Morador da Maré vende óleo usado para financiar cinema na rua para crianças
Toda quinta, sexta e sábado, por volta das 19h, o músico Begha Silva, 56, escolhe um beco entre o sem fim de vielas que compõem o Complexo de favelas da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro, e transforma a rua em um cinema a céu aberto. O público são as crianças do Complexo de cerca de 130 mil habitantes que correm de encontro ao músico a cada nova sessão.
Begha, que ganha a vida fazendo anúncios pela favela com uma caixa de som presa à inseparável bicicleta, teve a ideia em 2013, ao ver a curiosidade com que os pequenos acompanhavam o seu trajeto. Em novembro, orgulha-se, o ‘cinema no beco’ completa dois anos. “A comunidade não tem nada para as crianças”, diz. “Cinema é caro demais, tudo dentro do shopping. Muitos pais não têm nem como pagar a condução, muito menos o ingresso.”
Para financiar o projeto, passou a recolher óleo usado pelos moradores e vender. Pesquisou na internet e orçou em R$ 2 mil o equipamento necessário. “Pensei, vou morrer de tanto catar óleo, mas a causa é nobre”, diz. Acabou ganhando o projetor de uma rede de supermercados da comunidade, que ganhou um anúncio vitalício na traseira da bicicleta pela gentileza, e a lona, que faz às vezes de tela, de uma ONG.
Cinema tem pipoca e filmes escolhidos por votação
Com o dinheiro do óleo reciclado, vendido a R$ 0,80 o litro, compra a pipoca e o refrigerante servido às crianças. Também conseguiu melhorar a “tecnologia” de transmissão, que consiste no projetor preso à bicicleta e ligado através de uma gambiarra de fios à caixa de som e à tomada mais próxima, geralmente cedida por alguma das casas vizinhas. “Todo mundo quer ajudar. Um vizinho traz pipoca, outro refrigerante, outro bolo.”
Nos dias de chuva, negocia o espaço com alguma associação de moradores, mas gosta mesmo de ver as imagens tomando às ruas da comunidade. Sentadas no chão, cerca de 30 crianças costumam acompanhar, animadas, às sessões.
Geralmente animações e 'blockbusters' infantis, os filmes - DVDs piratas comprados pelo músico-, são escolhidos pelas crianças. Se tiverem mais meninos, lembra, é comum o ogro Shrek vencer a votação; se o público for de meninas, não tem jeito. A rua se enche com as músicas do conto de fadas "Frozen".
Antes Begha faz questão de passar um pequeno clipe com uma de suas músicas lembrando aos pequenos a importância de preservar a natureza, principal tema de suas canções. Sua única filha, Taína, 14, foi batizada em homenagem ao filme homônimo que conta as aventuras de uma indiazinha defendendo a Amazônia.
No começo do ano, Begha venceu um edital da prefeitura do Rio que premia ações em favelas. Quando receber a verba, planeja comprar uma bicicleta nova e desenvolver uma cartilha ensinando o ofício do cinema sob duas rodas para que outras pessoas possam reproduzir a experiência em suas próprias comunidades.
“Amanhã eles vão crescer e vão lembrar, ‘tinha um cara que quando eu era criança fazia um cinema com uma bicicleta’ e quem sabe isso ajude eles de alguma forma”, diz, enquanto prepara a sessão do dia 23.
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