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Sem coleta desde a eleição, moradores de cidade no Rio apelam para "lixão da Carminha"

O vendedor de frutas José Moreira, 49, sofre com os prejuízos, já que sua barraca fica rodeada de moscas --ele já perdeu as contas de quantas matou. Do outro lado da rua, há crescente acúmulo de lixo no terreno baldio conhecido como "lixão da Carminha". - Zulmair Rocha/UOL
O vendedor de frutas José Moreira, 49, sofre com os prejuízos, já que sua barraca fica rodeada de moscas --ele já perdeu as contas de quantas matou. Do outro lado da rua, há crescente acúmulo de lixo no terreno baldio conhecido como "lixão da Carminha". Imagem: Zulmair Rocha/UOL

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

08/11/2012 06h00

Moradores de Belford Roxo, na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, sofrem desde o primeiro turno da eleição municipal, no dia 7 de outubro, com a interrupção da coleta de lixo na cidade --o serviço foi paralisado em função de irregularidades contratuais envolvendo a empresa Locanty. A reportagem do UOL visitou a cidade nesta quarta-feira (7) e constatou que o problema é grave.

Sem opções ante ao acúmulo de lixo nas ruas, a população do bairro Jardim Bom Pastor adotou como depósito de lixo um terreno baldio, apelidado de "lixão da Carminha" (em referência ao personagem da atriz Adriana Esteves na novela "Avenida Brasil"). Todos os dias, durante a madrugada, os próprios moradores colocam fogo nos detritos para diminuir o volume do lixo acumulado no local.

Desconfiados de que o problema deve perdurar até o início de 2013, quando uma nova gestão assumirá a Prefeitura de Belford Roxo, moradores chegam a ficar preocupados quanto à capacidade de armazenamento do "lixão". "Daqui a pouco isso aqui vai estar lotado e não vai ter mais onde jogar lixo. O fogo já dá uma ajuda", afirma o pedreiro João Marcos da Silva, 48, morador da região.

"Quando o pessoal acorda, pela manhã, tem a impressão de que mora na região serrana. A fumaça é tanta que parece neblina", ironizou o comerciante José Moreira, 49.

Moreira, que trabalha em uma barraca de frutas do outro lado da rua, afirmou ao UOL que o terreno baldio pertenceria ao político Nelci Praça, que foi escolhido como suplente após não se eleger vereador pelo PTC. O vendedor disse que o prejuízo financeiro tem sido "inevitável". O motivo? Sua barraca de frutas fica completamente rodeada de moscas.

"Já levei um prejuízo de mais de 60%. Quem passa aqui vê essa nuvem de moscas pairando sobre as frutas. Óbvio que ninguém vai comprar. E também já perdi a conta de quantas moscas matei", disse ele, em tom de indignação. Ao lado da barraca, a reportagem encontrou centenas de moscas mortas. "Parece um cemitério", comentou o comerciante.

De acordo com o fruteiro, o "lixão da Carminha" --situado na estrada Belford Roxo, próximo à favela Gogó da Ema-- já se popularizou a ponto de captar lixo oriundo de outros bairros. Utilizando carrinhos de mão, charretes e até veículos fretados, belford-roxenses percorrem pequenas, médias e grandes distâncias carregando sacolas com detritos. "Isso acontece todos os dias, até de madrugada", disse Moreira.

O aposentado João Orlando Mota, 65, também vem registrando prejuízo financeiro em função do problema. Segundo ele, que possui quatro imóveis disponíveis para locação na mesma rua do lixão, pelo menos oito inquilinos já desistiram de morar no local, pois não aguentaram a fumaça diária, o mau cheiro e a incidência de moscas, ratos, baratas, entre outros bichos. "Amanhã mesmo, tem uma pessoa que veio de Pernambuco e avisou que não vai permanecer", disse.

O ex-candidato a vereador citado como proprietário do terreno baldio não foi localizado pela reportagem do UOL para comentar o assunto.

'Gato não dá conta'

Em uma localidade próxima ao "lixão da Carminha", conhecida como Tucum, o acúmulo de lixo tem dado trabalho não só para os moradores da região. Até o animal de estimação da doméstica Lucila Glória, 65, o gato Túlio, sofre com o problema.

"Meu gato não dá conta de pegar mais rato. O pobrezinho nunca teve tanto trabalho", disse ela, que é vizinha da aposentada Lahy Carvalho dos Santos, 80. Segundo a idosa, cuja porta de casa está tomada de lixo, o descaso em relação à limpeza urbana agravou sua gastrite nervosa.

"Já tive que ir para o hospital por conta desse mau cheiro. Minha gastrite nervosa não aguenta", afirmou.

  • Zulmair Rocha/UOL

    Uma grande pilha de lixo se formou a cerca de 30 metros da porta da Escola Municipal José Mariano dos Passos

Pilha de lixo perto de escola

Uma grande pilha de lixo se formou a cerca de 30 metros da porta da Escola Municipal José Mariano dos Passos, na estrada Belford Roxo, o que vem prejudicando a rotina dos alunos, segundo uma das coordenadoras da instituição.

"A cozinha fica cheia de moscas. Até dentro da sala de aula é possível sentir o mau cheiro. Para piorar a situação, eles cortaram a água para manutenção", disse ela, que preferiu não se identificar por ser funcionária da prefeitura.

De acordo com Gisele Castro, moradora da região, a Secretaria Municipal de Educação marcou uma reunião com representantes do colégio a fim de tentar resolver o problema.

Ação emergencial

O governo municipal tem sido alvo de reclamações e protestos nos últimos dias. Na terça-feira (6), populares colocaram lixo na porta da sede da prefeitura e picharam os muros com mensagens de insatisfação.

No mesmo dia, garis que prestavam serviço para a Locanty colocaram fogo em sacolas de lixo nas proximidades da garagem da empresa, na avenida José Mariano dos Passos --o Corpo de Bombeiros precisou se dirigir ao local para conter as chamas.

Em nota, a Prefeitura de Belford Roxo afirmou que "devido à irregularidade na apresentação das certidões da empresa Locanty, a referida está impedida de prestar serviços a órgãos públicos, abandonando assim, a coleta de lixo na cidade".

  • Retroescavadeira retira lixo em uma das ruas do bairro Jardim Bom Pastor, em Belford Roxo

A paralisação do serviço teve início no dia 7 de outubro, data do primeiro turno da eleição municipal. "Conforme a lei, [a prefeitura] está dando prosseguimento à licitação para contratação de nova empresa para a prestação desse serviço", informou o governo municipal.

Uma ação emergencial, que teve início nesta quarta-feira (7), mobilizou 40 veículos para recolhimento do lixo acumulado (25 caminhões, cinco compactadores e dez "burrinhas" --carros pequenos que sobem aos morros) e aproximadamente 200 garis, na versão da prefeitura.

A Locanty, por sua vez, afirmou continuar atuando no serviço terceirizado de limpeza urbana. Na versão da empresa, o valor acordado no processo de licitação feito pela Prefeitura de Belford Roxo não é pago há quatro meses.

A reportagem do UOL visitou as sedes do governo municipal e da Locanty (filial de Belford Roxo, onde os caminhões são estacionados), porém não houve recepção por parte de ambos.

Novo prefeito

A assessoria de Dennis Dauttmann (PC do B), que assumirá a prefeitura em janeiro de 2013, afirmou que o novo gestor municipal está em Brasília, onde participa de reuniões com lideranças políticas.

Dauttmann teria, segundo sua assessoria, solicitado uma "ação imediata" ao prefeito em fim de mandato, Alcides Rolim (PT). A prioridade seria regularizar o serviço o mais rápido possível e investir em alternativas como coleta seletiva a partir do próximo ano.