Topo

Não se pode evitar o tema do islã radical

Thomas L. Friedman

22/01/2015 00h01

Eu nunca fui um fã de conferências globais para resolver problemas, mas quando li que o governo Obama está organizando uma Conferência para o Combate ao Extremismo Violento no dia 18 de fevereiro, em resposta aos assassinatos de Paris, eu tive uma reação visceral: será que há algum item no meu imposto de renda que eu possa clicar para que meus impostos não sejam destinados a isso?

Quando você não chama as coisas pelo seu nome verdadeiro, você sempre se mete em apuros. E este governo tem tanto medo de ser acusado de islamofóbico que está se recusando a fazer qualquer ligação das recentes explosões de violência contra civis (a maioria deles muçulmanos) pelo Boko Haram na Nigéria, pelo Taleban no Paquistão, pela Al Qaeda em Paris e pelos jihadistas no Iêmen e no Iraque com o islã radical. Entramos no teatro do absurdo.

Na semana passada, o colunista conservador Rich Lowry escreveu um ensaio na revista “Politico Magazine” que continha citações do porta-voz da Casa Branca, Josh Earnest, que eu não consegui acreditar. Eu tinha certeza que tinham sido inventadas. Mas verifiquei a transcrição: 100% correta. Não tenho palavras para dizer isso melhor do que Lowry:

“O governo caiu no ridículo sem noção. Perguntado por que o governo não diz (após os ataques de Paris) que estamos em guerra com o islã radical, Earnest explicou na terça-feira que a primeira preocupação do governo ‘é com a precisão. Nós queremos descrever exatamente o que aconteceu. Esses indivíduos realizaram um ato de terrorismo e mais tarde tentaram justificar esse ato de terrorismo, invocando a religião islâmica e sua própria visão perturbada dela.’”

“Isso faz parecer como se os terroristas que atacaram o ‘Charlie Hebdo’ saíram para cometer um ato de extremismo violento e só posteriormente, quando perceberam que precisavam de alguma justificativa, usaram o islã.”

“No dia anterior, Earnest tinha admitido que existem listas com ‘exemplos recentes de pessoas que citaram o islã ao realizarem atos de violência’.

Citaram o islã? De acordo com a teoria de Earnest... extremistas violentos despropositados vasculham as escrituras das grandes religiões em busca de alguns versículos para citar em defesa da sua confusão e muitas vezes acontecem de escolher os textos sagrados do islã”.

O presidente Barack Obama é mais sábio que isso. Eu sou totalmente a favor da contenção nessa questão e nunca iria responsabilizar todos os muçulmanos pelos atos de alguns poucos. Mas não é bom para nós nem para o mundo muçulmano fingir que essa violência jihadista não está saindo dessa comunidade de fé. Ela está vindo principalmente, mas não exclusivamente, de jovens revoltados e pregadores nas comunidades sunitas árabes e paquistanesas no Oriente Médio e na Europa.

Se as intervenções ocidentais ajudam a fomentar reações islâmicas violentas, devemos reduzi-las. Na medida em que os imigrantes muçulmanos em países europeus sentem-se marginalizados, eles e os seus anfitriões devem trabalhar mais duro pela absorção. Mas esse tipo de esforço tem limite.

Há outra coisa acontecendo que precisa ser discutida. É a disputa dentro do islamismo sunita árabe e paquistanês sobre como encarar a modernidade, o pluralismo e os direitos das mulheres. Essa batalha é impulsionada pelas disfunções de tantos Estados árabes e do Paquistão. Ela deixou essas sociedades com muitos jovens que nunca tiveram um emprego ou seguraram a mão de uma garota, que então procuram superar sua humilhação por terem sido deixados para trás e encontrar sua identidade, “purificando” seus mundos de outros muçulmanos que não são suficientemente piedosos e de ocidentais que, para eles, estão massacrando os muçulmanos. Mas você não vê isso nas duas comunidades muçulmanas gigantescas da Indonésia ou da Índia.

Somente os árabes sunitas e paquistaneses podem entrar nessa narrativa e remediá-la. Mas os reformadores só podem fazer isso se tiverem um espaço político livre e seguro. Se não vamos ajudar a criar espaço para esse diálogo interno, que fiquemos calados, que não digamos coisas estúpidas. E que não façamos conferências de conto de fadas que se esquivam dos problemas reais, os quais muitos muçulmanos conhecem e estão realmente sedentos para discutir, especialmente as mulheres.

A jornalista árabe Diana Moukalled perguntou no “Asharq Al-Awsat”, de Londres, na semana passada: “Todos esses eventos que estão ocorrendo a nossa volta e sendo cometidos em nosso nome não nos obrigam a romper a barreira do medo e a começar a questionar a nossa região e nossas sociedades, especialmente as ideias que estão sendo traficadas por lá, que nos levaram a essa fase horrível em que estamos rasgando as gargantas uns dos outros, sem mencionar o que acontece como resultado para além da nossa região?”

E uma matéria notável no “The Washington Post” no domingo, de Asra Q. Nomani, muçulmana americana nascida na Índia, aponta um “corpo de honra”, uma espécie de coalizão bem financiada de governos e indivíduos “que tenta silenciar o debate sobre a ideologia extremista, a fim de proteger a imagem do islã”. Este corpo de honra “rotula de islamofóbico qualquer especialista, jornalista ou outro que se atreva a falar da ideologia extremista na religião... Os canais oficiais e não oficiais trabalham em conjunto, provocando, ameaçando e lutando contra os muçulmanos introspectivos e não-muçulmanos em todos os lugares... O assédio moral muitas vezes funciona para silenciar os críticos do extremismo islâmico... Eles levam governos, escritores e especialistas a pisarem em ovos.”

Eu conheço um em particular.