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Músico morre após esperar 38h por vaga em UTI no PR; familiares acusam hospital particular de exigir pagamento antecipado para interná-lo

Emerson Antoniacomi, músico de Curitiba, morreu após 38 horas de espera por uma vaga em uma UTI - Reprodução/Facebook
Emerson Antoniacomi, músico de Curitiba, morreu após 38 horas de espera por uma vaga em uma UTI Imagem: Reprodução/Facebook

Rafael Moro Martins

Em Curitiba

18/05/2012 20h31Atualizada em 19/05/2012 13h47

Familiares e amigos de um músico que morreu nesta quinta-feira (17) após aguardar por 38 horas em um posto de saúde por uma vaga em uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva) criticam o sistema de saúde pública de Curitiba e o atendimento de um hospital particular que, segundo eles, exigiu o pagamento de R$ 30 mil em dinheiro como condição para a internação. O Conselho Regional de Medicina do Paraná abrirá sindicância para investigar o caso.

Emerson Antoniacomi, 40, passou mal por volta das 20h da terça-feira (15) num estúdio de gravação. Dali, foi levado pelo Samu à Unidade de Saúde do Boa Vista, na zona norte da cidade. Na ambulância, teve diagnosticado um AVC (Acidente Vascular Cerebral).

Sem plano de saúde particular, o músico permaneceu no posto de saúde até as 10h da quinta-feira (17), quando foi transferido ao Hospital Angelina Caron, em Campina Grande do Sul, região metropolitana, onde finalmente surgiu uma vaga em UTI do SUS (Sistema Único de Saúde). Ao dar entrada no Angelina Caron, foi constatada a morte cerebral de Antoniacomi.

Hospital privado

Ante a falta de vagas em UTIs públicas, parentes e amigos tentaram, em vão, transferi-lo a um hospital particular. Anderson Antoniacomi, irmão do músico, disse ao jornal “Gazeta do Povo” que a família passou toda a quarta-feira buscando uma vaga, enquanto Emerson permanecia internado na unidade 24 horas. “Quando finalmente surgiu uma vaga, na quarta à noite, num hospital particular, minha mãe foi até lá, mas ouviu que a transferência só seria feita com o pagamento de R$ 30 mil em dinheiro vivo, pois não poderiam aceitar cheque caução”, disse ao UOL o músico Eugênio Fim, amigo de Antoniacomi.

Procurado pela reportagem do UOL, o hospital Vita Curitiba informou, por meio de nota, que “o paciente Emerson Antoniacomi não esteve em nosso pronto-atendimento. Foi apenas solicitado o orçamento para cirurgia e internação particular em UTI”. Sobre a exigência dos R$ 30 mil, o hospital não fez menção no comunicado.

De acordo com o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor, exigir cheque caução para aceitar um paciente é prática abusiva. No último dia 9, o Senado aprovou projeto de lei que criminaliza a exigência de cheque-caução por parte de hospitais e centros de saúde como condição para atendimento. Segundo o texto, que aguarda sanção da presidente Dilma Rousseff, condicionar atendimento de emergência ao pagamento antecipado poderá ser punido com detenção de três meses a um ano, além de multa.

No caso de Antoniacomi, parentes e amigos acusam o hospital particular de exigir o depósito caução em dinheiro. “Depois é que percebemos que talvez o hospital se negou a aceitar o cheque porque ele seria uma prova da cobrança do caução. Mas como iríamos conseguir R$ 30 mil em dinheiro de madrugada, quando os saques em caixas são limitados a R$ 100?”, questionou Otávio Madureira, colega do músico.

Eugênio Fim também criticou o atendimento do Samu e no posto de saúde da prefeitura. “Se na ambulância já se percebeu que o caso era grave, Emerson deveria ter sido levado a um hospital, onde pudessem ser feitas imediatamente uma tomografia e uma cirurgia.”

No posto, a tomografia só foi marcada para a manhã de quarta-feira, em outro hospital. “Ele foi levado para o exame sem que ninguém da família fosse avisado ou o acompanhasse. Enquanto isso, todos permaneciam no posto, ouvindo um funcionário falar sobre doação de órgãos sem um mínimo de humanidade”, disse Fim.

Outro lado

Em entrevista à “Gazeta do Povo”, o assessor especial de gestão da prefeitura de Curitiba, Matheos Chomatas, reconheceu que o tempo de espera foi acima do normal para um caso de AVC. Ao jornal, ele disse que há “falta de leitos recorrente” na rede pública da região de Curitiba, devido a falta de profissionais e de pacientes vindos do interior do Estado.

A reportagem do UOL procurou a assessoria de comunicação da Prefeitura de Curitiba nesta sexta-feira à tarde, que informou que falaria sobre o caso apenas em nota oficial. O texto afirma que Emerson Antoniacomi recebeu atendimento “já no trajeto da ambulância do Samu até o Centro de Urgências Boa Vista, onde chegou, na terça-feira (15) à noite, em estado gravíssimo, com suspeita de lesão cerebral.”

“[Antoniacomi] foi imediatamente levado ao Setor Avançado de Vida da unidade, entubado e estabilizado, procedimentos que seriam adotados em uma UTI. Na quarta feira (16), foi levado ao Hospital de Clínicas para uma tomografia. O exame diagnosticou um sangramento abundante na região cerebral, quadro difícil de ser revertido, mesmo com cirurgia. Enquanto permaneceu no Centro de Urgências, o estado de saúde do paciente permaneceu estável, sem piora”, prossegue a nota.

A Federação dos Hospitais do Paraná orienta que hospitais devem dar toda a atenção necessária aos pacientes, principalmente em caso de emergência, e depois tratem do pagamento. A entidade disse desconhecer a exigência de pagamento em dinheiro para vaga em UTIs particulares.

Também em nota oficial, o Conselho Regional de Medicina do Paraná informou que “encaminhou o caso à corregedoria para esclarecimentos com os envolvidos mediante abertura de sindicância.”

Emerson Antoniacomi, que tocava em bandas como Regra 4, Namastê, Djambi, Arma de Jah e Sinfonética Comunitária Flutuante, foi sepultado no fim da tarde desta sexta, em Curitiba.