais para saber como se esconder no ambiente submarino), bem como para mapear a topografia do fundo do mar Ártico.


“Durante a nossa geração, uma região que [na realidade] fazia parte da terra firme e era impossível de navegar ou de explorar está se tornando um oceano, e é melhor que sejamos capazes de compreendê-la”, disse Greenert.

“Nós precisamos ter certeza de que nossos sensores, armas e pessoas são competentes para operar nesta parte do mundo” para que possamos “dominar o reino submarino e alcançar qualquer parte dele”.

Pois, se o Ártico se abrir para o transporte marítimo, ele oferecerá uma rota muito mais curta entre o Atlântico e o Pacífico do que aquela que passa pelo Canal do Panamá, permitindo uma economia enorme de tempo e combustível.

Nós aprendemos muito em uma viagem como essa. Por exemplo: fiquei sabendo que não sou claustrofóbico. Eu sei disso porque tive que dormir na cama do meio, entre duas outras camas. Esses leitos do submarino foram apropriadamente batizados de caixões.

Mas, mais importante do que isso: nós aprendemos o quão crucial é a acústica quando se opera a vários metros de profundidade sob o gelo, sem nenhuma visibilidade nem GPS alimentado por satélite para guiá-lo.

Ou, como disse Todd Moore, 40, capitão do New Mexico: é como se todos os dias “nós nos envolvêssemos em uma briga de faca em um quarto escuro. A única coisa que podemos fazer é nos guiar pelos sons”.

Não é possível visualizar o adversário. Não é possível visualizar as quilhas de gelo, mas é possível ouvir os submarinos inimigos, ouvir os navios de superfície, as baleias, os icebergs nascentes, os cardumes de peixes e rebater as ondas sonoras neles usando o sonar para medir as distâncias.

O New Mexico não só é equipado com um sonar supersensível como também carrega um ouvido eletrônico gigante, que é rebocado pela embarcação, se mantendo cerca de 300 metros atrás dele.

Esse ouvido eletrônico é capaz de ouvir o mar sem a interferência do ruído do motor do próprio submarino.

“Nós podemos ouvir os camarões estalando na frigideira a 60 metros abaixo da superfície”, explicou o tenente-comandante Craig Litty.

A tripulação do New Mexico também pode ouvir se uma chave inglesa cai na sala de máquinas de um submarino russo localizado a vários quilômetros de distância.

Você certamente aprende o quão autossuficiente é um submarino em uma viagem como essa. O New Mexico repara suas próprias peças quebradas, dessalga sua própria água potável, gera sua própria energia nuclear e produz seu próprio ar ao purificar a água, carregá-la com eletricidade, separar o H2O em hidrogênio e oxigênio e, em seguida, descartar o hidrogênio e fazer o oxigênio circular na embarcação. 

As únicas coisas que restringem o período de permanência do submarino debaixo d'água são sua capacidade de armazenamento de alimentos e a sanidade mental da tripulação de 130 pessoas. Passar 90 dias debaixo d'água não é nenhum problema para o New Mexico.

Minha impressão mais marcante, no entanto, foi experimentar algo que observamos muito pouco em terra atualmente: a “excelência”. Você está dentro de um tubo submarino pressurizado feito de aço.

Se alguém gira um botão da maneira errada no reator ou deixa alguma abertura de ventilação aberta, isso pode significar a morte de todos. Isso produz uma cultura única entre os tripulantes deste submarino, a maioria deles com 20 e poucos anos.

Como diz um oficial: “você se torna viciado em integridade”. A tolerância para com aqueles que ocultam qualquer tipo de erro é zero. O senso de responsabilidade mútua é palpável aqui no New Mexico.

E é por isso, disse o almirante Joseph Tofalo, diretor de operações de guerra submarina da Marinha dos EUA e que também participou da viagem, que “não há nenhum teste de múltipla escolha para aqueles que desejam operar o reator nuclear do submarino”.

Se você quiser ser certificado para executar qualquer um dos principais sistemas desse navio, acrescentou ele, “todos os exames são orais e por escrito para comprovar a competência dos candidatos”.

Tarde da noite, eu estava tomando café na sala dos oficiais e um oficial júnior, Jeremy Ball, 27, me perguntou se eu poderia ficar para a Páscoa. Ele e dois outros marinheiros judeus estavam organizando o Seder.

O capitão e vários outros marinheiros não judeus disseram que ficariam felizes em participar, mas que ainda havia espaço para mim. Ball disse que ele estava armazenando “um peito bovino no freezer” para o feriado e que iria comprar matzo assim que eles subissem até a superfície no Canadá.

Obrigado, eu disse, mas uma noite nesse submarino é suficiente para mim. No entanto, eu não pude deixar de perguntar: como é que todos vocês se sentem ao ficarem debaixo d'água, longe de suas famílias por tanto tempo e receberem apenas um telegrama com duas frases uma vez por semana?

“Sempre que eu embarco neste submarino no porto, a bandeira norte-americana está tremulando e eu saúdo a bandeira”, disse Ball. “E todas as vezes que eu saúdo essa bandeira, eu me lembro dos motivos pelos quais entrei para a Marinha: servir o meu país, fazer parte de algo maior do que eu e honrar a memória das vitimas dos ataques de 11 de setembro (de 2001)”.

Por favor, me recordem novamente o que estamos fazendo em Washington nos dias de hoje para merecermos a dedicação de jovens como esses?