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Arrastões foram do roubo à crueldade em duas décadas, dizem cariocas

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

24/09/2015 06h00

O período de dezembro a março de 1992 no Rio ficou conhecido como "verão do arrastão". Às vésperas das eleições municipais, os fins de semana nas praias da zona sul eram marcados por furtos, roubos e correria generalizada. Duas décadas depois, as cenas de violência se repetem. No último sábado (19) e no domingo (20), foram registrados tumultos em pelo menos quatro bairrosCerca de 30 suspeitos foram detidos. Para moradores de Copacabana, há um agravante: a crueldade dos criminosos.

"Na década de 90, o arrastão era até meio 'pacífico'. Eles vinham, puxavam a bolsa e corriam. É totalmente diferente do arrastão de hoje, que beira a calamidade pública. Não havia essa violência e essa brutalidade", afirmou a pensionista Sueidy Baêta Costa, 69, moradora de Copacabana há 40 anos. "Eles batem, roubam, machucam, não respeitam mais os idosos. Hoje, um menino de nove ou dez anos está matando pessoas."

"Está mais grave porque eles já chegam para ferir ou para matar. Naquela época, os arrastões eram mais esporádicos e aconteciam apenas no verão. Hoje, para você ver, não estamos nem no verão ainda e já estão tocando o terror", disse Dulce Cantanhede, 82, que mora no bairro há 20 anos. "Não dá para se sentir seguro na praia. A sensação é que alguma coisa ruim pode acontecer a qualquer momento."

O químico aposentado Raul Ricardo, 68, morador de Copacabana há 15 anos, afirmou que os arrastões sempre foram comuns no período entre 16h e 18h, quando há grande fluxo de pessoas saindo das praias. Segundo ele, os criminosos estão mais organizados. "Eles se comunicam antes e se preparam para agir. Usam o celular ou o WhatsApp para trocar informações sobre locais de maior movimentação. Está ficando profissional", ironizou. 

O professor Luiz Antônio, gaúcho residente no bairro há 25 anos, afirmou que os arrastões da década de 90 eram mais concentrados. "Eu tenho visto pequenos arrastões em toda a praia. Parece que hoje a coisa é mais espalhada", comentou. Já o militar Antônio Justino, 66, disse que os grupos de suspeitos são cada vez mais numerosos. "Agora vem aquelas gangues com mais de 20, 30. O negócio está virando um caos", declarou ele, morador do bairro há 20 anos.

Gilka Chaves, 85, moradora de Copacabana há 50 anos, afirmou que não se sente à vontade para circular livremente pelas ruas e avenidas do bairro. "Piorou 100%. Antigamente, a gente andava cheia de joias aqui em Copacabana, mas hoje não dá para fazer isso", disse. O jornalista Umberto Borges, 72, morador há 70 anos, também prefere evitar a ostentação. "Os caras vêm só de bermuda, sem dinheiro, e tocam o terror mesmo. Você não pode usar um boné, um relógio ou tirar uma câmera do bolso."

"O que eles vêm fazer aqui?"

  • Fernando Maia/UOL

    Tem que fazer mesmo [abordagem nos ônibus] para eles ficarem lá. O que eles vêm fazer aqui? Por que não vêm curtir a praia de forma civilizada? Se eles querem violência, a gente tem que enfrentá-los com violência. A polícia não está dando conta. Os rapazes aqui têm que tomar providência. Já que eles vêm agredir a gente, temos que agredi-los também

    Gilka Chaves, 85, sobre abordagem policial nos ônibus e mobilização de grupos de justiceiros
  • Fernando Maia/UOL

    Se acontecesse isso lá em Portugal, viria a brigada do Exército e colocaria ordem. Ou tu para ou vai tudo morrer. Quando a polícia não dá mais conta, chama-se o Exército e aí a coisa pega. Deveriam fazer isso aqui

    Aurelino Santos, 86, questionado se havia arrastão em sua terra natal. Em 20 anos de visitas ao Rio, o português diz nunca ter sido roubado na cidade
  • Fernando Maia/UOL

    Se um garoto entra sem camisa, sem chinelo, sem dinheiro e não paga o ônibus, como eles vão ficar em uma praia durante duas ou três horas sem comer e sem beber uma água ou um líquido qualquer? Qual é a finalidade deles? Eles já vêm justamente para fazer arrastão mesmo

    Raul Ricardo, 68, sobre o deslocamento de crianças e adolescentes de bairros do subúrbio e da zona norte da cidade até as praias da zona sul carioca