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Sobre avatares e adúlteros

30/03/2013 00h01

Em maio de 2012, eu soube que tinha um avatar na internet: um usuário do Twitter conhecido pelo nome UmbertoEcoOffic e que deu a notícia da morte de Gabriel Garcia Márquez.

O tuíte correu o mundo, provocando alarme e inúmeros pedidos de confirmação e mensagens de condolências em várias línguas. Posteriormente, as organizações de notícias, notadamente aquelas do mundo de língua inglesa, checaram os fatos --como a imprensa sempre deve fazer-- e descobriram que o escritor colombiano estava vivo e passando bem. Além disso, eles souberam que eu nunca tive uma conta no Facebook ou no Twitter.

A verdade é que eu já recebo mensagens inúteis demais e não tenho nenhum desejo de poluir o universo com minhas próprias. Mas não há nada que impeça um completo estranho de usar meu nome em sua conta do Twitter. Dessa forma, qualquer pessoa frustrada e com problemas de identidade pode adotar livremente o nome de qualquer um no mundo virtual, de Aristóteles ao primeiro-ministro italiano Mario Monti.

Mas a história não termina aí. Eu soube recentemente que outro falso Umberto Eco vem fazendo muitos amigos no Facebook. Eu devo apontar que essa notícia não chegou a mim pela mídia, mas por amigos em um bar provincial --que, é claro, riram a respeito, porque não é preciso ser um professor universitário para perceber uma mentira.

Meus amigos notaram que esse perfil no Facebook me apresentava como "Eco Umberto" em vez de "Umberto Eco". Essa fórmula sobrenome-nome, que na Itália denota um nível baixo de educação, os levou a deduzir que se tratava de obra de um mentiroso. Na Itália, geralmente apenas crianças no primário apresentam a si mesmas pelo sobrenome seguindo pelo primeiro nome. À medida que se tornam mais velhas e mais sábias, passando para o colegial e depois para a faculdade, a maioria delas abandona a construção em prol da fórmula nome-sobrenome --a menos que ingressem nas forças armadas ou venham de um país como a Hungria ou o Japão, onde as convenções são diferentes.

Mas minha preocupação tem pouco a ver com o mentiroso --que, pelo que sei, pegou emprestado meu nome por um senso de profunda solidão, temendo que, se usasse o seu próprio, poderia não ter nenhum amigo ou não receber nenhuma mensagem. Minha preocupação é com as pessoas que conversaram com ele, acreditando estarem falando comigo. A tragédia não é a existência do mentiroso, mas todas aquelas belas almas --que, devo dizer, enviaram mensagens muito gentis “a mim”-- que foram enganadas.

Aparentemente, elas não notaram que o perfil de Eco Umberto declara "não o verdadeiro" --apesar de em letras minúsculas que lembram as letras miúdas nas apólices de seguro-- e aponta uma data de nascimento de 1º de abril de 1960. Para algumas pessoas, aparentemente, tudo o que aparece online é verdade (e nós nos perguntamos por que as pessoas votam do modo como votam)

Navegar pela internet também revela muitas outras surpresas mais devassas. Em um site que não darei o nome --para não encorajar ninguém que não consiga arrumar um caso adúltero à moda antiga por conta própria-- eu me deparei com um convite de abrir os olhos. Ele dizia algo como: "Deseja adicionar um pouco de tempero à sua vida com total discrição? Ouse desfrutar de novos encontros extraconjugais e viver suas fantasias com outros adultos consensuais! Milhões de amantes já se juntaram à comunidade!"

Eu fiquei tentado a seguir o link e saber detalhes da oferta absurda, mas fiquei com medo de que o mero clicar pudesse me colocar em uma lista dos "milhões de amantes" para que todo mundo visse, apesar do site prometer privacidade --assim como o personagem de "Amarcord", o filme de Fellini, que sobe em uma árvore e grita, para que todo mundo ouça, que ele quer uma mulher. Isto, por sua vez, me traz à memória uma das antigas frases de Woody Allen: "Eu tenho um desejo intenso de voltar ao útero. Qualquer útero".